O Desporto e a Atividade Física no Jogo de hoje
Hodiernamente definir o desporto e a atividade física parece reduzir-se a uma distinção entre o desporto profissional e o desporto de lazer e/ou à saúde, uma modalidade de se mexer pelo bem-estar e pela sociedade. Ou, em Portugal, o futebol e o resto, como à saciedade o prova o tratamento jornalístico nestas terras que são as nossas. Urge uma “alfabetização desportiva”, proclamava Francisco Sobral em Introdução à Educação Física (Lisboa: Livros Horizonte, 1985, p. 12).
Hoje o desporto e a educação física deixaram de ser apenas a educação do físico, para ser entendida como uma educação através de meios físicos, destacando-se o movimento. Mas antanho entendeu-se longamente que a educação pelo movimento, e sobretudo o movimento expressivo, era apanágio da ginástica, e ginástica rítmica, e da dança, não tendo por isso lugar na educação dos rapazes (como no desporto, de igual modo, se excluíam as raparigas). Assim, as escolas e os seus programas distinguiam, com fronteiras nítidas e rígidas, o que era próprio a um sexo e a outro. Fator, indiscutível, de preconceito sexista que prejudicou gravemente o desenvolvimento do jogo como desporto e atividade física de todos/todas e para todos/todas.
Quer o movimento ginástico, quer o movimento desportivo, ou o jogo como um todo, reside na determinação da forma e dos efeitos que é típico a cada uma destas expressões do jogo, sem distinção, e muito menos, discriminação de sexo, etnia, ou outro qualquer que seja. Razão tinha António Aleixo (em Inéditos): “Desporto e pedagogia // se os juntassem como irmãos, // esse conjunto daria // verdadeiros cidadãos! // Assim, sem darem as mãos, // o que um faz, outro atrofia”. A nossa contemporaneidade (no espaço que definimos como Ocidente) vai provando a mais-valia desta aliança entre o jogo e a educação, e como é salutar a educação física (seja qual seja a sua expressão) na formação das novas gerações e na qualidade de vida de todos/todas praticantes do desporto e da atividade física.
Já Aristóteles em A Política escreveu – Hoje, a educação compõe-se ordinariamente de quatro partes distintas: as letras, a ginástica, a música e, por vezes, o destino. A primeira e à última por serem consideradas de uma utilidade tão positiva como variada na vida e a segunda para formar o valor. Mas a história do pensamento do jogo poderá, mesmo que brevemente, ajudar a perceber a sua pertinência e peripécias até chegar ao hoje em que nos situamos.
Foi na Inglaterra, país no imaginário atual como terra fértil do desporto, que em 1314 o rei proibiu os jogos desportivos de bola, em consequência dos excessos provocados pelos praticantes, propondo o tiro ao arco, pois seriam mais úteis ao reino. Mas Jaime I, nos primeiros anos do século XIX, estipulava que a educação do príncipe herdeiro devia incluir o salto, a luta, a equitação, e outras atividades desportivas, excluindo os jogos de bola. Afirmava que os jogos de bola pareciam mais destinados a estropiar um homem do que a fortalece-lo. Contudo, e no mesmo tempo, personagens como o cónego Kingsley, de Westminster, propõe a educação pelo desporto da classe operária como forma de reagir à decadência física e à exploração. Ou, Thomas Arnold, pastor e diretor do colégio de Rugby, que procura, com a recuperação e reformulação de jogos de rua, transformar um pouco que seja a vida dos estudantes. Arnold procura o ideal do cavaleiro medieval, e propõe que o desporto forme atletas e a moral forme cristãos. Porém, a civilização técnica acarretou toda a espécie de conforto e ociosidade, mesmo luxúria, que se arrisca a levar a pessoa humana à sua decadência ou degenerescência, pensava o tenente Georges Herbert, demonstrando uma certa ingenuidade filosófica, mas metodologicamente parece estar co caminho certo na valoração e na valorização do jogo e da sua componente educativa.
Já Baden-Powell, que nunca ocultou o conteúdo prático do seu método ao serviço do império britânico, com o escutismo propõe um sistema de educação global, físico e moral. Impressionado pelo vigor físico dos povos indígenas, bem como dos seus códigos de conduta e de honra, e da sua rudeza de vida, das colónias do império. Para Baden-Powell a dimensão corporal, procurando cumprir o homem indígena, passa pelo campismo, as marchas e os jogos de campo, bem como toda aa espécie de exercícios de superação de obstáculos naturais. Seja com fins utilitários, seja para melhor conhecer (e amar) a natureza. Aqui, à educação corporal sobrepõe-se a educação sensorial, a qual serve a primeira. Ou P. H. Ling, assente num sistema fundado sobre bases científicas, sobretudo a estrutura anatómica, e estudada com imenso rigor, para determinar a melhor qualidade e intensidade dos exercícios. Para Ling a anatomia é o melhor documento dos ginastas. Contudo, sem anacronismos, Ling exclui na sua proposta as crianças, as mulheres e os portadores de deficiências.
É preciso outro caminho, inspirado essencialmente no movimento sueco ou na ginástica de Jahn, que Georges Demeny aperfeiçoa com movimentos curvilíneos e continuados, e não angulosos e bruscos. E apresenta, igualmente, como fundamentais as grandes funções internas – circulação, respiração, controlo nervoso, etc –, os seus estudos cronofotográficos e a introdução da educação física na universidade. Ou a psicocinética de Le Boulch, que une a motricidade e o psiquismo humano. Agora conta a aprendizagem motora e a aprendizagem psicomotora. Estes são alguns contributos passados que definem o lugar do jogo, como desporto e atividade física, no hoje em que nos situamos e nos movemos.
O desporto é para todos. Se os romanos afirmavam que uma mente sã em corpo são é uma virtude magnífica, num sentido que completa, e hoje mais do que nunca, este adágio, afirmo: uma mente sã em corpo doente não se abandona à inatividade. E, assim, o desporto e a atividade física, o jogo, é para todos e para todas. “Definir o desporto como toda a atividade que se pratica, buscando prazer em si própria, é ao mesmo tempo uma verdade incontroversa e uma definição limitada. É porém nesta aceção que muita gente o considera e daí muitas expressões radicadas na linguagem vulgar como «trabalhar por desporto», acentuando o caráter desinteressado, pelo menos economicamente desinteressado, da ocupação desportiva” (Francisco Sobral, o.c., p. 131). Para Sobral, e muito bem, a procura do prazer e o quadro lúdico não esgotam uma definição completa de desporto; como não basta acrescentar atividade física, pois temos desportos de reduzida atividade física (xadrez, automobilismo, tiro, etc).
A superação e o inconformismo perante todos os limites são traços de caráter a cultivar nos praticantes de todos os desportos. A eficácia e uma combinação de movimentos psicomotores, segundo certas regras e muito fair play, são hoje linhas definidoras do jogo, de uma atividade justificada por objetivos exteriores (que exigem grande preparação e educação interior do praticante) como a marca, a proeza, o resultado, o record, etc. O desporto carateriza-se pela extrema tenacidade, sem dúvida condição indispensável para a realização do princípio efeito máximo. Mas, igualmente, um desporto inclusivo. (continua…)