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Caminho de Torres – Caminho de Santiago

Álvaro Manuel Nunes
Opinião \ quarta-feira, outubro 09, 2024
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Guimarães vai celebrar no próximo dia 13 de Outubro o Dia do Peregrino, uma iniciativa que pretende conciliar aspetos espirituais e históricos, estando previstas a realização de atividades diversas.

Por iniciativa da República Portuguesa, instituída pela Assembleia da República de 27 de Agosto de 2014, tendo em conta que na data de 13 de Outubro se assinala a última aparição de Fátima, esta data foi designada como o Dia do Peregrino.

 Neste contexto, Guimarães vai celebrar no próximo dia 13 de Outubro o Dia do Peregrino, uma iniciativa que pretende conciliar aspetos espirituais e históricos, na qual estão previstas a realização de atividades diversas e especificamente a divulgação do denominado Caminho de Torres, que cruza o concelho vimaranense se encontra atualmente em processo de certificação.

Com efeito e concretamente, neste domingo de 13 de Outubro, sob a alçada do Turismo de Guimarães, em colaboração com a Associação Espaço Jacobeus, está prevista uma caminhada guiada por etapas pelo Caminho de Torres e uma sessão de cinema centrada no tema das peregrinações aberto aos participantes interessados.

Ora e de facto, “O Caminho de Torres – História de um caminho, um caminho na História” constitui uma edição das cinco comunidades intermunicipais nortenhas, entre as quais a Comunidade Intermunicipal do Ave (CIA). Uma publicação de autoria de Paulo Almeida Fernandes, com cerca de 300 páginas e excelentes fotografias, reportando o denominado Caminho de Torres, que partindo de Salamanca e entrando em Portugal por Almeida, sobe até Guimarães provindo do Douro, e prossegue norte fora, por Braga, Vila Verde, Ponte de Lima, Rubiães (Paredes de Coura) até à raia em Valença e Tui, rumo a Santiago de Compostela. Um percurso inesquecível, também chamado Moçárabe, uma vez que se crê que por estas vias terão caminhado os primeiros peregrinos moçárabes, os cristãos que na altura viviam sob o domínio muçulmano na Hispânia medieval.

No entanto, a adoção do nome Caminho de Torres provem do espanhol Diego Torres Villarroel (1694-1770), poeta, aventureiro, matemático e astrónomo, natural de Salamanca, que enquanto homem dos sete ofícios seria ainda professor universitário, político, presbítero, e figura da cultura espanhole entre o barroco e o iluminismo.

Com efeito, em 1737, após um exílio em Portugal nos anos de 1732 a 1734, Diego Torres meteu pés a caminho de Santiago de Compostela, na companhia do amigo Agustin de Herrera e dois criados, cada um com um cavalo e um burro, optando por este caminho português, em alternativa ao trajeto espanhol por Zamora, Sanabria e Ourense, provavelmente por motivações afetivas e promessa assumida aquando do exílio.

No entanto, seis anos mais tarde, em 1743, Torres consideraria esta jornada jacobeia como uma peregrinação indevota. Na circunstância, escreveria até que “foi sem dúvida o mais indignadamente cumprido, porque as indevotas, vãs e ridículas circunstâncias da minha peregrinação puseram a perder parte do mérito e do valor da promessa”, uma vez que, como explica nas suas memórias, fora vivenciada em casas fidalgas e conventos com muita diversão. Efetivamente, ao que consta, uma jornada vagarosa, que duraria cerca de cinco meses, para que “ o meu companheiro e os meus criados vissem sem pressa os lugares daquele reino”.

 

Quanto à obra, surgida na sequência da valorização do Caminho de Torres, empreendida no âmbito das ações de património cultural e turístico por parte das cinco comunidades intermunicipais da região Norte de Portugal (Douro, Tâmega e Sousa, Ave, Cávado e Alto Minho), proporciona-nos uma visão detalhada sobre as cerca das 31 localidades do seu trajeto, de quase 600 quilómetros, compreendidos entre Salamanca e Santigo de Compostela, calcorreados ao longo de 24 dias de caminhada num “percurso inesquecível, diverso e com personalidade própria”, que percorre localidades do norte de Portugal e regiões espanholas de Leão e Castela e Galiza.

Viagem-peregrinação que passa também por Guimarães, que após passagem pelo mosteiro de Pombeiro de Ribavizela (abordado com detalhe), cruza o rio Vizela para poente em direção de Gémeos e Abação, até Pinheiro, onde entronca na antiga estrada medieval que levava ao centro de Guimarães. Daí ”chega-se rapidamente à Fonte Santa, apesar de existir pelo meio a subida a Penedos Altos”. Quiçá um esforço suplementar a suscitar um refrescamento na Fonte Santa, em Urgezes, que nos faculta ensejo a contar a lenda da Fonte Santa, local onde se estabeleceria o frade São Gualter, em 1217.

De seguida, sempre a descer pela Avenida D. João IV, atinge-se o rio de Couros e traz-se à memória as antigas fábricas de curtumes, seguindo-se uma ligeira subida até ao convento de S. Francisco. Aqui, após uma sabática lição com o passado do convento, ocorre o reencontro com S. Gualter, que traz à colação o historial das Festas Gualterianas. Mas também, uma alusão a outros mosteiros medicantes como os dominicanos e S. Domingos, a trazer à liça a legenda do beato Frei Lourenço Mendes, detalhadamente contada.

Todavia, Santiago e a devoção a Santa Maria de Guimarães (mais tarde Nossa Senhora da Oliveira) e o seu historial permitem uma pausa na viagem. Até porque, como diz o ditado “quem vai a Santiago e não passa pela Oliveira não faz peregrinação verdadeira”. Pode assim vir à colação os 44 milagres que motivaram a organização do livro de milagres e da aura de santidade em torno da colegiada vimaranense, que além da relevância devocional era também um destino de peregrinações e romarias, pelas relíquias que dispunha, como esta passagem dilucida:

 

“Principal centro de peregrinação do Norte do país desde o século XV – a ponto de se difundir que a imagem de Santa Maria (que se sabe hoje ser do século XIII) havia sido ali colocada pelo próprio apóstolo Santiago, durante a sua lendária evangelização da Península Ibérica -, a colegiada foi objeto de atenção por parte dos monarcas do tempo barroco.”

 

Entretanto e a propósito da afluência peregrina a Guimarães, a obra referencia ainda a vasta rede de equipamentos assistenciais durante a Idade Média existentes na cidade, enumerando cerca de 17 instituições, entre as quais a Albergaria de Santiago, que já existira em 1212.

A peregrinação pela cidade alude depois à capela de Santiago:

 

“ A primeira notícia que se conhece deste edifício remonta a 1114 e dá conta da existência de uma capela construída por francos, companheiros do conde D. Henrique e guardas da infanta D. Teresa. O edifício medieval foi destruído há muito, mas sabe-se que tinha torre anexa à fachada principal, referida em 1284, e que foi objeto de obras em 1331, mencionadas no testamento de Rodrigo Afonso de Portel, que deixava 30 soldos para a campanha. O conjunto era ainda servido por um claustro, o que ampliaria significativamente o edifício na atua Praça de Santiago, não sendo hoje fácil equacionar a existência de uma quadra naquele espaço urbano específico”.

A capela medieval passou por várias etapas até ser totalmente demolida”

 

Porém, após 1607, esta capela, cuja configuração se conhece graças a gravuras, seria substituída por outra mais pequena, uma vez que o espaço na Praça de Santiago era necessário para as áreas reservadas à venda de peixe, que “até então estava misturada com bancas de transação de pão e de fruta, o que era desaconselhada para os padrões do século XVII” (…)

No entanto, “ no Largo da Oliveira, subsistem um conjunto de quatro colunas que destoam da restante construção que compõe a colunata do edifício com os números 30 a 38. São elementos de grande qualidade, com fustes de acentuada entasis, comum no século XVII, e capitéis decorados com vieiras. Apesar de difícil comprovação, poder-se-á estar na presença do que resta da colunata que suportava o alpendre da desaparecida igreja de Santiago de Guimarães, reaproveitado num edifício civil depois da sua demolição em finais do século XIX”.

   

Portanto, como se constata, um livro e caminhos que nos transportam pelos caminhos de Santiago e pela história das localidades calcorreadas, designadamente o burgo vimaranense. E como o caminho faz-se caminhando, ruma-se agora a Braga, após “escalar uma mítica subida dos caminhos portugueses de Santiago: a encosta da Falperra”.

Por conseguinte, saídos de Guimarães pela Rua Francisco Agra, após passagem pela Capela de Santa Luzia (antiga gafaria feminina) e ultrapassada a antiga ponte de pedra de Santa Luzia, sobre o rio Merdeiro ou Merdário, atravessamos então o rio Selho na ponte românica de Roldes e ainda o rio Ave nas Taipas, local onde ainda se conserva uma epígrafe honorífica dedicada a Trajano (ano de 103 d.C.).

Antes do santuário de Santa Maria Madalena da Falperra (século XVI), um dos marcos dos sacro-montes, há ainda mais uma travessia do pontilhão sobre o Rio das Pontes até à Fonte dos Quatro Irmãos, cuja lenda se conta e é conhecida por estas bandas.

Depois, da Falperra ruma-se a Braga e é sempre a descer …

Mas ainda faltam longos quilómetros (e muitas páginas de aprazível leitura) até avistar Santiago de Compostela …

Basta contudo, neste Dia do Peregrino ficar apenas pelas terras vimaranenses e vizinhas, entre Pombeiro em Felgueiras e Santa Maria Madalena, na Falperra. Até porque “Roma e Pavia não se fizeram num dia” …

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