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Os piratas de Aranjuez

Ruthia Portelinha
Opinião \ sábado, julho 22, 2023
© Direitos reservados
Nessa manhã, celebrava-se o Descenso Pirata del Tajo. Vários barcos decorados percorrem o “nosso” Tejo numa espécie de cavalgada aquática, em busca do título de mais criativo.

Em tempos – quando a idade e a energia permitiam road trips intensas - atravessávamos toda a Espanha de uma penada. Não sei exatamente quando se deu o momento em que se tornou demais, demasiadas horas de condução para chegar ao destino depois de um périplo pela Europa. E decidimos parar, algures, a meio do caminho, numa espécie de reconhecimento a contragosto da meia-idade.

O meu dedo passeou no mapa ali para os azimutes de Madrid, cujo tráfego e preços queríamos evitar, e parou em Aranjuez. Talvez porque o nome evocou uma doce melodia num ponto recôndito do meu cérebro. Hotel marcado, chegámos num final de tarde daqueles em que o sol incendeia o horizonte e descobrimos que a vila real, que é também património UNESCO, estava em festa.

Acontece nos primeiros dias de setembro, altura em que os habitantes abdicam de tirar férias, para participarem em El Motin de Aranjuez, tornando-se atores e atrizes para recriarem acontecimentos históricos nos festejos de interesse internacional (desde 2014), que evocam uma revolta contra o rei Carlos IV e que culminou com a queda do monarca, em 1808.

No resto do ano, o real sítio e vila de Aranjuez esbanja tranquilidade, apesar dos turistas que chegam de comboio desde Madrid no verão, para um passeio rápido que inclui o Palácio Real, os jardins reais e o Museo de Falúas Reales.

Reservámos umas horas de domingo para conhecer estes imprescindíveis de Aranjuez, antes de seguirmos viagem, mas acabamos atraídos pelo burburinho que chegava desde as margens do rio Tejo. Para lá nos dirigimos, movidos pela curiosidade, para encontrarmos as margens apinhadas de arancetanos e madrilenos. Nessa manhã celebrava-se o acontecimento mais popular, e divertido, das festas do motim: o descenso pirata del Tajo.

 

O Descenso Pirata del Tajo, um dos números de El Motin de Aranjuez, vila património da UNESCO a sul de Madrid

O Descenso Pirata del Tajo, um dos números de El Motin de Aranjuez, vila património da UNESCO a sul de Madrid

 

Vários barcos decorados percorrem o “nosso” Tejo numa espécie de cavalgada aquática, em busca do título de mais criativo. Ao longo dos quase três quilómetros, que separam as pontes do Castelo e das Barcas, os residentes atravessam as águas a bordo de embarcações tão amadoras como insólitas, relembrando o antigo transporte de madeira por via fluvial.

Sobra imaginação e fantasia nesta regata de peculiares barcaças que evocam dos Angry birds à invasão romana da Península Ibérica, animais, personagens indecifráveis, Dom Quixote e até Fernando Alonso. É como um cortejo de carros alegóricos e participantes mascarados, mas fabricados pelos vizinhos e que desfilam no rio em vez de nas ruas, numa experiência de canoagem muito particular.

O turismo local não deixa o sucesso nas mãos do acaso, e passou a oferecer apoio (financeiro, instalações e aconselhamento) aos piratas locais, que protagonizam um dos grandes eventos das festas do motim. Uma festa feita por e para arancetanos, que permanece entre as mais originais a que já tive felicidade de assistir. Sem ganchos, palas sobre olhos ou pernas de pau.

 

Ruthia Portelinha, viajante e autora do blog O Berço do Mundo

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