Never again
As conversas sobre a guerra entre Israel e Palestina começam invariavelmente pela pergunta: de que lado estás? Sei que é o resultado da sociedade atual, altamente polarizada, que rotula e coloca tudo e todos em caixas, e onde o diálogo entre pessoas que pensam de forma diferente parece algo de utópico. Uma sociedade que separa o “nós” dos “outros” e constrói muros em vez de pontes.
Este “apartheid” de identidades, que nos obriga a ser preto ou branco num mundo de mil cinzentos, é dos maiores perigos da nossa civilização, responsável por extremismos, pela desumanização do outro, por gerar conflitos. Estamos limitados, e condenados a habitar e conhecer apenas um lado, como se fosse possível crescer sem se relacionar com o diferente.
A guerra não é um caos sem regras. Desde o século XIX que há a preocupação de regular os direitos e deveres de civis e militares em tempo de guerra, de forma a prevenir barbáries. Das convenções de Genebra a Haia, há dois séculos que a Humanidade concorda que há limites para o que é admissível em guerra. Limites esses que, ao longo destes cerca de 30 dias de conflito entre Israel e Palestina, têm sido ultrapassados.
A contrainformação é uma das armas mais utilizadas pelos dois lados do conflito; cinjo-me, por isso, às informações fornecidas por organizações não governamentais. O Comité para a Proteção dos Jornalistas reportou 36 jornalistas mortos em quatro semanas de conflito. A organização francesa Repórteres sem Fronteiras já apresentou evidências de, pelo menos, um ataque intencional a um grupo de jornalistas por parte de Israel.
A ONU viu já mais de 70 funcionários morrerem neste conflito, o número mais elevado de sempre. As instalações da ONU em Gaza foram bombardeadas, assim como escolas e outros edifícios civis onde a ONU abrigava famílias deslocadas.
O Crescente Vermelho, organização humanitária federada com a Cruz Vermelha, já denunciou vários ataques deliberados a hospitais e ambulâncias em serviço de socorro e transporte de doentes. O ataque premeditado a equipas médicas é uma clara e muito grave violação da Convenção de Genebra e do Direito Internacional.
Segundo a UNICEF, todos os dias, em Gaza, 420 crianças são mortas ou feridas. A organização britânica Save the Children anunciou que, em 25 dias de conflito, morreram já 3648 crianças e foram feridas mais de 9600, número que ultrapassa o valor anual de crianças assassinadas em conflitos armados em todo o mundo nos últimos quatro anos.
Todas estas ações configuram crimes de guerra e graves violações dos direitos Humanos. Fossem os russos a perpetrá-las e as vozes aqui do lado ocidental gritariam a plenos pulmões assassinos, pediriam a atuação dos tribunais internacionais, aprovariam sanções de forma a castigar o criminoso.
Acontece que todas estas ações hediondas foram feitas por um aliado. Estamos do lado de Israel e por isso não podemos criticar ou condenar o genocídio a que assistimos inertes e acríticos. Testemunhamos calados à tortura de um povo preso num gigante campo de concentração, sem água, luz, comunicações, sem comida nem assistência médica, onde caem bombas de forma indiscriminada.
Este texto não é sobre razão, nem sobre lados, não há uma só razão e não há apenas dois lados. Sobretudo tenhamos presente que, as razões e os lados não importam quando está em causa a dignidade Humana. Este texto é sobre Humanismo, num tempo em que assistimos perplexos a um terror que, enquanto Humanidade, juramos nunca mais repetir - Never again. À pergunta de que lado estou, respondo com muita certeza e convicção, estou do lado dos Direitos Humanos.