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A exposição industrial e agrícola de 1923

Álvaro Manuel Nunes
Opinião \ quinta-feira, julho 27, 2023
© Direitos reservados
No fundo, mais uma exposição que afirmaria a urbe e o concelho a nível regional e nacional, num evento no qual participariam cerca de 300 industriais.

Já lá vão cem anos que Guimarães organizou a Exposição Industrial e Agrícola de 1923, que teve lugar na Escola Industrial e Comercial de Guimarães, entre 4 e 31 de Agosto.

Convidamos por isso o estimado leitor a acompanhar-nos e a visitar connosco o certame, recuando 100 anos na máquina do tempo, por obra e graça do deus Cronos e da musa Clio, tendo como guião “O Labor da Grei”.

Comecemos a visita pelas quatro principais indústrias concelhias dessa época: os couros, os tecidos, as cutelarias e os artigos de celuloide, galalite, chifre e unha.

Entremos, que sirvo de cicerone:

Ora, como podem ver, na Secção de Couros Curtidos e Aparelhados e das Peles de Fantasia, 22 stands mostram pujantemente toda a força desta indústria vimaranense. Entretanto, na Secção de Tecidos Mecânicos, Fiação e Tinturaria, 9 firmas marcam presença, rivalizando entre si quanto aos mostruários. Deste modo, lá está o stand da Fábrica de Fiação e Artefactos de Malha de Bento dos Santos Costa & C.ª, Limitada, fundada em 1873, reproduzindo o castelo e apresentando pela primeira vez a malha de seda e artefactos de malha à double-face; mas também a Fábrica de Vila Flor, a Fábrica de Fiação e Tecidos de Guimarães ou a Fábrica do Castanheiro de António da Costa Guimarães Filhos & Cª. Como é óbvio, lá estão também a Fábrica do Arquinho de António José Pereira Lima, a Fábrica do Minhoto, a Fábrica do Moinho do Buraco, entre várias outras que poderíamos enumerar. Igualmente, um tear acionado à noite por energia elétrica, revelando os segredos da tecelagem mecânica.

Paralelamente, também lá estão os Tecidos Manuais de linho e algodão, com destaque para o stand de Joaquim da Cunha, com belas colchas que parecem artísticos bordados. Outrossim, os cobertores, as colchas e riscados da Fábrica Atranquilhos, de Joaquim de Oliveira Mateiro, e ainda a Fábrica de Tecidos da Madroa e a Fábrica de Tecidos de Augusto Pinto Lisboa, que, consta, apesar de exigirem acrescida energia humana, concorrem lado a lado e com sucesso com a tecelagem mecânica.   

E como não podia deixar de ser, 9 expositores de Cutelaria, marcam presença. Entre eles a “Marca 5” e a “Marca 35”, com material para todos os gostos e funções: faqueiros, trinchantes, cutelos, podões, facas, machados, machetes, tesouras, canivetes, ferramentas para curtumes e demais afins e quejandos. Uma indústria em que Guimarães tem, como sabemos, pergaminhos de qualidade e prémios já conquistados, quer na Exposição Industrial de Guimarães de 1884 quer na Exposição do Rio de Janeiro.

Por seu turno, na Secção de Artigos de Celuloide, Galalite, Chifre e Unha, sobressai a Fábrica de Pentes e Artigo de Celuloide, com um artístico stand recoberto de celuloide e artefactos diversos, entre os quais os ganchos com embutidos de metal.

Mas, além das indústrias mais tradicionais, mais 44 outras secções, segundo o catálogo oficial estão patentes no certame, evidenciando a vitalidade e potencialidade do concelho vimaranense. Ressaltam, entre outras, as secções de calçado, Móveis e Decorações de Neves e C.ª, Limitada, a de Chales de Oliveira & Irmãos, Lda, ou a nova indústria dos Chapéus e Guarda-chuvas e a secção de Tipografia, Encadernação, Fotografia e Topografia, na qual se pode apreciar uma planta da cidade com o capitão Luís de Pina, destinada a ser impressa antes da abertura da exposição.

Mas não se perca o caro leitor pelo caminho e dê uma saltada às secções da Olaria, Fundição e Serralharia e aproveite e passe também pela Pichelaria, Colchoaria e Ourivesaria. Entrementes, como o caminho se faz caminhando, procure também as secções dos Correeiros, Seleiros, Tanoeiro e Torneio; e, ainda dê uma olhada às alfaias agrícolas, utensílios industriais e domésticos, aos produtos de exploração florestal, sejeiros, cera e objetos de fantasia. Há de tudo na exposição, como na farmácia, por isso não faltam sequer os produtos químicos e farmacêuticos, os cobertores de lã e claro, a pastelaria e a doçaria, os chapéus de senhora e artigos de verga. Mas também há arte, inclusive um quadro de Abel Cardozo, trabalhos escolares com lavores dos alunos das escolas concelhias e Lavores femininos como bordados, rendas de bilros, croché, trapologia, trabalhos em lã e em estanho.

No campo agrícola, além dos produtos da terra, destaca-se a casa rústica que reproduz artisticamente uma casa de lavrador minhoto, na qual tão-pouco falta a ferradura da sorte e o alho contra os enguiços. Uma casa cujo interior expõe ainda inúmeras indústrias caseiras, como os chapéus de palha e objetos e utensílios como o tear manual, sedeiro e espadelas, entre outros.

Em súmula, uma viagem por Guimarães de antanho, que na altura se integrou no âmbito das Festas Gualterianas e mostrou a cidade-berço para além da história e da festa. No fundo, mais uma exposição que afirmaria a urbe e o concelho a nível regional e nacional, num evento no qual participariam cerca de 300 industriais, cuja organização esteve a cargo da Associação Comercial e Industrial e de figuras vimaranenses como Eduardo Almeida, João Rodrigues Loureiro e Francisco Martins e José de Pina, entre outros, que seria corroborada sob o impulso da anterior edilidade, presidida por A. L. de Carvalho.

 

Uma exposição que tinha o propósito de levar a cabo a reposição da Exposição Industrial de 1884 (o ano de ouro de Guimarães), mostrar ao país a força vimaranense e simultaneamente ser uma grande Festa do Trabalho. De facto, um certame de sucesso, que acabaria por ser referido positivamente pela imprensa nacional e local, como o documentam os excertos seguintes:

A quantidade e qualidade dos produtos expostos dão ao visitante a ideia do alto valor e exuberante produtividade da indústria e agricultura do concelho de Guimarães, e não é sem surpresa e sem admiração que se percorrem as suas 44 secções, que tantas são as que compõem o brilhante certame denunciador e demonstrativo de um centro de produção de cuja importância o leitor está longe, por certo, de suspeitar e de que só uma visita lhe pode dar a impressão exacta e verdadeiramente admirável” – O Comércio do Porto de 15 de Agosto de 1923.

No mesmo diapasão elogioso “O Primeiro de Janeiro”, do Porto, escreveria em 15 de Agosto de 1923: “Seria longo o relato, se quiséssemos fazer pormenorizadamente a descrição de tudo o que vimos: as esplêndidas afirmações de trabalho e florescente desenvolvimento da indústria de Guimarães, a perfeição e superior acabamento de todos os seus melhores artigos que são, como se sabe, os tecidos, as cutelarias e os curtumes. Mas não só nestes se admira o grau de aperfeiçoamento a que chegou a indústria em Guimarães (…)”       

Tom laudatório que seria também expresso pelo periódico lisboeta “Diário de Notícias” de 11 de Agosto de 1923, que teceria à exposição os maiores encómios:

Esta Exposição marca um ponto de subida na riqueza do País. Empreendimentos desta natureza valem pela lição que representam, e é preciso que ao País os homens de valor e de nome firmado digam, depois de ver, o que vale uma Exposição como a que de Guimarães inaugurou no dia 4 de Agosto (…) Os pavilhões são admiráveis de gosto, de arte, de originalidade e de disposição. Dentro do certame, há o grito do trabalho de meia dúzia de teares mecânicos e manuais, sempre em movimento e produção. Há alegria e há trabalho! Há arte, luz, há uma afirmação marcante de valor e de valorosa actividade.”

 

De facto, assim era Guimarães nesse tempo, visto pelos olhos do país, ainda que nem sempre com unanimidade local, a crer pela leitura desta passagem do periódico “A Razão”, datado de 25 de Agosto de1923, o único jornal republicano da época, na circunstância o partido do poder:

“Após os elogios traçados pela imprensa do Porto onde não transparecem favoritismos nem desejos de dizer bem, só pelo prazer de agradar, nada mais seria preciso dizer, visto que eles souberam apreciar a grandeza e valiosidade da Exposição Industrial e Agrícola de Guimarães. quer no seu todo de arte quer na perfeição dos artigos expostos.

Só quem a não visitou ainda, é que pode alcunhar de favoritismo o que os jornais disseram ou quem é demasiado egoísta da sua terra é que não quereria apreciar o trabalho e esforço da cidade de Guimarães, não vá influir nos seus espíritos tacanhos e incapazes de produzirem de útil alguma coisa,”

Com efeito, inaugurada pelo Ministro do Comércio Queirós Vaz Guedes e a presença de Alfredo Fernandes, em representação do município, a exposição seria considerada um sucesso. Uma cerimónia inaugurativa que propiciaria ainda ensejo para  reivindicar outros anseios vimaranenses, como a tração elétrica, os correios, a urgência de um novo edifício telégrafo-postal, a instalação da rede telefónica e a construção de (condigno) edifício telégrafo-postal, obras que na generalidade seriam atendidas em 1925.

  A exposição mereceria ainda menção no Pregão Nicolino desse ano, de autoria de A. L. de Carvalho:

“ – Sabem em quê? Na Exposição Industrial!

…Isso sim, que foi grande e belo, a valer!

Que até cá veio um Ministro, a correr (!!!)

Glória ao trabalho! Glória ao povo obreiro!

Glória Chico Martins e mais João Loureiro!

- Para os quais propomos estátua de afecto

É para que se não perca … mais um projecto!”

 

Assim era Guimarães no ano de 1923, cem anos atrás, que não obstante outros feitos conquistados, anseia novos projetos …

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