Armas vindas do Sul
"A arma que estamos estudando deveria ter, como o candjar, afiada a folha toda n'um dos lados, e no outro apenas um terço, a partir da ponta, que era aguçada e ligeiramente curva, constituindo assim uma arma de ferir de ponta e de gume, e talvez tão terrivel como o proprio candjar ou o yatagan com que o mouro até consegue decepar de um golpe a cabeça no inimigo. Era a cabeça do adversario, nos tempos primitivos, um dos bellicos adornos do barbaro peninsular."*
Com uma característica dose de dramatismo e de ficção – no que respeita às cabeças cortadas – assim descrevia a falcata Cristóvão Aires, no século XIX. Espada característica da nossa Idade do Ferro, a falcata é, por vezes, referida como arma de eleição dos guerreiros lusitanos, a par da funda, da caetra (escudo circular), dos dardos e dos punhais de antenas. Contudo, apesar de, pelo que consta, a falcata ter derramado sangue romano às mãos de guerreiros lusos, no século II antes de Cristo, a difusão desta arma, com provável origem na kopis grega, abrange uma grande parte do território peninsular, sendo embora mais frequente no Levante.
Segundo Leandro Tristão "a falcata é uma arma ofensiva, permitindo dois métodos de ataque, o de impulsão e o de perfuração, através do movimento rápido de uma direção para outra. Qualquer um destes métodos pode conferir golpe mortífero."**. A observação atual sobre esta espada antiga parece confirmar a sua utilidade, e o carácter inovador na luta corpo a corpo, o que terá propiciado a sua difusão geográfica.
No Noroeste da Península Ibérica, a falcata típica, ou canónica, com um comprimento de cerca de sessenta centímetros, parece ter originado uma variante própria, de cerca de trinta centímetros, mas com lâmina igualmente curva, conhecida na bibliografia como faca ou punhal "afalcatado". A área de dispersão dos achados de punhais afalcatados não parece ir para norte de Ourense, dando a entender que a utilização destas ágeis armas, vindas do Sul, não terá chegado à maior parte das comunidades que habitavam a atual Galiza.
Usada como símbolo do poder das elites indígenas, a falcata figura, juntamente com os punhais de antenas, as lanças e os escudos, no armamento representado nas primeiras moedas cunhadas a mando de César Augusto, nos finais do século I a. C. Talvez seja neste contexto, de representação do poder das elites guerreiras, que foi identificada recentemente uma gravura de uma falcata típica na Casa do Conselho da Citânia de Briteiros. Um achado interessante, que pode vir a contribuir para uma melhor compreensão de uma sociedade de índole guerreira mas, ao que parece, tendencialmente pacífica.
*Cristóvão Aires, História do Exército Português, 1896, vol. I, p. 250.
** Leandro Tristão, Armas e Ritos na II Idade do Ferro do Ocidente Peninsular, FCSH Universidade Nova de Lisboa, 2012, p. 75.