Anunciar sem responder
Por muito estranho que esteja, por muito mais instável que se apresente, há palavras que ainda se afiguram consensuais. Dialogar, negociar, ceder e incluir são algumas dessas palavras, significando verbos que nos transportam, ou nos (re)lembram o quanto devemos valorizar as pessoas, as suas idiossincrasias e os seus pontos comuns, plataforma comum de entendimento de uma comunidade.
Por muito estranho que pareça, esta é uma realidade incontornável, mas que se vem revelando, cada vez mais, distante do nosso quotidiano.
Na verdade, hoje emerge como dominante o verbo anunciar, feito acto de partilha e comunicação. Anunciar intenções, planos e acções específicas e excepcionais para melhor tratar e resolver dificuldades e problemas. Anunciar sem detalhar, anunciar sem priorizar e temporizar, anunciar sem abrir espaço para reflectir e discutir, antes pelo contrário, anunciar para abreviar (quase como um teste que permitirá perceber a reacção dos interessados e implicados e, assim, avançar com mais certeza e segurança ou, então, recuar e evitar sem necessidade de justificação e perigo de contestação), anunciar sem tempo marcado para implementar e operacionalizar abrindo a possibilidade de procrastinar e "arrastar". Anunciar escolhendo as palavras certas e inócuas de modo a tudo (ou o máximo possível) abranger e, assim, dissipar o impulso da participação ou a vontade de contestação.
Tempo estranho, muito estranho! Porque, de forma geral, todos sabem da importância de partilhar, de discutir, de agregar e sintetizar. E porque (quase) todos disfarçam e soçobram à tentação comum a tantos: " se falar, desvio a atenção..."
Anunciar deveria corresponder à motivação, à razão, ao fundamento do que se quer e se deve fazer. Planear significa antecipar o futuro. É feito de estratégia, visão, calendário, acções, ... Discussão pública obriga a informação e, depois, controlo e assertividade. Tudo isto, implica informação e conhecimento...os quais devem ser, obviamente, credíveis. E este afigura-se ser o ponto central do "problema": a incapacidade de entender a fase do trabalho, o grau de maturidade da medida e a falta de monitorização... reduzindo-se à expressão da publicitação, “daquilo que há-de ser, mas, ainda não é, já fica conhecido nas suas “linhas gerais” para satisfação de todos...
Exemplos desta catadupa de anúncios existem nos vários campos de acção, sendo a política, talvez, aquele de maior evidência e expressão. Afinal, quem conhece os planos anunciados para a ferrovia, para o sector da saúde, as estruturas de missão para tanto, os ajustamentos e reduções fiscais, entre muitos mais, que se embandeiram como “grandes acções e realidades”, como geradores de grande impacto, materializando-se, tantas vezes como a espuma dos dias ou deixando as vírgulas tomar conta do texto e tudo adulterar e desviar da mensagem anunciada. Também noutros campos, por exemplo, desporto e futebol, assiste-se a anúncios de “compras de jogadores” e treinadores de futebol num dia para, no dia seguinte, em função da reacção acaloradamente positiva ou negativa, rapidamente se negar a notícia do dia anterior ou ainda mais enfatizar o acto e a “compra”.
Sem prejuízo de tanto, um dos exemplos mais evidentes e que se repercute de forma muito caseira e quotidiana, reporta à denominada “revisão do plano director municipal” que, em todo o país, tem deixado tantos municípios em expectativa e “suspensão”, aguardando a tão anunciada “expansão do solo urbano e contenção da mancha construtiva descontrolada”, o tão necessário conjunto de oportunidades para investimento e o respeito mais acentuado pelo “bem ambiental”, num discurso que anuncia datas, intenções, aprovações, mas que, na sua concretização, se vai adiando e procrastinando. Na verdade, pouco se sabe das revisões em curso, antes informações cruzadas, sem grande credibilidade, num "diz que disse" que não augura nada de bom! Muito se promete fazer e refazer, numa realidade que as autarquias não dominam em exclusividade (muito longe de tal!).
Numa realidade tão complexa quanto é o território, onde um conjunto alargado de variáveis e interesses se cruzam e se alimentam, onde a componente fiscal e o poder financeiro, o interesse público e a necessidade privada, a resposta a direitos fundamentais e o benefício da qualidade de vida se relacionam e interdependem, anunciar e não concretizar, ou seja, não ser assertivo (na sua boa expressão) apenas gera incerteza e insatisfação. Um ambiente de “pergunta sem resposta” que alimenta outra “pergunta sem resposta”, numa síncope interrogativa que não interessa a ninguém. Afinal, tantos e tantos, talvez todos nós, apenas desejam simples respostas aos seus problemas!