Ainda sobre os irmãos desavindos de São Martinho de Sande
"Neste lugar dos Quatro Irmãos se veem, para a parte do Norte, na estrada que discorre de Guimarães para Braga, quatro sepulturas de pedra fina, que se não sabe memória certa das pessoas que nelas existem, porque uns dizem serem de quatro irmãos que tiveram pendências e que neste lugar se mataram uns aos outros. A mim me parece ser manifesto engano..."
Jerónimo Pereira da Silva e Oliveira, reitor de São Martinho de Sande, 7 de Maio de 1758 *
Manifesto engano, dizia o pároco de 1758, porque se fosse túmulo dos irmãos desavindos, não teriam as sepulturas tamanha "decência, para aqueles tempos", adornadas que estavam com suas espadas e cruzes da Ordem de Cristo. Que não, dizia o pároco, que aquilo devia era ser coisa dos Templários... A lenda, contudo, antecede os dias do reitor Silva e Oliveira, pois que em 1726, já Francisco Craesbeck menciona o topónimo "Quatro Irmãos", ao descrever a via entre Braga e Guimarães, que passava em terras de Sande.
Lendas de irmãos, desavindos ou não, e em número variável, existem um pouco por todo o lado. No caso de São Martinho de Sande, quatro irmãos terão lutado até à morte, naquele lugar, por arrebatada paixão à mesma amada, tendo o quarto sobrevivido o tempo necessário para contar o feito ao pároco local. Terá sido o clérigo, parente da moça em questão, a fazer sepultar os quatro contendores naquele sítio. Dramático evento, assim anotado por Pinho Leal, em 1878. O paralelo mais interessante é o do "Túmulo dos Dois Irmãos" em Sintra, onde também se veem duas estelas funerárias discoides. No caso de Sintra, a lenda que conta que dois irmãos se mataram, por amor à mesma mulher (um terá matado o outro sem o reconhecer, tirando a própria vida depois de constatado o fratricídio), é idêntica à da freguesia do Concelho de Guimarães.
Tampas de sepultura no Túmulo dos Quatro Irmãos, em São Martinho de Sande
Desde a lenda dos três irmãos de Alvor, no Algarve, que dá o nome a uma praia, aos nove irmãos dos Açores, aos sete irmãos do Douro, o conto repete-se, com o número de irmãos, e as razões para a sua morte, variando de acordo com aspetos locais, incluindo ou não o fator romântico. Todas estas lendas se perdem na noite dos tempos. Umas serão certamente mais antigas que outras, e talvez umas tenham inspirado outras.
Se quisermos procurar, num esforço talvez inglório, uma origem para esta lenda, não nos faltarão referências. Desde logo, o conto dos Quatro Irmãos Habilidosos, publicado pelos irmãos Grimm pela primeira vez em 1819, após recolha etnográfica, também inclui uma referência a uma princesa, objeto do desejo dos quatro irmãos. Segundo Hans-Jörg Uther**, esta lenda alemã pode ter sido inspirada no conjunto de contos conhecido como Il Novellino, obra italiana publicada no século XVI, alegadamente reunindo histórias muito anteriores... Por aí fora. Estas referências soltas pretendem apenas fazer refletir sobre a possibilidade de uma lenda popular, como a dos quatro irmãos de Sande, poder ter tido uma origem mais erudita.
Para a próxima falaremos dos Templários...
* Extrato da memória paroquial, via António Amaro das Neves.
** Hans-Jörg Uther, The Types of International Folktales. Part I: Animal tales, tales of magic, religious tales, and realistic tales, with an introduction, 2004.