A [polémica] Carta de Direitos Humanos na Era Digital
Aprovada e promulgada, a Carta Portuguesa dos Direitos Humanos na Era Digital está em linha com o Digital Services Act (DSA), um plano de ação europeu que tem como objetivo principal criar um espaço digital mais seguro, onde os direitos fundamentais dos cibernautas são protegidos. As regras do DSA aplicam-se principalmente às “gigantes online” como o Facebook, Google ou a Apple, que apresentam riscos específicos na disseminação de conteúdo ilegal e consequentes danos à sociedade.
Importa lembrar que o diploma europeu é um plano de ação e não uma diretiva, o que não exige uma transposição direta para o ordenamento jurídico dos Estados-membros. Mas nada impediu que, a 17 de maio, fosse publicada, em Diário da República, a Lei n.º 27/2021, que aprova a Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital.
O diploma veio estabelecer vários direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, nomeadamente o direito “ao esquecimento”, à neutralidade, à proteção contra geolocalização abusiva, o direito de reunião, manifestação, associação e participação em ambiente digital. Refere ainda os direitos associados ao próprio acesso à internet, determinando que todos os cidadãos “têm o direito de livre acesso à Internet”, proibindo o Estado de interromper o acesso ou a partes dela. Por fim, cria a figura da ação popular digital que, na prática, concede o direito aos cidadãos de recorrer a tribunais sempre que não vejam os seus direitos digitais cumpridos.
Com a publicação desta Carta, Portugal participa num processo comum europeu de transformação e segurança digital, em conjugação com outros diplomas europeus já lançados, como por exemplo o já abordado RGPD.
No centro da discórdia está o polémico artigo 6.º. Segundo o mesmo, o Estado “assegura o cumprimento do Plano Europeu de Ação contra a Desinformação” para “proteger a sociedade contra pessoas singulares ou coletivas que produzam, reproduzam e difundam narrativas” acrescentando que “o Estado apoia a criação de estruturas de verificação de factos por órgãos de comunicação social devidamente registados e incentiva a atribuição de selos de qualidade por entidades fidedignas dotadas do estatuto de utilidade pública”. As críticas insurgem essencialmente sobre esta segunda parte, alertando para uma restrição das liberdades de expressão, tendo até já sido requerido ao Tribunal Constitucional uma fiscalização de constitucionalidade.
Ainda que marcada por dificuldades, o reforço da regulação da desinformação nociva está em marcha. A alteração de funções de regulação e supervisão trazida por esta Lei, ainda que ambígua quanto à sua justificação constitucional e na maneira como será aplicada, mostra o atual caminho em direção a uma internet mais segura e livre de “fake news”.