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A máscara africana

Ruthia Portelinha
Opinião \ sábado, agosto 20, 2022
© Direitos reservados
Uma máscara solar de cores luminosas dá-nos akwaba, boas-vindas, ao lado de um pássaro Senoufo.

Entro portanto no CAVA - Centre Artisanal de la ville d’Abidjan sob a proteção dos símbolos africanos, mergulhando na pequena meca de artesãos, escultores, ceramistas, pintores e costureiros.

Não sou novata nestas paragens, já me perdi aqui horas a fio, entre estatuetas e panos Bauolé. Apresentar o espaço a uma amiga brasileira e conversar com a comunidade de artesãos é pretexto suficiente para este regresso.

Na primeira visita subi depressa na consideração de um vendedor, que usava uma camisola do Barcelona, por pertencer a uma nação que pariu vários génios do futebol. Os costa-marfinenses gostam tanto do desporto, que o seu ídolo Didier Drogba teve um papel no cessar-fogo de 2005, quando a seleção nacional se apurou para o seu primeiro Mundial... Infelizmente o meu élan durou pouco, pois não reconheci nenhum dos craques portugueses que foi enumerando. Enfim, não se pode agradar a toda a gente.

A Maria Eduarda, motivo da nova investida ao centro de artes, enamorou-se de uma portentosa máscara africana de pau-preto. Sinto o seu encantamento semi-disfarçado, ao deslizar a ponta dos dedos pela superfície macia. O  valor pedido é absurdamente alto, mas ela é uma negociante experiente do ramo do café, contrapõe com certa de metade. O entendimento tarda, o vendedor permanece irredutível, quase displicente, como se não tivesse interesse na venda.

Recordo à minha amiga que decidir na primeira loja pode ser contraproducente. A estratégia permitira-me em tempos comprar um lindo busto em madeira às portas de Luanda (guardo-o como uma preciosidade, é a única recordação que tenho de Angola).

Na verdade, apesar de elegante, a máscara emana uma energia capaz de amedrontar um guerreiro. Será talvez uma das famosas máscaras Dan, que representam os mais fortes dos espíritos. Este grupo étnico do norte da Costa do Marfim acredita que é possível viajar entre o reino espiritual da floresta Bon e o reino dos humanos, utilizando objetos dos dois mundos e algumas preces. As máscaras, claro, são uma peça central destes rituais.

Guardo estas cogitações para mim, para não ensombrar o enamoramento alheio. Porque a Maria Eduarda não esqueceu a máscara; cerca de duas horas depois regressa, como prometido. Tem um sobressalto quando não vê a peça sobre a banca, não se desse o caso de ter sido vendida. Simplesmente, o vendedor colocara-a à parte:

- Esperava que voltasse, para terminarmos a negociação.

O acordo chega célere, desta vez, e a Maria Eduarda leva a máscara feroz para casa. O seu sorriso, no regresso ao carro, é de um amor correspondido, mas, infelizmente, esta história não tem um final feliz. O marido recusa-se a ter um encontro com a máscara, quando se levanta de noite para beber um copo de água. A portentosa máscara africana foi recambiada para o Brasil e enfeita hoje a casa dos pais dela.

Ruthia Portelinha, viajante e autora do blog O Berço do Mundo

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