A expulsão do outro
“Quando um imigrante habitar convosco, em vossas terras, não o oprimas. O imigrante será para vós um concidadão: vocês o amarão como a vocês mesmos, porque também vós fôsteis imigrantes nas terras do Egipto”. Levítico 19: 33,34.
A perda do centro político é uma evidência fáctica que Pacheco Pereira relata há uma série de anos. Não do estigmatizado “centrão dos interesses” que fez alocar corruptos, de todas as direções, aos partidos de charneira exatamente porque são via de acesso ao poder. A bússola quebrou-se e não é forçada a proposição de Costa quando fala em “cheguização do PSD”, tampouco seria a alocução de “venezuelização pedronunista do PS” a que Costa se dá, quando lhe convém. Eu que não sou fã de Marcelo, percebo a sua retumbante vitória eleitoral já que nela resiste o sentido identitário de comunidade portuguesa que, uma maioria dos cidadãos, apesar dos continuados rombos a que o Estado, enquanto tutela, está votado, continua a acreditar. Este intróito releva para que possamos aterrar em Odemira. Há anos a esta parte que várias forças vivas têm alertado para um problema de dignidade humana infligida aos imigrantes que trabalham na região; debalde. A turba das redes virtuais não se indignou e a pauta noticiosa, que ora se transporta a reboque, não teve nervo para a manter viva. Eis senão quando, um “delicioso” autarca, aponta o dedo aos pavorosos migrantes: “pelo seu Covid, não desconfinamos” (mais talho, menos retalho, claro). Empoderado na roda livre, o Ministro Cabrita – o mesmo do ucraniano no aeroporto – quarentena-os, compulsivamente, em propriedade privada.
Quid iuris na política caseira?
As cliques partidárias, em uníssono, adotaram, cada qual, a sua semiótica discursiva.
À esquerda arrolaram uma vintena argumentativa para declarar a necessidade de guetizar o infetado, o imigrante, o outro, adotando a clássica toma da propriedade privada, toda ela nublosa – nos seus dizeres hodiernos, já que não consta indignação pretérita - com recurso militarizado.
À direita: “quem é o dono do sítio” foi matricial.
Os vínculos axiológicos da sociedade europeia marcadamente tecida pelo cristianismo, o esoterismo ocidental e o ritual democrático helénico, parecem esvair-se cedendo ao niilismo.
Byung- Chul Han, no seu livro que apropriei para título desta crónica, diz: «O sujeito que, ao ver-se forçado a fornecer rendimento, cai em depressões e fica completamente desvinculado do outro».
Eu, como democrata-cristão, gostava de ver o meu espaço político centrado na discussão da humanidade com os migrantes ficando a propriedade para segundas núpcias, já que eles são o espelho dos portugueses que polvilharam a Europa e o Mundo, tantas vezes em condições semelhantes. Ao não o fazer, caiu na armadilha marxista sobre a retórica da coletivização para esconder um ostracismo congénito que corre nas veias de qualquer socialista genuíno. Talvez porque a democracia-cristã, também ela, tenha sido postergada, com a morte de Freitas do Amaral, para um “no man´s land” coincidente com a dissolução do centro político.
Por princípio, aqueles migrantes deveriam, “ab initio”, estar em condições dignas para exercer o trabalho que os “aburguesados colaboradores” portugueses – por falta de salários dignos – preterem. Mas continuamos, compassivos, a olhar para o dedo que aponta para a Lua.