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A ética da quietude política e as suas consequências

Esser Jorge Silva
Opinião \ quarta-feira, dezembro 07, 2022
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"No passado, tive grande expetativas sobre o desempenho de Domingos Bragança à frente do Município. Mas agora questiono que frases-chave serão apostas na sua biografia de ex-presidente da Câmara"

Serve a política para conceber, fazer, transformar, mudar, melhorar. Concebida na decorrência da passagem do tempo, a política não se presta a estáticas. Ela é, por natureza, inquietude. E, como tal, todas as coordenadas conhecidas interligam a política com a ação. Política sem ação é uma contradição na medida em que não se dá o agitar necessário para separar o tempo passado e a vida presente dos cidadãos. Significa nada querer para além do existente. Política sem ação não é mais do que paralisia, é ausência de futuro.

Aliás, não por acaso, na Antiguidade Grega onde nasceu a arte política, a dynamis constituía a condição primária para o cidadão que se queria destacar dos outros e assim revelar-se um “eleito”, expressão que se refere à posse individual de condições internas para ser destacado de todos os outros. Este evidenciava-se por conter a verve, a atitude ativa e a coragem, distinguindo-se por estar na posse da “parrésia”, condição só possível a alguns, independentemente da fortuna ou condição de nascimento. Só os que tinham “parrésia” podiam “representar”. Os “parresiastas” fundavam-se na verdade oracular apresentando à audiência o prognóstico do futuro com contornos antecipados de precisão.

Ora, apesar de toda esta aprendizagem que nos legou a antiguidade, a vida vimaranense dos últimos 10 anos fornece-nos uma realidade contraditória quanto à política. Porquê? Porque expurgou de si todo e qualquer traço de efervescência. As decisões políticas limitam-se ao óbvio e ao imediato, ao vulgar e ao corrente. Percebe-se que se pondera, e muito, o trivial. De caminho adia-se o óbvio e deixa-se dormir profundamente o essencial. Enquanto se administra à vista, consente-se que o futuro se planeie a si próprio segundo as leis do acaso. O aleatório comanda quem devia comandar. Confunde-se acomodado com cómodo. O resultado é um permanente estado reativo a que os espíritos se vão acostumando como se fosse o destino. Plantado nos hábitos, segue uma tragédia que nos escapa ver.

Refletir, pensar, estudar, ponderar são verbos desaparecidos da política vimaranense. Parece que foi declarada guerra à imaginação. Não há missão nem visão, e os valores limitam-se ao agarrar do poder. É proibido idealizar. Querer mais para a terra e para os seus habitantes é sacrilégio. Não é um sonho, mas um pesadelo que comanda a vida deste concelho. Raras vezes foi dado observar um tão evidente quadro de uma estratégia ético-estético assente na quietude. Mas, pasme-se, a ausência de plano revelou-se uma estratégia fatal na medida em que produziu resultados de acesso ao poder. Quer isto dizer que, na política, fazer-se de morto pode ser uma estratégia com sucesso. Mas é, como também se sabe, um tipo de sucesso que nada deixa de sustento atrás de si.

Exemplo: nos últimos tempos o Partido Socialista de Guimarães tem demonstrado como a estratégia da quietude promoveu, por ali, a insustentável leveza do ser político. Como sempre ocorre quando se presta a antecâmara de mudança de lideranças, esqueletos levantam-se das catacumbas. Dali emergem as traições, os alinhamentos, os realinhamentos, as contagens de espingardas e facadas nas costas. Primeiro, o poder, qual ordem natural da quietude, viu-se derrotado pelos recém-defenestrados do poder. Resultado: Ricardo Costa é agora o poderoso chefão. Posta no trono interno, esta nova ordem partidária agitou a ideologia da política sem excitação. De tal modo assim foi ao ponto de obrigar a uma mudança estratégica e, assim, numas eleições internas para eleição de delegados distritais, o PS já não se divide em dois mas sim em três. Diz-se, na linguagem de metáforas políticas que o PS balcanizou-se. Tem agora excesso de ação.

É compreensível a fragmentação. A quietude resulta durante algum tempo com alguma gente. Mas nunca com toda a gente durante todo o tempo. A razão é simples: a política só se reveste de inação na sua aparência. Algures no interior, grupos vão subindo a temperatura, ora de insatisfação, ora de desejo de assalto ao poder. A tática da falta de excitação não lhes dá prazer – aliás, como podia? Como qualquer panela de pressão, depois da ebulição, solta-se a explosão. E nada melhor do que lutas internas, lutas fratricidas, para compor o quadro da figuração bélica que adorna a política. Como não é possível ir em busca do tempo perdido, sobram as consequências da não-ação. É nesse momento que se percebe como os custos da quietude política são enormes. Nada será como dantes.

Não nego que, no passado, tive grande expetativas sobre o desempenho de Domingos Bragança à frente do Município. Mas agora questiono que frases-chave serão apostas na sua biografia de ex-presidente da Câmara. Quando se limita a gerir um bolo e o dono do bolo não sabe distribuir fatias de poder, os assaltos desatam a pisar na base do bolo para o conquistar. E assim, distraídos, deixa-se de pensar nos suportes do bolo, isto é, na economia local que definha, na mobilidade concelhia que adormece, na vida social que empobrece, na redistribuição que diminui, na produção cultural que se afunda (o que se não deve confundir cultura “prêt-à-porter”, do género pão e circo).

E é assim, com tristeza, que se vai olhando para a realidade e escutando a canção: “lá vai Guimarães, cantando e rindo…”.

 

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