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Westway Lab também é criação sem fronteiras na morada de sempre

Tiago Mendes Dias
Cultura \ quarta-feira, abril 06, 2022
© Direitos reservados
O regresso do festival à vertente presencial é também o regresso do Centro de Criação de Candoso como espaço de encontro entre artistas que não se conhecem para comporem música de raiz.

“O objetivo é ir além do compromisso que o artista geralmente tem com o público ou com o mercado. Espero que o público venha curioso para ver o que deu o processo criativo”, resume Nicolas Farruggia. Ao fim de mais de 30 anos de guitarra clássica na mão – começou aos nove -, o músico argentino aterrou em São Martinho de Candoso para se encontrar com Mariana Bragada, artista de 24 anos que se expressa através da voz e das batidas eletrónicas – loopstation, sample, drum machines são vocábulos que escrevem o seu quotidiano.

“Encontramo-nos na voz, mas há o contraste do acústico e do eletrónico”, descreve ao Jornal de Guimarães a brigantina que assume o nome de palco Meta_. A dupla não se conhecia antes de se reunir naquela sala espelhada e ampla do Centro de Criação de Candoso. Os instrumentos e os equipamentos por ali espalhados numa tarde solarenga de abril comprovam o regresso do Westway Lab, festival confinado pela pandemia nos últimos dois anos.

Meta_ e Nicolas Farruggia apresentam-se no café concerto do Centro Cultural Vila Flor às 22h30 de quinta-feira. São a última das quatro duplas que vai dar a conhecer a música composta entre as paredes de uma antiga escola primária, sucedendo a Christina Quest e Catharina Boutari aka Puder (21h30 desta quarta-feira), a Jorge da Rocha e a Yann Cleary (22h30 de quarta-feira), e a Tiago Sampaio e Eliën (21h30 de quinta-feira).

O cruzamento entre Portugal e outras latitudes é um dos pressupostos das residências artísticas, à semelhança do que acontece nas outras dimensões do festival que se estende até sábado: a lista de concertos entrelaça as texturas de Sensible Soccers, Noiserv, Rui Reininho, Fumo Ninja, Bateu Matou com o ativismo polaco de Misia Furtak e a ruralidade norueguesa de Trees Up North, enquanto as conferências têm nomes como José Cid e o produtor Brian Hetherman.

 

Catharina Boutari e Christina Quest abrem a mostra das residências artísticas, a partir das 21h30

Catharina Boutari e Christina Quest abrem a mostra das residências artísticas, a partir das 21h30

 

Um caldo de culturas em Don’t eat the girl

Duas mulheres erguem-se de frente uma para a outra e começam a verificar os instrumentos. Catharina Boutari ajusta a guitarra elétrica e Christina Quest contempla o seu baixo preto e branco. Os sons que se propagam mal começam a tocar são familiares: assemelham-se aos do blues e aos do rock. Mas há mais qualquer coisa ali. De repente, Christina, lisboeta, começa a ondular a voz como se estivesse a cantar um fado. Catharina, de Hamburgo, segue-se-lhe numa palavra bem clara, que se encaixa que nem uma luva em abril: “Liberdade”, canta.

Naquele caldeirão de estilos, é, contudo, a improvisação jazz que serve de tronco a tudo o que partir dali se ramifica. “As canções pertencem ao universo jazz, mas envolvidas na tradição portuguesa, no tango, na música pop e na tradição arábica. Mas o que mantém as músicas coesas é o jazz”, descreve a artista germânica, com mais de 30 anos de carreira.

Candoso é a primeira oportunidade para trabalhar com Christina, apesar de não lhe ser estranho criar música nova com artistas que desconhecia de antemão: na Alemanha, Puder – significa pólvora em português – organizava sessões para apresentar a música criada em parceria num prazo de cinco a 10 dias. Ainda assim, o cruzamento com a sensibilidade de Christina, familiar à sua no jazz, mas também portuguesa, e por isso diferente, traz-lhe algo de novo.

“É diferente o que estou a fazer. Estou no jazz, mas mais a pop e com a soul, mas não queria fazer a música que fiz antes”, realça, antes de esclarecer que as seis novas canções “surgiram rapidamente”. “Gostámos do registo uma da outra. As coisas surgiram espontaneamente e demorámos dois dias a escrevê-las. Então, começámos a aprimorar as canções e a ver como as tocar”, esclarece.

Há, porém, outra semelhança entre as duas mulheres: o ativismo feminista, reitera Christina, cantautora que reparte o seu tempo entre Portugal e Finlândia. “Não foi acaso termos ficado juntas: temos muita coisa em comum na parte ativista”, confirma. Daí talvez o nome com que a dupla se vai apresentar em palco: Don’t Eat the Girl, revela a artista com 28 anos de carreira.

Elogiosa para com a “abertura de estilos” da companheira de criação, Christina Quest adianta igualmente que a performance desta quarta-feira ambiciona transmitir a “reverberação” da sala do CCC, as “ondas de criação” de um espaço “de integração muito próprio”, que contrasta com um processo criativo em Lisboa ou em Hamburgo.

“O sossego e a abertura total de espírito são essenciais para se receber alguém que não se conhece, de outro país. É preciso entender o que guia a pessoa que chega, senti-lo e não pensar em nada. Vínhamos de cidades um pouco barulhentas. Chegar aqui dá logo uma sensação diferente”, descreve.

 

Num percurso de samples e de loops, Mariana Bragada pega no adufe com que acompanha Nicolas Farruggia

Num percurso de samples e de loops, Mariana Bragada pega no adufe com que acompanha Nicolas Farruggia

 

Sâmara

Mais do que música inédita, a última mostra das residências artísticas é uma performance de um “caminho que chega algures e depois volta para casa”, perspetiva Nicolas Farruggia. E sâmara é a palavra que norteia a proposta artística; sâmara é a semente que fica e cai quando se maturam os frutos das árvores, encapsulando alguns dos temas que Meta_ explora no seu reportório: terra, natureza, viagens.

“Encontrámos uma folha aqui perto. No meu trabalho, trato muito a terra. E o Nicolas também fala de terras e de caminhos. Esta semente voadora era o elo que ligava o nosso ar e a nossa terra. Para o concerto, pensámos nessa estrutura sobre a sâmara, com introdução, um auge e uma chegada”, confessa, antes de pegar no adufe para complementar o dedilhar de Nicolas.

Aquela folha é a deixa para um breve ensaio onde se canta a terra e a semente que cai. No fim, a palavra sâmara, os acordes, a percussão e as palmas a compasso, de janela aberta para as casas e o verde em redor. Na quinta-feira, o cenário é outro, mas as palavras esperam-se as mesmas.

 

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