Um “retiro” de porta aberta: é assim que Joy molda e partilha a sua arte
Encontrar o lugar ideal para trabalhar foi como pôr as mãos no barro: exigiu atenção aos pormenores em falta, persistência para remodelar o objeto em curso e sensibilidade para perceber a melhor alternativa. “Procurava um espaço para trabalhar desde que cheguei a Guimarães, mas havia sempre algo que falhava. Quando vi este lugar no centro histórico por acidente, vim”, recorda Joy Hanford, mulher que se faz artesã pela olaria há mais de 20 anos.
Esse “lugar” é o Atelier do Retiro, aberto desde outubro de 2020 na rua com o mesmo nome. “É a rua a que ninguém vem”, ri-se, misturando o sotaque vimaranense e aquele com que cresceu no midwest norte-americano. Se a escassos metros, em praças como a de Santiago e a da Oliveira, os turistas ainda se banham com o sol outonal, ali o silêncio quebra-se com transeuntes de ocasião, saudações afetuosas das varandas, visitas que cruzam a soleira de uma porta sempre aberta e o toque dos materiais, a solo ou com “alunos”.
Nas estantes em torno da mesa de trabalho, vê-se tudo o que lhe brotou das mãos: cântaros, chávenas, pires. Há cores e formas várias, testemunhos da diversidade de influências que captou ao estudar a “arte moderna da olaria norte-americana”: vê-se uma peça evocativa da Grécia Antiga, mas com “interpretação moderna”, e muita da tradição do Reino Unido e do Japão, advinda da interação cultural entre os dois países e os Estados Unidos (EUA) após a Segunda Guerra Mundial, explica. A oleira pega numa chávena cinza de aparência rude, em grés, para resumir a inspiração japonesa: “Parecem trabalhos muito básicos, criados sem esforço, mas exigem muita técnica”.
E a Cantarinha dos Namorados, expoente da olaria da cidade que a acolheu? Joy Hanford sabe fazê-la - “bem” até -, mas tem “influências diferentes” das de “uma oleira portuguesa”, o que “não é mau” para quem está cá a trabalhar. Esse é a obra das suas colegas Maria Fernanda Braga e Bela Alves, com quem trabalhou na Oficina até 2019. “Fiquei muito entusiasmada quando receberam a certificação da UNESCO [julho de 2022]”, confessa.
Ainda assim, a artesã diz-se fã do barro português pelo brilho da textura. E escolheu-o para um dos mais recentes projetos: As minhas lágrimas, peças com rostos de inspiração pré-colombiana em lágrimas. Elas advêm do drama vivido à distância na pandemia: entre os 13 amigos e familiares com covid-19, seis morreram. Um deles foi o pai.
O próprio Atelier do Retiro é efeito desse “trauma”, ainda vivo; precisava de se “manter ocupada” para “seguir em frente”. E agora está prestes a mostrá-lo na segunda edição da Ronda das Artes, organizada pela Comunidade Artística Vimaranense, a 16 de outubro.
“Os Estados Unidos são o meu país. Guimarães é a minha casa”
Pese o vazio que a ensombra, é com “imenso prazer” que encara todos os dias de trabalho. “Não podia sonhar com uma vida melhor. Não é fácil, mas vale a pena. Faço dela um sonho, embora trabalhe duro”, descreve.
A artista fixou-se em Guimarães aquando da Capital Europeia da Cultura, depois de ter vivido em Setúbal, quando se mudou de vez para Portugal, em 2010, com o marido, cientista lisboeta com raízes alentejanas. Uma década depois, a cidade berço de Portugal permanece como horizonte de futuro.
Assim é pela “infância maravilhosa” proporcionada aos dois filhos e pela “dignidade” que advém do estado social, ausente no país natal: “Quando fico doente, posso ir ao médico. Depois os meus filhos podem comer bem e andar na rua com imensa tranquilidade. Como dizia Gertrude Stein sobre Paris, eu digo que os Estados Unidos são o meu país, mas Guimarães a minha casa”.