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Um festival em fluxo: o Mucho regressa com ênfase na eletrónica

Tiago Mendes Dias
Cultura \ sexta-feira, novembro 05, 2021
© Direitos reservados
Com um registo que se “compromete a nunca ser igual”, em “evolução constante”, o festival da Revolve leva músicos “vanguardistas”, nacionais e internacionais, ao CIAJG, ao Vila Flor e ao São Mamede.

“Há um flow diário pelos espaços que culmina em momentos mais intensos no São Mamede”, resume Miguel de Oliveira, uma das caras da Revolve, a promotora do Mucho Flow, um festival que existe para mostrar o “mais fresco” que se faz na música contemporânea, seja ela rock, punk, jazz ou eletrónica, o registo predominante na sexta-feira e no sábado.

Os dias começam sempre na black box Centro Internacional de Artes José de Guimarães (CIAJG), com jazz experimental – o sexteto lisboeta Chão Maior (21h00), que se estreia em Guimarães, na sexta-feira – ou o registo intimista da cantautora londrina Anna B Savage, que se apresenta no sábado (18h00).

O evento transita depois para o Grande Auditório do Centro Cultural Vila Flor (CCVF), onde terão lugar concertos como os de Fura Olhos (sábado, às 22h00) - o duo bracarense formado por Miguel Pedro (Mão Morta) e Inês Malheiro apresenta-se pela primeira vez em palco com uma “eletrónica etérea” depois de lançado o álbum homónimo de estreia no fim de semana passado – ou do italiano Lorenzo Senni, às 23h30. “Será um concerto bastante visual, com um trance sem batida. É uma coisa muito interessante, bastante enérgica, visualmente estimulante”, refere Miguel de Oliveira.

Os dias terminam para lá da meia-noite no Centro de Artes e Espetáculos São Mamede, com performances como as de Muqata’a e de Loraine James, na sexta-feira, e de Giant Swan e Lee Gamble – substituto de última hora de Silkback –, no sábado, prometem mergulhos bem profundos pelas águas da eletrónica.

O cartaz inclui ainda os nomes de Space Afrika, Croatian Amor & Varg2, Arrogance Arrogance, Ricardo Martins e DJ Lynce. Apesar dos 13 concertos, praticamente metade da edição de 2019, a mais recente, o alinhamento reflete a filosofia de um festival em “evolução constante”, que se “compromete a nunca ser igual”.

“Mesmo numa versão reduzida, temos músicos vanguardistas e o mais fresco que se está a fazer em algumas das áreas. E é difícil destacar algum artista quando escolhemos os nomes com tanta intensidade”, reitera Miguel de Oliveira.

 

 

Havia o receio de o sentar, mas o público estará de pé

Após a interrupção de 2020, o evento regressa ao cartaz cultural da cidade-berço. Em 2019, repartiu-se pela black box do CIAJG, pelo São Mamede e pelo antigo edifício dos CTT, na Rua de Santo António. Foi a primeira vez que o Mucho Flow se expandiu pela cidade, como imaginado desde o arranque, em 2013. Mas a antiga sede dos correios era “um recinto improvisado” que dá agora lugar ao Centro Cultural Vila Flor.

“Vamos pela primeira vez a uma sala muito importante da cidade, que é o Vila Flor. Primeiro, é uma honra para o festival estar num espaço daqueles e sentimo-nos muito lisonjeados por nos abrirem as portas”, afirma o responsável da Revolve.

A troca deveu-se à incerteza das restrições sanitárias que estariam em vigor aquando da oitava edição do Mucho Flow. “Quando começámos a programar, ponderámos realizar o festival em formato auditório, com lugares sentados”, admite Miguel Oliveira.

As limitações, no entanto, desapareceram e o Mucho Flow vai-se exprimir como sempre o fez: com o público de pé, a alimentar a proximidade com as bandas que sempre foi imagem de marca do festival; o palco do Vila Flor vai-se tornar assim uma “caixa de palco” partilhada por artistas e espetadores.

Mesmo o ênfase na música eletrónica tem a marca da incerteza lançada pela pandemia. “Quando começámos a programar, não fazia sentido pensar em bandas de rock, porque, com as pessoas sentadas, não existiria a proximidade que o rock exige, como tivemos em 2019, com Ice Age”, justifica o responsável da promotora que realiza outros eventos em Guimarães como o Vai-m’à Banda e já editou álbuns de dezenas de artistas, agenciando alguns deles.

 

 

“Tínhamos uma música e tivemos de fazer mais quatro ou cinco para ter algo preparado”

Francisco Novais é um dos oito membros da equipa da Revolve, uma associação onde ninguém trabalha a tempo inteiro. Quando a promotora vimaranense realiza algum evento, cabe-lhe montar os espetáculos, fazer os sound check, preparar a logística para os artistas, com a marcação de hotéis e de restaurantes por exemplo e a coordenação de horários, por exemplo. “Não é um trabalho tão visível, mas é o que faz que as coisas aconteçam e os problemas estejam previstos, havendo um plano B consoante o que aconteça”, esclarece ao Jornal de Guimarães.

Assim vai acontecer no Mucho Flow de 2021. Mas o seu papel na edição de 2014, a primeira no Centro para os Assuntos de Arte e Arquitetura (CAAA), depois da estreia no Largo do Trovador, em frente ao Tio Júlio, no ano anterior, foi bem diferente. Nessa altura, os holofotes estavam voltados para a sua bateria e para os dois companheiros que formavam os Toulouse. A primeira canção do trio, “Tero!”, passava então na Antena 3, depois de a terem apresentado na iniciativa Novos Talentos, patrocinada pela empresa Fnac.

“Na altura, o Miguel, o Rui, o Bruno, da Revolve. ouviram, gostaram e contactaram-nos, não fazendo ideia de que éramos de Guimarães. Na altura em que fomos, não faziam ideia de que era o nosso primeiro concerto”, recorda.

Sem conhecer qualquer membro da Revolve de antemão, nem “sequer de vista”, o baterista apresentou-se para montar o som na véspera de uma atuação inédita; a banda iniciava o “processo ao contrário” e era incapaz de evitar o “nervosismo”, apesar de não ter exposto a situação aos organizadores. “Era o nosso primeiro concerto e não estávamos minimamente preparados para tocar logo num festival. Nem sequer começámos pelo circuito de bar. Tínhamos a música que passava e tivemos de fazer mais quatro ou cinco para ter algo preparado para um festival. Foi preparar música à pressão e fazer um cover ou outro”, lembra.

Após duas semanas de ensaio “um bocado surreais”, os Toulouse entregaram-se simplesmente à “atitude que tinha de ser”. À medida que viam que o “público gostava”, os três músicos ficaram “menos nervosos” e tocaram “sem se retrair”. “A puxar pelo público, as coisas correram bem. Há muita gente que diz que gostou muito do concerto por causa da nossa vontade e até da nossa ingenuidade”, recorda.

A Revolve editou o álbum dos Toulouse, Yuhng (2016), e promoveu dezenas de concertos da banda até à despedida, no Vai’m-à Banda de 2018. Quanto ao baterista, começou a trabalhar para a promotora desde 2015, estabelecendo uma relação que perdura até hoje.

A propósito dos concertos que se avizinham, Francisco Novais realça Fura Olhos e Chão Maior, na esfera nacional, e o “arrojo” dos nomes internacionais, com realce para Loraine James, nome que, em “pouquíssimo tempo”, vai “tocar nos grandes palcos, quer nacionais, quer internacionais”.

“Das bandas internacionais, queremos sempre dar essa parte mais efervescente e mais arrojada. É um cartaz com diferenças de género, para ver as reações do público, para desafiar. Nunca jogamos pelo seguro. O Mucho é inquietação e exploração”, sentencia.

 

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