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Teresa governou o condado como Henrique. Só diferiu na opção política

Tiago Mendes Dias
Cultura \ segunda-feira, junho 21, 2021
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A segunda edição das Jornadas Históricas decorreu no sábado, centrada no papel da mulher na Idade Média e especialmente na figura da mãe de Afonso Henriques, que se elevou ao estatuto de rainha.

Após a morte de D. Henrique, a 24 de abril de 1112, D. Teresa seguiu essencialmente a governação do falecido marido:  manteve as concessões de forais e doações a vários territórios e prosseguiu a reforma eclesiástica, restaurando a Diocese do Porto, já depois do conde ter restaurado as de Braga e de Coimbra.

A orientação política da sua liderança começou, porém, a mudar a partir de 1116, com uma série de incursões árabes no condado, que a levaram a procurar mais recursos para comandar o território. Virou-se para a Galiza, numa opção que provocou crescente desagrado às elites de Entre Douro e Minho. A escalada de tensão resultou na batalha de São Mamede, a 24 de junho de 1128, que Teresa perdeu para os nobres portucalenses e para o filho, Afonso Henriques.

“O governo foi em tudo idêntico ao do conde D. Henrique, seguindo as mesmas estratégias. Diverge num ponto fundamental: as opções políticas”, resumiu o historiador Luís Carlos Amaral, numa das intervenções nas II Jornadas Históricas associadas à Feira Afonsina, neste ano ausentes da rua. “Num mundo tão volátil, em que se poderia decidir uma coisa de manhã e outra à noite, jogou a sua sorte no tabuleiro. Viu uma hipótese de se transformar rainha. Encontrou uma barreira muito séria: a das elites locais. A rutura foi política”.

Depois da primeira edição, em 2019, se ter centrado em Egas Moniz, perpetuado na memória coletiva como o aio de Afonso Henriques, a segunda abordou a figura de D. Teresa como exemplo de proa para se debater o papel da mulher na Idade Média. Autor de A Condessa Rainha Teresa, em conjunto com Mário Barroca, o historiador da Universidade do Porto realçou que essa mulher, uma das duas mais poderosas do Norte peninsular desse tempo, a par da irmã Urraca, quase nunca se intitulou de condessa: intitulou-se primeiro de “infanta” ou de “filha do imperador” – Afonso VI de Leão e Castela – e, a partir do final de 1116, como rainha.

“Várias leituras podem ser feitas: rainha pode significar filha de rei, mulher de rei e também rainha reinante, como era o caso de Urraca, em Castela e Leão. Creio que tem um significado mais profundo. Ela traduz um desenho de um projeto político. É uma ambição política que se começa a manifestar, depois materializada”, defendeu Luís Carlos Amaral no Paço dos Duques de Bragança.

E que ambição seria essa? Nesse ano, os almorávidas arrasaram Soure, castelo localizado na linha de fronteira com terras islâmicas, e atacaram também através do rio Mondego. Como sentiu que não tinha recursos para controlar o Segundo Condado Portucalense, que havia sido restaurado no final do século XI, incluindo Entre Douro e Minho e as terras de Coimbra, Teresa fez uma “aliança tácita com parte das elites galegas”, explicou o medievalista.

Encabeçada pela família Trava, a nobreza galega ainda se lembrava do Reino da Galiza, que vigorou entre 1065 e 1072, sob a liderança de Garcia II. Nesses sete anos, mandou no território portucalense e teve o acesso à linha de fronteira com território islâmico, tendo por isso a chave para a expansão territorial, tão essencial à sobrevivência do modelo feudal, prosseguiu Luís Carlos Amaral.

“O feudalismo só vive se conseguir crescer em termos territoriais. Os galegos perceberam que a criação de uma aristocracia a sul do rio Minho os limitava severamente. É a última jogada política que a Galiza ainda tem para reabrir o corredor para o sul. Já Teresa via hipótese de obter recursos e de eventualmente reivindicar para si o mesmo estatuto que a irmã Urraca tinha em Leão e Castela. Há interesses mútuos”, esclareceu.

O número de diplomas de D. Teresa para territórios galegos cresce, e a relação aprofunda-se quando Fernão Peres de Trava chega ao condado, casa com D. Teresa, resultando da união quatro filhas legítimas, e se torna senhor de Coimbra e de Viseu, ficando com acesso à fronteira.

As famílias mais poderosas de Entre Douro e Minho, como os Maia, os Sousa, os Baião e os Ribadouro, que tinham tido acesso à alta política de Leão e Castela, num périplo pela península com D. Henrique, entre 1109 e 1112, mostraram uma insatisfação crescente. A partir de 1121, começam a abandonar a Cúria Condal de Guimarães e, em 1125, o “afastamento é total”. Em 1127, há “revolta aberta” em vários locais, ao mesmo tempo que Afonso VII, filho da falecida Urraca, percorre todos os territórios para “afirmar a sua autoridade”.

No caso portucalense, Luís Miguel Amaral recordou o cerco de Guimarães de 1127, no qual o burgo resiste às forças castelhanas – essa resistência deveu-se eventualmente mais à “comunidade de Guimarães” do que a Afonso Henriques, então a iniciar a vida pública.

A rutura acentua-se e torna-se definitiva a um mês de batalha de São Mamede, quando, na confirmação do couto da Sé de Braga, de 27 de maio de 1128, o futuro primeiro rei de Portugal escreve ao arcebispo Paio Mendes da Maia, oriundo de uma das famílias mais poderosas da nobreza portucalense: “Isto tudo te dou e muito mais te darei quando esta terra for minha”. A jogada política de Teresa desabou a 24 de junho de 1128, em terras de Guimarães, com os nobres portucalenses a levarem a melhor sobre os partidários daquela que fora rainha por 12 anos.

 

 

Viuvez como fonte de poder

Por causa da oposição aos nobres portucalenses e ao filho Afonso Henriques em episódios decisivos para a formação de Portugal, Teresa é habitualmente olhada na cultura popular portuguesa como uma antagonista ou vilã. Mas o mais provável é que a infanta que depois se tornou uma rainha fosse uma mulher bem “mais complexa” do que essa imagem transmitida ao longo do tempo.

“Essa visão negativa da D. Teresa vamos encontrá-la de forma forte num período mais próximo. Mas se recuarmos, podemos encontrar essas visões no século XII. Tudo depende muito dos autores dos registos sobre D. Teresa. A imagem chega até nós numa sucessão de véus construídos ao longo do tempo. Há, por exemplo, livros de linhagens que denigrem Afonso Henriques como forma de atingirem os reis da época. Consequentemente, denigrem a própria mãe”, esclareceu Arnaldo de Sousa Melo, na mesa redonda D. Teresa e a mulher medieval: norma ou exceção? Imagens da Idade Média no feminino, decorrida à noite, ainda com a intervenção de Isabel Stilwell e com a moderação de Samuel Silva.

O historiador da Universidade do Minho explicou ainda as raízes do poder de Teresa; à época, uma mulher que fosse filha de “alguém detentor de poder”, não tivesse irmãos do sexo masculino ou fosse viúva poderia aspirar à governação de territórios. “Têm de se juntar várias circunstâncias. E depois depende da personalidade da mulher em si”, realçou.

A eventual vontade feminina de liderar tinha custos em termos de imagem. “Através do registo das crónicas, podemos ver não como a D. Teresa foi, mas qual a imagem que as pessoas que escreveram tinham das mulheres em geral. Há uma visão positiva, que é a santa. E há uma visão negativa associada à mulher bonita, que pelos atributos físicos consegue convencer ou manipular os homens a fazerem o que elas querem”, esclareceu Arnaldo de Sousa Melo.

Jornalista e autora de vários romances históricos, entre os quais D. Teresa – Uma mulher que não abriu mão do poder, publicado em 2015, Isabel Stilwell realçou que a história se escreve pelos vencedores, havendo a necessidade regular de se ser maniqueísta num conflito. “Por norma, tem de haver um bom e um mau”, disse. Para a autora, havia simplesmente dois projetos políticos diferentes e D. Teresa perdeu.

Ao escrever sobre um tempo sobre o qual não se conhecem muitos pormenores, a escritora teve mais liberdade para ficcionar o percurso de Teresa, mesmo ancorando-o na bibliografia histórica que existe. Aí explora a relação entre Teresa e Urraca, às vezes de “proximidade”, mas quase sempre de “rivalidade”, e também entre Teresa e o Fernão Peres de Trava, que ficciona como um “grande amor”, apesar do interesse político nunca ter passado para segundo plano. “Dona Teresa é muito fria a fazer as suas opções. Ela sabe que precisa de aliados dentro da sua estratégia. A ideia dela é juntar a Galiza e Portugal e ter um apoio”, frisou.

 

Compromisso com o conhecimento

A partir de D. Teresa, as II Jornadas Históricas exploraram outras dimensões da mulher da Idade Média, através das intervenções de Joana Gomes (Universidade do Porto), sobre a representação do poder político das mulheres na Idade Média Peninsular, de Mariana Alves Pereira (Universidade Nova de Lisboa), sobre a participação feminina no trabalho urbano, de Sofia Kinnon, mestranda em Estudos Medievais na Universidade do Porto, sobre o percurso da infanta portuguesa D. Beatriz em Inglaterra, e de Israel Sanmartin (Universidade de Santiago de Compostela), sobre o papel das mulheres na “construção do milenarismo plenomedieval”.

Na sessão de abertura, a vereadora para a Cultura, Adelina Paula Pinto, representou a Câmara Municipal de Guimarães, uma das entidades organizadoras das jornadas. Para a responsável, esta iniciativa complementa os milhares de pessoas que a Feira Afonsina atrai a Guimarães com a promoção de conhecimento sobre um tempo no qual ainda é escasso. “Guimarães é uma cidade de história e de património, mas também comprometida com o conhecimento nas várias áreas”, disse.

O conhecimento sobre o 24 de Junho de 1128 e a formação de Portugal precisa de chegar à população e às escolas, já que, a seu ver, uma “grande parte da população de Guimarães” ainda entende a celebração do feriado municipal como uma comemoração de São João, como acontece no Porto e em Braga.

Ainda na sessão de abertura, o historiador Antero Ferreira apresentou a primeira edição da revista Afonsina, com dois estudos sobre Egas Moniz, entre outros.

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