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Ser (ou não) Popular: Sara Inês Gigante expressa-se na tensão entre polos

Tiago Mendes Dias
Cultura \ quinta-feira, maio 30, 2024
© Direitos reservados
Entre a necessidade de aprovação e a pulsão para rejeitar essa via, criadora e atriz confronta rótulos associados à fruição artística em “Popular”, obra em estreia absoluta nos Festivais Gil Vicente.

Sara Inês Gigante é, ao mesmo tempo, a autora e a intérprete da peça que se estreia no Pequeno Auditório do Centro Cultural Vila Flor, durante a 36.ª edição dos Festivais Gil Vicente. Mas “Popular” é palco para vozes em confronto, para visões opostas que, surpreendentemente (ou não), até encontram pontos de contacto à medida que vão sendo explicadas.

Há, por isso, momentos em que a protagonista, ou narradora, ou atriz tem de se desdobrar em várias personagens; muda assim a voz para encarnar uma pessoa que só gosta de “concertos e bailaricos, de coisas leves para não ter de pensar” e representa o “público não especializado”; depois transforma-se numa voz afetada, a divagar pelos recentes lançamentos do cinema independente e pelos corredores da designada alta cultura, firmando-se como paladino do “público especializado”. Ao colocar em diálogo esses públicos opostos, algumas surpresas emergem: a pessoa que só gosta de concertos e bailaricos vira o mais recente filme de João Salaviza, enquanto a outra apreciara os “Monólogos da Vacina”, de João Baião.

Essa provocação embebida em humor questiona os rótulos e as convenções associadas não só aos protagonistas do mundo artístico, como aos “tipos de público”, uma ideia “muito falaciosa” na perspetiva da autora. “Como artista, não gosto da ideia de nicho ou de um público-alvo específico. Pode ser algo ambicioso, sonhador e até naif, mas gosto de pensar no público como vários indivíduos que podem pertencer a circuitos diferentes. Trago uma reflexão sobre esta ideia de estarmos rotulados de alguma forma e de isso nos poder limitar”, realça Sara Inês Gigante, à margem do ensaio de imprensa decorrido esta quarta-feira, na black box da Fábrica Asa.

O espetáculo marcado para as 21h30 de 07 de junho lança até a “ideia provocadora de esses perfis se conhecerem e irem juntos ao cinema”, enquanto a protagonista se debate com a tentação de ser popular, de obter atenção e aprovação. “A peça questiona-se sobre o porquê da vontade de ser popular, sobre se quero mesmo ou não”, assume a criadora do espetáculo que venceu a 6.ª edição da Bolsa Amélia Rey Colaço, em 2023.

A tensão em redor da ideia de ser “uma artista popular sob a premissa de aprovação dos outros” está associada à síndrome de impostor – de grosso modo, ocorre quando uma pessoa capacitada para determinada tarefa sente apresentar um desempenho inferior aos pares, insuficiente para se afirmar num dado contexto –, bem como à insegurança e até a “uma certa vergonha” de um criador não conhecer todas as referências esperadas no seu meio artístico.  

“Muitas vezes, há este massacre de que deveria ler mais, deveria ir mais à procura de referências. Essa é uma coisa com a qual me debato internamente, mas que, por outro lado, tento contrariar. Tenho de pensar que está tudo bem e que, se não tenho aquela referência, tenho outras, o meu discurso e o meu lugar enquanto artista. É um debate interno”, descreve. Esse debate interno é evidente em “Popular”; com o recurso a mecanismos que alargam a sua performance a solo, Sara Inês Gigante apresenta um testemunho vívido das vozes em conflito, dos “pensamentos parasitas”, que esgrimem na nossa consciência.

 

“Tem feito sentido” o ponto de vista autobiográfico

Num espetáculo em que “o desejo de se ser uma artista popular” é amostra do desejo de se ser popular ou bem-sucedido noutros campos da vida, quase sempre em “obediência a determinados padrões”, há uma cena inspirada num episódio que Sara Inês Gigante viveu enquanto criança.

Embora “os temas mais complexos” e as “questões estéticas” separem “Popular” de “Massa Mãe”, peça com o Minho bordado em cena, também estreada em Guimarães, em 2022, a nova criação de Sara Inês Gigante volta a apostar na linguagem direta e coloquial e nas reflexões em tempo real com o público. E embora menos pronunciado do que em “Massa mãe”, o cunho autobiográfico sobe de novo ao palco, num registo autodepreciativo que encobre a “fronteira entre a realidade e a ficção”.

“A parte autobiográfica tem feito sentido ao criar. Gosto de falar a partir da minha visão e da minha experiência. Tem feito sentido trazer dados do que é a minha história. Como espetadora, também aprecio ver na história dos outros coisas da minha”, confessa a autora de Viana do Castelo.

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