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“Se fosse seguro, haveria muito mais gente de bicicleta em Guimarães”

Tiago Mendes Dias
Ambiente \ terça-feira, maio 28, 2024
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Utilizador da bicicleta há mais de 20 anos, Paulo Gomes não vê política coesa para a mobilidade ciclável no território. Crê ainda que transportes coletivos estão pensados para quem não pode ter carro.

Utilizador da bicicleta há mais de 20 anos, o presidente da Associação Vimaranense para a Ecologia não vê uma política coesa para a mobilidade ciclável no território. Crê ainda que os transportes coletivos estão pensados apenas para quem não pode ter carro. Desde 2021 a coordenar uma instituição fundada em 10 de abril de 2001, que sobressai pelas caminhadas ou pela mostra de cinema documental, Paulo Gomes realça que muitos comportamentos políticos locais não se coadunam com o discurso oficial. Saúda, contudo, a preponderância do ambiente nesse mesmo discurso.

 

Movimento Perpétuo Associativo #23 - Associação Vimaranense para a Ecologia

 

Desde quando estás ligado à Associação Vimaranense para a Ecologia [AVE] e como surgiu a oportunidade de seres presidente?

A minha ligação a algumas pessoas ligadas à AVE surgiu com o Limpar Portugal, um movimento a nível nacional para limpar lixeiras ilegais que existiam em caminhos e montes. Como já usava a bicicleta como meio de transporte, associei me à Massa Crítica, organizada pela AVE na última sexta‐feira do mês. Na altura, a bicicleta ainda não era vista como um meio de transporte pelo cidadão comum. Era uma forma de lutar pela visibilidade na estrada. Nessa altura, tive contacto com o professor Orlando Lemos, com o José Cunha. Fui aparecendo aos eventos organizados pela AVE e entrei para sócio. Gostava da forma descontraída como nos recebiam. Não havia pressão para me fazer sócio. Assumi a presidência há dois anos. Estou no segundo mandato. O primeiro foi 2022 e 2023. O segundo é 2024 e 2025. 

 

Uma das atividades que distingue a AVE é as caminhadas…

Quando nos tornamos sensíveis às coisas e conhecemos o meio envolvente, começamos a gostar dele. Essa é uma mudança importante feita com as caminhadas. Fazemos uma vez por mês. Participam muitas pessoas, às vezes novas. Além do contacto com a natureza, tens contacto com a riqueza que os outros trazem, quer artística, quer cultural, porque, às vezes, vêm pessoas de outros países. Já tivemos 50 pessoas num dia, mas se for muita gente não é confortável por questões logísticas. Muita da gente que vai não é sócia. Não fazemos esse forcing. Nunca cobramos nada, nem diferenciamos. 

 

O alcance das Ecorâmicas extravasa o auditório onde são exibidos os documentários?

Tenho uma perceção de que as Ecorâmicas nos transformam por dentro. Depois de ter visto as Ecorâmicas sobre decrescimento em 2022, não penso da mesma maneira quando ouço falar de PIB ou da ideia que temos de crescer. Os filmes são uma boa forma de termos a visão de outras pessoas, de vermos o que se passa noutros lados do mundo.

 

Já a Kidical Mass, passeio de bicicleta a pensar nas crianças, é uma sensibilização mais a longo prazo?

Neste ano, não vamos sequer participar na organização do Kidical Mass. Há duas coisas que nos levam a isso: ainda temos muito pouca gente a andar de bicicleta em Guimarães. Os pais levam os filhos de carro para a escola. Para organizar uma Massa Crítica para crianças, também é preciso que os pais queiram outras formas de mobilidade para os filhos. Não sinto isso em Guimarães. E também era importante que os responsáveis políticos dissessem que está na altura de mudar. A forma como temos a mobilidade em Guimarães não é o caminho certo.

 

A mobilidade é a dimensão ambiental com atrasos mais evidentes em Guimarães?

É uma das mais atrasadas. É a mais gritante. Temos um discurso político num sentido, mas um comportamento político noutro. Como ando de bicicleta, percebo que não há política para a mobilidade ciclável. Para ela existir, não podem existir troços separados de ciclovias. Não posso ter 10 quilómetros seguros e 100 metros inseguros. Vemos algumas obras avulsas, porque a União Europeia as financia. Tem de se chamar aqueles que usam as bicicletas no dia a dia para construir políticas. Se fosse seguro, haveria muito mais gente de bicicleta em Guimarães. A mobilidade é muito impactante pelo espaço que ocupa nas vias, pelo espaço que ocupa no estacionamento, pela poluição e pelo dinheiro que nos rouba. Todos gastamos um balúrdio por carro individual. Tinha dois carros em casa. Agora tenho um e percebo bem os ganhos a vários níveis. Os transportes coletivos estão pensados para pessoas que não podem ter carro. Nos dias de jogos de futebol, vemos o que é que importa na mobilidade. O passeio deve ter o mesmo valor num dia com futebol e num dia sem futebol. 

 

Que outros problemas ambientais são notórios?

Além da mobilidade, preocupa‐nos o ordenamento do território. Sentimos um discurso de que há muita falta de habitação, e isso pode levar a aumentar muito a construção e a desordenar ainda mais o território. Outra preocupação é a floresta. Guimarães tem muita floresta de eucalipto de produção. Temos nichos, mas deveríamos formar corredores verdes, até pela questão da biodiversidade.

 

Vê progressos, por outro lado?

O Laboratório da Paisagem tem feito um trabalho de sensibilização junto das escolas. Nos resíduos, apesar de serem metas europeias, tem sido feito um bom trabalho. Nas linhas de água, também se vê trabalho. E há uma mudança no discurso político. Os cidadãos também têm de mudar comportamentos. É precisa coragem política para implementar mudanças, mas também é preciso que as pessoas as levem a peito.

 

Como a AVE vê as sucessivas candidaturas da Câmara a Capital Verde Europeia?

Não nos causa qualquer estranheza que o município se candidate a este topo de metas, com vista ao objetivo de tornar o município mais sustentável. Muitas vezes, há o receio de que a energia gasta com estas candidaturas não traga um retorno assim tão grande. São precisas mudanças de fundo. Se as candidaturas forem acompanhadas de mudanças, são bem‐vindas. Se causarem a ideia de que está tudo bem, não são boas. A CVE não pode criar a ilusão de que já somos um município sustentável.

 

Uma associação “com voz”… à espera de uma cidadania mais jovem

Sensível à questão da mobilidade ciclável, até porque habitualmente circula de bicicleta entre Rendufe, onde vive, e o Hospital Senhora da Oliveira, onde trabalha, Paulo Gomes lidera uma associação fundada em 2001, que tem como principal objetivo o exercício da cidadania vocacionada para a sustentabilidade. Se o pensamento de cada presidente fosse primordial, seria possível desenvolver ainda mais atividades, mas a AVE é a “ideia de várias pessoas” e espera sempre pela partilha de vários pontos de vista para qualquer decisão.

Outro dos propósitos é fazer com muitos dos seus 250 sócios possam compreender o funcionamento do movimento associativo. “Podíamos concorrer a projetos e ter gente assalariada, mas a forma como funcionamos permite que todos possam perceber o que é ser parte da direção, perceber o movimento associativo. Procuramos que haja uma rotação”, realça o dirigente de 51 anos.

Algo relaxada na comunicação com os sócios, sem pressões nem imposições para pagamentos de quotas, por exemplo, a associação consegue fazer ponte com outras associações da região ou do país, daí ter “uma voz” que um cidadão isolado não consegue. Um dos desejos de Paulo Gomes, pai de dois filhos, é o de atrair mais jovens para uma associação onde sintam que “podem crescer um bocado”. A seu ver, é importante atrair pessoas mais novas e até contribuir para que os seus pais não se preocupem apenas com a sua educação, mas também com o seu futuro num mundo sustentável. “O ambiente não pode ser a luta de quatro ou cinco pessoas”, crê.

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