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Satisfeito por ter contribuído para reforçar a ideia da cidade de criação

Redação
Sociedade \ sábado, junho 07, 2025
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“[encerraram] a Fundação Cidade Guimarães, um erro colossal que ainda hoje nos impede de ter apoio do Estado Central de forma regular”

De anunciado candidato a vice-presidente da Câmara de Guimarães a deputado da nação pelo Partido Socialista. Paulo Lopes Silva, 37 anos, vereador da Cultura e Turismo, estreia-se na Assembleia da República na XVII legislatura, assegurando que a política em que acredita não se faz de negociações nem trocas. Engenheiro informático de formação, com passagem pelo setor privado e diretor do Departamento de Dados do PS (2012–2014), fala em exclusiva a O Conquistador sobre os desafios da política local, cultura e turismo. Num dos momentos mais frágeis do PS, defende que o partido precisa urgentemente de se abrir para lá das suas portas.

ENTREVISTA: Esser Jorge Silva e José Luís Ribeiro

FOTOS: Paulo Pacheco e Jaime Machado

 

Negociou com Ricardo Costa vir a ser vice-presidente da Câmara de Guimarães. O que o fez desistir?

Vou procurar ser mais preciso: não houve negociação nem desistência. As últimas eleições do PS Guimarães tiveram um resultado muito equilibrado, que deu a vitória ao meu camarada Ricardo Costa e me deixou a menos de duas centenas de votos. O lema da minha candidatura era “Unidade e Compromisso”, não apenas um slogan, mas uma convicção profunda de que essa era a missão daquele projeto político. Por isso, após essa eleição, compreendemos que a vontade da maioria era que o Ricardo Costa fosse o candidato do Partido Socialista à Câmara Municipal de Guimarães, e era vontade deste que eu o acompanhasse na equipa de vereação enquanto seu Vice-Presidente. A essa data ninguém contava que o Governo voltasse a cair e tivéssemos novas eleições legislativas. Quando confrontados com essa realidade, em diálogo com o Presidente do partido entendemos que eu era a pessoa que reunia as melhores condições para representar Guimarães no Parlamento. Eu não podia recusar tal honra.

 

Abandonou uma posição partidária local que vale mais de mil votos em troca de um lugar para deputado nacional e deixa muitos órfãos de um putativo pai do poder. Tem consciência que deixou muita gente descontente?

Parece-me que a questão parte do pressuposto de que a política se faz por negociações ou trocas. Não é assim que funciona a política em que eu acredito.

 

Mas isso aconteceu …

Fui candidato a Presidente do PS Guimarães para unir o partido e reforçar o compromisso com os vimaranenses. Não vencemos, mas foi isso que fizemos, ou seja, contribuímos para unir o partido e para robustecer o compromisso com os vimaranense. Estou certo de que, quem apoiou este projeto e me ajudou a construí-lo, se revê nesta vontade de construção coletiva com que seguimos em direção aos próximos desafios locais e nacionais.

 

E não deixou “órfãos descontentes” ?

Continuo a sentir o carinho e o apoio de muitos militantes e foi muito reconfortante senti-lo neste novo desafio, quer quando tomei a decisão, quer quando fui eleito. Não esqueço todos aqueles que me acompanharam e todos quantos me deram essa força. Todos sabem que podem continuar a contar comigo. Todos esses militantes estão hoje empenhados na vitória do PS nas autárquicas de 2025.

 

Há quem diga que não suporta o clientelismo, o patrocinato e o partido de pequenos interesses em que se tornou o PS de Guimarães. “Vai para Lisboa” ou “foge para Lisboa?”

Pode haver quem diga que não suporto tudo isso e está certo. O clientelismo e os pequenos interesses destroem qualquer organização. Na política em especial, onde os méritos individuais e o contributo para o coletivo devem prevalecer como aspetos fundamentais. Mas ninguém lhes dirá que associo essas características ao atual PS Guimarães!

Vai então para Lisboa …

Vou a Lisboa com uma das maiores responsabilidades que um político pode assumir em Portugal, sem fugir a nada, comprometido com Guimarães e com o PS. Fui desafiado pelo meu partido para ser candidato a uma Junta de Freguesia em 2009, à Assembleia Municipal no mesmo ano, onde permaneci até 2021 e fui líder parlamentar, tendo de seguida sido convidado para ser candidato a Vereador. Só posso estar agradecido por nestes 16 anos o meu partido me ter confiado praticamente todas as funções para as quais podia ser votado pela Concelhia. Espero continuar a merecer essa confiança.

 

Chega a deputado em tempos da maior crise de votos do PS. Como interpreta a grande punição nas recentes eleições legislativas? 

É cedo para tirar conclusões. O PS precisa de fazer uma reflexão profunda que não se esgote no debate da eleição do próximo Secretário-Geral. Pelo contrário: quem venha a ser eleito receberá um mandato para fazer essa reflexão e preparar uma alternativa sólida de poder, com um projeto em que os Portugueses voltem a acreditar. Para isso precisará de envolver os cidadãos, as associações, as empresas, os sindicatos, a academia e todos aqueles que possam acrescentar a este pensamento.

 

É esse o caminho ?

O PS precisa de se abrir para lá das suas portas mais do que tem sido capaz de o fazer, precisa de ouvir os mais jovens e os seus problemas, dar-lhes voz e falar-lhes sobre aquilo que mais lhe importa, precisa de não esquecer os mais vulneráveis e ter um discurso claro sobre crescimento económico. Não pode prescindir dos seus valores humanistas, de valorização do coletivo e da solidariedade, entendendo que o Mundo se virou de costas para estes valores. A vida política portuguesa tem tido ciclos e estamos de volta a um momento menos bom do Partido Socialista. Saberemos, como sempre soubemos, erguer-nos desse lugar e voltar a conquistar a confiança dos Portugueses.

 

Há quem advogue que o PS se fechou numa lógica de domínio do Estado. Enquanto deputado vai querer mudanças com menos Estado, menos recolha de impostos e mais economia de mercado?

Antes do atual Governo, o PS governou mais de 14 anos só intercalado pelo período da intervenção externa com os Governos de Passos Coelho e Paulo Portas. Isso significa que os portugueses confiaram no PS para governar muito tempo, mas também significa que o PS esteve mais tempo com responsabilidades no Estado. Acho que é importante que o meu partido não tenha tabus a falar de impostos e economia.

 

Uma evolução …

Somos o partido do Estado Social, da Escola Pública, do Serviço Nacional de Saúde e da estabilidade do sistema de Segurança Social. Mas isso não nos impede de ter uma visão clara sobre o necessário crescimento económico, sobre a maior produção de valor da nossa economia e um olhar crítico sobre as ineficiências do Estado. Um dos maiores falhanços da Governação de Passos Coelho foi ter tido um mandato para limpar gorduras do Estado e não as ter encontrado. Olhem, nas Fundações, fizeram um enorme estudo e acabaram a encerrar apenas a Fundação Cidade Guimarães, um erro colossal que ainda hoje nos impede de ter apoio do Estado Central de forma regular no Centro Internacional das Artes José de Guimarães.

 

E em que plano coloca o caso da Fundação Martins Sarmento, desfeita também nessa época depois de ter sido constituída com a participação do Estado? 

É um caso diferente, dado que a sua extinção se deu em 2021, com a justificação da inação dessa entidade. É um processo que conheço menos bem, mas sobre o qual entendo que não houve sequência prática daquilo que a composição da Fundação parecia indicar, por motivações que não domino. Não faz sentido que se crie uma Fundação com o Ministério da Cultura [NR: 8 de fevereiro de 2008, durante o XVII Governo Constitucional, liderado pelo Primeiro-Ministro José Sócrates] e deste nunca tenha havido iniciativa de financiamento daquilo que a Sociedade Martins Sarmento já desenvolvia com grande competência. E que continua a desenvolver.

 

Em 2019, à sua chegada à vereação, anunciou o “ano zero” da “Oficina” quando esta fazia 30 anos. O que explica essa tentação vimaranense do apagar das memórias passadas para fazer sobressair o presente, aliás, algo que acontecera já com a Capital Europeia da Cultura?

Há um equívoco. Eu sou vereador desde 2021, tendo sido adjunto da vereação no ciclo anterior. Em 2019 não tinha qualquer responsabilidade na régie-cooperativa “A Oficina”. Tenho um imenso orgulho do trabalho que lá foi desenvolvido desde 1989, especialmente a partir de 2005, com a abertura do CCVF. Acho que as Cidades se constroem por camadas, que vamos acrescentando ao trabalho previamente feito e no qual assenta o ponto de partida do desenvolvimento de novas visões. É pela minha mão que se celebram, em 2022, os 10 anos da Capital Europeia da Cultura, com um espetáculo de abertura em que rebatizamos o Grande Auditório de “Grande Auditório Francisca Abreu”. É também nesse ano que lançamos o debate do Plano Estratégico Municipal de Cultura, tendo partido exatamente da avaliação dos 10 anos de dinâmicas culturais que sucederam a esse ano ímpar. Se há uma tentação de apagar memórias do passado, eu não padeço desse mal.

O que responde a quem afirma que há maior preocupação com a fruição do que para a produção cultural em Guimarães? Porque não se incentiva mais a produção?

Respondo que está desatento!

 

Como assim ?

Ao longo dos últimos anos invertemos de forma definitiva esse princípio e equilibrámos os pratos da balança. Há um hoje um investimento através do IMPACTA, de meios de apoio, do Balcão de Apoio à Criação, de coproduções e cocriações com A Oficina, de infraestruturas e espaços para a criação, que permitem desmentir essa ideia. O próprio Bairro C e a sua visão sobre aquele espaço da cidade - onde reside um ecossistema de criação do melhor que se faz no país - e as diferentes oportunidades de Open Calls e apoio a projetos que vamos lançando, ajudam a potenciar essa visão. Isso não implica que tenhamos perdido a ambição do ponto de vista da fruição e dos programas culturais contemporâneos que continuamos a apresentar e que fazem de nós o terceiro polo cultural do país.

 

Ao deixar a vereação da Câmara de Guimarães, que balanço faz do seu contributo para a Cultura e Turismo?

Não gosto da ideia de ser juiz em causa própria. Procurando ser factual na análise, fico satisfeito por ter contribuído para o lançamento do IMPACTA, do Balcão de Apoio à Criação e do Bairro C, que ajudam a reforçar a ideia da cidade de criação e a dotam de meios acrescidos. Fico feliz de ter estado na entrada em funcionamento do Teatro Jordão e Garagem Avenida enquanto Escola de Artes Performativas, Artes Visuais e Conservatório de Música de Guimarães, o local onde formaremos a próxima geração das artes, em Guimarães. O legado do Plano Estratégico Municipal de Cultura 2022-2032 serve de guião para que se possa dar sequência a este trabalho e levá-lo a novos patamares de exigência e participação cívica.

 

E no turismo ?

Acompanhamos a subida dos números do Norte e do País, aproximando-nos da média, tendo chegado a 1,8 noites dormidas, próximo das duas noites que tanto queremos. Num período que lançamos o Produto Estratégico do Turismo Industrial e do Turismo Criativo e de Experiências. Sair com a certificação do destino Guimarães com o selo de Destino Turístico Sustentável é simbólico, porque penso que é uma marca que pode ficar: o cruzamento da Cultura e do Turismo com a Sustentabilidade Ambiental, em véspera de Capital Europeia da Cultura.

 

Mas não é um luxo ter o grande auditório do Centro Cultural Vila Flor fechado, só para não o “conspurcar” com a Cultura Popular ? Sendo uma sala municipal, fará isso sentido?

Vou citar um comentador desportivo: “Diga-me um!”. Um dia em que o Centro Cultural Vila Flor esteja fechado. O CCVF não tem dias fechados e sem ocupação, para lá dos obrigatórios descansos semanais das equipas. Tem uma taxa de ocupação próxima de 100% entre programação própria, festivais, acolhimento de entidades vimaranenses de diferente índole, congressos e outras iniciativas. O CCVF orgulha-se de ser uma referência nacional na sua programação, no apoio que faz aos artistas e coletivos, acolhe e coproduz inúmeras entidades e, tudo isto, sem entrar em competição com o privado. Há umas semanas estive numa entrega de prémios da Associação Vimaranense de Hotelaria, onde foi homenageado o São Mamede – Centro de Artes e Espetáculos. Sabem o que disse o proprietário quando recebeu o prémio? Agradeceu o facto do CCVF e Câmara de Guimarães terem a programação que têm sem entrar em competição com o que lá se faz.

 

É uma pessoa de fé?

Sou. Em permanente descoberta e reflexão sobre essa fé.

 

Existe alguma figura da Igreja Católica que mais o tenha marcado e tenha influenciado o seu quotidiano?

A figura de Jesus Cristo continua a ser inspiradora, na igualdade, na aceitação do outro e no amor pelo próximo.

 

5 respostas rápidas

- Sugestão gastronómica?

Arroz de Pica no Chão.

 

- Que livro está a ler?

“A Cidade Viva” de Stefano Mancuso.

 

- A música que não lhe sai da cabeça?

Vida Nueva, de pablopablo.

 

- Um filme de referência?

Fight Club.

 

- Passatempo preferido?

Jogar xadrez, hoje só online, infelizmente.

[Conteúdo produzido pelo Jornal O Conquistador, publicado em parceria com o Jornal de Guimarães. Entrevista da edição de maio de 2025 do Jornal O Conquistador.]

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