Sabias que Portugal está no Mundial de Andebol?
“Sabias que Portugal está no Mundial de Andebol?” - ligou-me o meu irmão a perguntar. Tanto sabia que já tinha comprado bilhetes para ir com a minha filha ver o Portugal x Noruega. “E sabias que o nosso capitão de equipa é de Guimarães, que o treinador-adjunto é de Guimarães e que o presidente da Federação é de Guimarães?”. Realmente essa parte desconhecia, se até do meu Vitória ando desligada, quanto mais do muito que se joga em Portugal.
À hora em que escrevo este texto, ainda faço scroll nas redes sociais para ver a chegada dos jogadores da seleção nacional de Andebol ao aeroporto de Lisboa, a serem saudados, como merecem, pelo excelente percurso que protagonizaram durante o Campeonato Mundial de Andebol Masculino, que decorreu de 14 de janeiro, até ao último domingo, 02, na cidade onde vivo – Oslo. É forma de prolongar as alegrias das últimas semanas.
Comprei o bilhete para ir ver o Portugal x Noruega por causa da minha filha Maria. Sempre que a equipa das Quinas vem por estas bandas, seja o que for, tento levá-la. É feliz na Noruega, mas nunca deixará de ser portuguesa, a alma mater está lá e não aqui. Exponho-a a todos os pontos de contacto com o que é nosso, sem me perder muito em definir o que é efetivamente nosso: talvez o que me compôs a infância em Guimarães é o que eu assuma como nosso, e, há de ser isso que, ainda que de forma não totalmente refletida, lhe tento transmitir.
Em 2023, numa das noites mais frias do Inverno de Oslo, levei-a – a ela e a uma amiga dela – a um jogo da seleção nacional de Futebol feminino, no Ullevål. As Navegadoras perderam 4-0. Sabia da hegemonia norueguesa no que ao futebol feminino diz respeito. E intuía o mesmo quanto ao andebol. Pouco sei da modalidade, assim como pouco sei de desporto em geral. Mas tinha a ideia de que os nórdicos eram muito fortes nesta modalidade: quanto mais não seja porque as crianças – meninos e meninas, de forma indiferenciada – são motivadas a praticar. Esta e outras modalidades. Aqui diria que não há desporto rei – à parte, quiçá, do esqui e outros desportos de inverno.
Pensei que íamos levar outra abada, mas o que importa é ir e entrar no espírito de apoiar a seleção. Mal eu sabia no que me estava a meter, tanto em termos de gestão de expectativas, como no que diz respeito à minha agenda e aos encargos financeiros. Foram duas semanas insanas, tendo em conta a vida pacata que por aqui levamos.
Domingo, 19 de janeiro, fui com a Maria e com dois amigos e membros da direção da Lusofonia Oslo (LO - associação de língua Portuguesa que mantemos em Oslo) ver o jogo contra a Noruega. Os quatro percebíamos tão pouco daquilo que as duas pessoas – portuguesas também, mas sem qualquer sinalética verde e vermelha que as denunciasse – sentadas à nossa frente fartaram-se de ouvir os nossos comentários ignorantes e decidiram explicar-nos o básico: o que é considerado falta no andebol, o que é um livre de sete metros, por que é que há jogadores que vão dois minutos para o banco de castigo.
Antes do início de jogo, todo o público se levantou para a entrada do Príncipe Herdeiro Haakon e da Princesa Mette-Marit, começa o hino da Noruega, que a minha filha entoa porque sabe a letra. Chega a vez de cantar A Portuguesa, a miúda põe a mão direita no coração, mas não canta. Não sabe o hino e vejo que falhei em algo na portugalidade que lhe tento transmitir.
Descobrimos que o andebol é um desporto taquicardíaco. Ganhámos 28-31, saímos felizes do Unity Arena, num autocarro à pinha, com uma maioria de noruegueses silenciosos (não pela derrota, mas porque assim o dita o código social não escrito) e um bando de portugueses barulhentos, a traduzir a felicidade no rico vernáculo que a língua portuguesa. A minha filha ri.
Fase preliminar invictos, seguimos os jogos com a Suécia e Chile em casa. Chegámos aos quartos-de-final com a Alemanha. Agora o empreendimento foi mais a sério: a malta da Lusofonia Oslo organizou-se para estarmos todos na mesma bancada. Somos de diferentes regiões do nosso Portugal e prescindimos de horas de sono e em família para preparar eventos que promovam o Português: a nossa coqueluche são as Atividades de Desenvolvimento de Língua Portuguesa (ADLP). Com esta iniciativa, de 15 em 15 dias, juntamos mais de 80 crianças que brincam, conversam e imaginam em Português.
Definiu-se a 208 como “a nossa bancada”. Dali sofremos a bom sofrer no jogo com a Alemanha (esse portento, diziam-me, do andebol, com quem jogamos, a 29 de janeiro), que ganhámos nos últimos 30 segundos do prolongamento. Curioso de se notar como começamos a falar na primeira pessoa do plural quando joga a seleção, como se os sacrifícios fossem também nossos, de quem está na bancada. Apropriamo-nos de tudo o que jogaram para aqui chegar. Alegramo-nos com eles, choramos com eles. Ainda que tenham de ter chegado a este ponto – talvez inimaginável no início da prova – para terem direito a um número generoso de público na bancada (sempre em minoria, contudo: nada que se compare com o número de adeptos dinamarqueses, suecos, alemães e até mesmo espanhóis, e noruegueses, claro), a recordes de audiência na RTP 2, a aberturas de telejornais.
Seguiu-se a Dinamarca. Para este jogo já havia grupo de WhatsApp chamado “Heróis do Mar”, em que a Isabel (da nossa LO), tratou de comprar os bilhetes para garantir que ainda mais gente ficasse junta na 208. O resultado foi o que se sabe. Descemos para cumprimentar os jogadores com o mesmo entusiasmo das vitórias anteriores. Detestei quando vi títulos do género “caímos de pé”. Ninguém caiu. Contornaram um obstáculo intransponível nesta jornada histórica do desporto nacional. Os Heróis do Mar disputariam o bronze contra a França.
Portuguesmente falando, aqui a porca torceu o rabo. Para nós, adeptos. Bilhetes completamente esgotados para o dia da final: a International Handball Federation é uma máquina de fazer dinheiro (só eu vi quase 300 euros a voarem da conta) e vende bilhetes para o dia e não para os jogos, de forma individual. Explicado está por que é que houve muitos jogos durante a competição em que as bancadas estavam vazias, apesar de o site de compra dos bilhetes assinalar “utsolgt” [esgotados]. Os adeptos iam aos jogos que queriam e não a todas as partidas agendadas para o dia.
Tentámos todos os nossos contactos. Só que nada. Cada um viu do sofá de sua casa, e entristeceu-nos o desperdício dos vários lugares vazios (até na “nossa” 208), onde poderíamos estar naquele exato momento. Agora na televisão, Portugal perdia no último minuto contra a França, e a medalha a fugia-lhes por entre os dedos massacrados de quase três semanas de andebol, quase dia sim, dia não. Sem quase escreveu-se uma história bonita e brava para o país, para a nossa comunidade em Oslo, para mim e para a minha filha Maria.