
Residências artísticas exprimem “fator humano e de relação” do Westway LAB
A conexão entre a guitarra de Catuxa Salom, música galega com raízes argentinas, e o baixo de Malinwa – nome artístico do leiriense Hugo Santos – flui com tal naturalidade que parece funcionar em uníssono; neste caso, são duas vozes e dois instrumentos que se harmonizam para criar algo a partir da experiência que os músicos já carregam de trabalhos anteriores e da imaginação que emerge da semana de retiro no Centro de Criação de Candoso.
Música e residências artísticas em São Martinho de Candoso significam Westway LAB. Embora a 12.ª edição do festival traga a novidade do concerto de abertura, com Tó Trips a atuar na Igreja de São Francisco a partir das 19h30, o arranque volta a privilegiar o café-concerto como palco para a criação de quem passa por Candoso, sempre em duplas. Catuxa e Malinwa atuam a partir das 22h00 de quinta-feira e prometem aventurar-se pelas raízes ibéricas através da folk e da eletrónica, territórios por excelência da galega, e do indie, território que o músico português costuma habitar.
A experiência de oito pessoas que coabitam numa casa por uma semana, apenas para criar música, não cria medo, apenas adrenalina. “Não vou dizer que somos uma família, mas temos estado estes dias juntos. Falamos a toda a hora e partilhamos coisas. No primeiro dia, havia aquela apreensão sobre o que havia para fazer, mas depois relaxamos, porque ouvimos os outros tocar e ouvimos vários sons experimentais. Não há medo, só aquela adrenalina que procuramos quando estamos a criar algo”, realçou a artista, numa conversa com jornalistas na sala comum. O seu parceiro de composição e de palco acrescenta: “Toda a gente tenta cooperar”.

Luís Contrário e TEII a ViSiON atuam às 22h00 de quarta-feira
No andar superior da antiga escola primária, Guimarães e Berlim cruzam-se num frenesim de som e de ritmo com a chancela de Luís Contrário, músico vimaranense, e TEII A ViSiON, alter ego de Fee Kürten, música aclamada como “inovadora sonora” pelos críticos de música alemães. A dupla atua às 22h00 desta quarta-feira. Na sala ao lado, o também germânico Grimson combina os seus dotes para a composição de canção e para a produção com o rap de Nobre, músico nascido em Angola e residente na Área Metropolitana de Lisboa, que procura retratar histórias da vida urbana. A sua atuação está marcada para as 23h00.
"Estou a trabalhar com alguém cujo género musical está muito longe do espaço em que costumo habitar. Isso tem sido extremamente desafiante, mas também me tem ajudado a levar o meu trabalho um pouco menos a sério. Não estou tão cuidadoso com cada ideia individual. Quando se trabalha com um género em que se está desconfortável, qualquer ideia é boa. Mesmo que não adoremos a ideia, acrescenta sempre algo ao processo criativo", sublinha o músico alemão.
Os espetáculos das residências artísticas encerram com Estêvão, músico brasileiro radicado em Lisboa, e SHY, artista ucraniana radicada na Irlanda há três anos, em virtude da guerra que assola o seu país Natal. Embora digam ter abordagens diferentes à composição – Estêvão mais espontânea e SHY mais estruturada –, as vozes e as guitarras dos protagonistas pareciam alinhar-se sem qualquer esforço. Para a ucraniana, a principal fonte de inspiração para criar provém sempre das pessoas.
"Estávamos a fazer uma jam no dia anterior. Estávamos a divertir-nos e começamos a escrever uma canção que estamos a terminar. Muitas pessoas dizem que vão buscar inspiração à natureza ou a pinturas. No meu caso, vem sempre das pessoas. Não consigo imaginar algo mais inspirador noutras coisas. Julgo que as pessoas são a melhor fonte de inspiração quando as conheces", disse.

Grimson e Nobre atuam às 23h00, na quarta-feira
“Campo de resistência para combater a monocultura”
As residências artísticas do Westway LAB reúnem, ano após ano, muitas candidaturas de várias partes do mundo. Houve edições do festival em que o número atingiu as 200. Neste ano, o programa atraiu candidaturas oriundas de 44 países, em parte graças ao trabalho dos departamentos de exportação de música, contactados pelo Why Portugal?, homólogo português nesse sentido.
Não há qualquer restrição às candidaturas, a não ser o requisito de se formarem quatro duplas, sempre constituídas por um músico de língua portuguesa e outro de língua estrangeira, com vista ao “cruzamento de culturas”. Qualquer músico que se candidate tem igualmente de submeter um perfil e de sugerir, a partir daí, com quem gostaria de trabalhar, descreve Rui Torrinha, diretor artístico da cooperativa A Oficina para as artes performativas.
Ainda lembrado do “muito ceticismo” com que se encarou a possibilidade de pessoas que não se conhecem se juntarem e trabalharem durante uma semana para produzirem algo, o responsável enaltece a “porrada de projetos, de circulações e de relações que se geraram a partir destas relações”, frisa.
Com apenas um relato de desentendimentos entre artistas, logo no primeiro ano, Rui Torrinha realça que o festival tem em conta a diversidade geográfica e de estilos, mas também a polivalência dos músicos e a preocupação em garantir que outros artistas para além daqueles que já circulam “no sistema” da indústria musical têm acesso às residências. “Se fôssemos aos canais oficiais ou aos artistas selecionados pelo sistema, teriam mais informação do que outros e haveria pouca diversidade. Procuramos que a informação circule o mais possível por diversos canais para quem está de fora do sistema se possa candidatar”, afirma.

SHY e Estêvão atuam às 23h00 de quinta-feira
Ainda que alguns músicos se possam mostrar assustados quando chegam a um local que não conhecem, com músicos que não conhecem, para compor música numa semana, “há uma química que se começa a instalar” assim que se “retira a pressão sobre os resultados”. “Os artistas falam uns com os outros. Há vídeos que contribuem para essa ideia de uma experiência única. Quem se candidata, está, à partida, aberto a ser generoso, a iniciar o seu processo com mais alguém. Isso é muito especial”, acrescenta.
Para o diretor artístico do festival, as residências artísticas são também uma manifestação contrária à “crescente artificialidade” dos tempos que correm, expressa no crescimento da inteligência artificial.
"Há um fator humano muito importante num tempo de grande artificialidade, neste caminho para a inteligência artificial. O fator imprevisível, o fator das relações, o corpo presente. Guimarães tem esta marca de investir na criação e de dar liberdade aos artistas. É uma área singular também distintiva e um campo de resistência para combater a monocultura, e o facto de o padrão e o gosto musical ser cada vez mais formatado, cada vez mais controlado. Isto é um contra movimento de liberdade total que damos aos artistas”, afirma.