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Quantas histórias tem o Vitória para desencaixotar? Algumas vão “deliciar”

Bruno José Ferreira
Desporto \ segunda-feira, janeiro 23, 2023
© Direitos reservados
Volumes de atas, pins, galhardetes – muitos – taças e troféus, bandeirinhas, camisolas. Muitas caixas num universo por descobrir.

O Vitória tem um acervo por conquistar, encaixotado algures no Estádio D. Afonso Henriques. O trabalho de exploração desse material está a ser feito por duas historiadoras especializadas e não há “a menor dúvida” que o clube tem uma enorme coleção para ser exposta. Mas há ainda muitas caixas para desbravar.

Um pequeno fio branco, com uma etiqueta na ponta, desponta da Taça de Portugal conquistada pelo Vitória SC em 2013. É o maior baluarte da história do clube, o mais conhecido e reconhecido por todos. No mesmo espaço, na Sala de Troféus Edmur Ribeiro, há mais de 600 peças catalogadas com uma etiqueta. É lá que Célia Oliveira e Salomé Duarte têm passado muitas horas nos últimos tempos; tempos que já ultrapassaram a baliza cronológica estabelecida inicialmente; tempos que estão aí para durar.

Tempos concretos do presente, que são dedicados a estudar tempos remotos da história do clube, com uma enorme ponte a ser traçada para o futuro. As duas historiadoras estão a inventariar o espólio do Vitória SC de forma metodológica e científica num projeto que nasceu de um contacto informal com a comissão do centenário. “Foi possível perceber que o Vitória tinha um espaço museológico, que não está acessível às pessoas, que tem um conjunto objetos em exposição que não estavam inventariados”, começa por explicar Célia Oliveira, licenciada em História na variante de Arqueologia. “A nossa experiência diz que não há muito que se possa fazer sem um inventário”, refere. O projeto inicial era, então, para quatro meses, mas a realidade é que desde outubro de 2021 o espólio está a ser analisado minuciosamente.

A tipologia de objetos, neste caso de cariz desportivo, é diferente dos trabalhos anteriormente elaborados. O procedimento, a vertente técnica, é a mesma: “Temos em mãos um conjunto de tarefas focadas no espólio que está reunido na sala de troféus, que consiste em fazer o levantamento dos objetos, inventário, catalogação e construção de mecanismos de pesquisa que vão possibilitar – a nós e a toda a gente – consultar, pesquisar, saber o que existe, que informação existe e onde se encontra cada peça”, detalha Célia Oliveira, dando conta que, no fundo, se está a “criar um bilhete de identidade de cada peça”.

Há, ainda, muita história para desencaixotar

Passando do plano teórico para a prática, os primeiros passos foram no sentido de perceber o espaço envolvente, a tipologia de peças e definir um ponto de partida. “Começámos partindo do princípio de que não havia nada feito”, recorda a historiadora. Numa visita guiada por algumas salas do estádio foram mostrados “alguns espaços de arquivo com caixas, caixas e caixas”. Ou seja, há ainda muita história por desencaixotar e nem sequer está contemplada no projeto inicial, que passava apenas pelas peças já expostas na Sala de Troféus Edmur Ribeiro. “Acho que errei nos cálculos iniciais”, desabafa, sendo certo que este trabalho é para continuar para além do que estava previsto numa primeira fase.

Célia tem-se dedicado mais à vertente material, aos objetos, sendo que a parte mais documental está entregue a Salomé Duarte, licenciada em Antropologia e com formação em Museologia, Biblioteca e Documentação. Apesar de estar ainda numa fase inicial, a documentação tem tido “prioridade”, uma vez que se tratam de materiais biodegradáveis, o que leva a que a possibilidade de se registarem perdas seja maior. “Neste campo as atas assumem um papel de destaque”, pontua Salomé, elucidando que “retratam a vida da instituição”. “Temos alguns volumes de atas antigas, esperamos encontrar mais. Quando pensamos em conhecer a história da instituição, e até em trabalhos mais científicos, as atas são essenciais”.

Pelas mãos têm passado também fotografias. “Algumas têm no verso indicações como a data ou o evento”, o que ajuda, mas no futuro a intenção passa por recorrer a outras fontes, “pessoas que vivem e viveram o Vitória” para nos ajudar a identificar alguns momentos, sobretudo os mais antigos, que foram retratados, mas estiveram – e continuam a estar – distantes do público.

Ainda é cedo para traçar grandes conclusões. “Há muitos objetos curiosos”, deixa escapar Célia Oliveira, que num discurso bem medido não revela grande pistas. Sorri e complementa: “Não tenho dúvidas que aquilo que foi publicado até hoje sobre a história do Vitória foi feito sem o acesso a esta fonte. As peças têm a sua própria história para contar e, muitas vezes, não é o que se ouve lá fora. Haverá histórias que vão deliciar as pessoas”, levanta o véu como que querendo deixar água na boca. 

“O grande objetivo final de tudo isto é que um dia possa estar acessível a todas as pessoas”.
Célia Oliveira, historiadora

Este remexer o passado deixa, porém, algumas certezas que saltam já à vista. “Vamos saber muita mais história do Vitória e das pessoas que deram vida ao Vitória”; esta é uma certeza. Outra certeza é que o “Vitória tem uma coleção para poder ser exposta”, até porque seguramente só na sala proposta a análise – sem falar nas caixas – estão um milhar de objetos, não tendo em conta a questão documental. Estas certezas lançam desafios para o futuro e para o “grande objetivo final” deste trabalho, que passa por fazer com que “um dia tudo isto possa estar acessível a todas as pessoas”.

Numa primeira instância há questões logísticas a agilizar. “Temos que delinear uma estratégia com o clube, que permita que tudo seja inventariado, tratado e acondicionado em condições mínimas”, reporta. Numa vertente mais conceptual, a ideia já ventilada de constituir um museu vai muito para além de criar uma sala de exposição. “Não temos a mínima dúvida que, em termos de coleção, o Vitória tem um espólio a ser exposto. Mas, em termos museológicos, um museu não é apenas uma sala, mas sim uma entidade com funções específicas que não se criam da noite para o dia. Um museu é uma aspiração legítima por parte dos vitorianos, mas é algo que deve ser pensado e muito bem planeado”, ressalva a historiadora de Brito. “Se pensarmos num museu de futuro para o Vitória, terá sempre de ser um museu que conta histórias numa interação muito dinâmica com a comunidade, que será um espaço extraordinário de descoberta, e um ponto de encontro”.

Apesar de ainda não estar definido, um dos passos a dar no futuro é “lançar o repto a pessoas que possam ter em sua posse objetos ou documentos que digam respeito ao Vitória, que olhem para este trabalho e no futuro vejam que o lugar indicado para esse espólio é aqui, em conjunto com outros objetos”. Uma fase que ainda está distante. Antes disso, há muita história para desencaixotar até que um dia possa ser apreciada. 

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