Três meses no hospital, um final feliz: quando um bebé nasce prematuro
No dia em que o filho nasceu, Bibliana esteve longe de sentir o que uma mãe sente num parto comum. A gravidez foi um pesadelo, em que cada vez que visitava o médico, obtinha diferentes teorias, diferentes possibilidades, montes de incertezas e uma tristeza cada vez maior.
Foi aos cinco meses que a jovem mãe, na altura com 31 anos, percebeu que o seu filho se encontrava numa situação rara, grave e que “não ia ser um bebé normal”. Histórias como a de Bibliana multiplicam-se nesta altura: o Dia Mundial da Prematuridade, uma data que tem como objetivo aumentar a consciencialização para os nascimentos prematuros, mortes e sequelas devidas à prematuridade, assim como para medidas que poderiam preveni-los, assinala-se dia 17 de novembro.
Mas antes do nascimento passou-se de tudo e tudo pôs-se em causa. Até um aborto em Inglaterra, em que Bibliana teria de viajar com o seu filho dentro da barriga e voltar, ainda com ele dentro, mas morto por um pesticida. Não conseguiu. “Sempre fui muito apoiada, embora os meus pais fossem contra o aborto. Eu era a favor, se fosse dentro da normalidade. Mas quando explicaram o processo, não fomos capazes”.
Foi demasiado. “Montar um quarto, depois tirar um quarto, achar que vai existir filho, achar que afinal não vai existir o neto dos meus pais foi muito difícil. Pus o quarto do meu filho três vezes.”, desabafa.
“Cheguei a um ponto em que não sabia se pedia a São Torcato se o meu filho vivia ou morria”.
Dois meses depois, o pequeno Vicente pregou-lhe uma partida. Sem qualquer preparação para o parto, as águas rebentaram antes do tempo, às 35 semanas. Os partos são normalmente feitos pelas parteiras, mas, no seu caso, teria de ter uma médica presente. Com 1,8 quilos, o Vicente nasceu e a parteira escorria tanta água como a mãe depois de uma grande luta na sala. A mãe tinha dado à luz, mas não sentia aquilo que normalmente as mães descrevem sentir naquele momento.
“Quando acabaram de o limpar, viraram-se para mim e disseram que iam levar o Vicente. Perguntaram se eu queria dar um beijo ao meu filho. Dei, mas não lhe vi o rosto. Não consegui ver o rosto do Vicente. Tive medo do que podia encontrar. O beijo que lhe dei foi frio, não de mãe. Foi sem sentimento, porque não me queria apegar a ele, sabia que algo podia acontecer. Não queria guardar o rosto dele”, explica.
Quando Bibliana e Anselmo foram visitar o seu bebé, com muito receio do que pudessem encontrar, uma boa nova: “Apaixonei-me completamente, era um bebe pequenino, as orelhas encostadinhas, o nariz direitinho, era um bebe feito de cera, perfeito”.
E foi aí que voltaram as más noticias. Pelo menos naquele momento, o Vicente estava longe de ser perfeito e precisavam de assinar o termo de responsabilidade para que ele fosse operado. “Segundo tinham visto, devia ter qualquer nó no intestino. Só na cirurgia é que perceberam o problema do Vicente. Ele foi para o bloco e viram que ele tinha o intestino rebentado. Quando o fui ver, estava todo ligado, cheio de “pis” [das máquinas] por todo o lado, cicatriz de um lado ao outro da barriga. E a doutora disse: “Já não contávamos que ele viesse para cima”. E fiquei a olhar para ela. Não entendi muito bem”. A médica explicou: foram muitas horas de bloco e podia não ter terminado bem
Mais tarde, Vicente ainda teve de ficar em coma induzido, estava com anemia e pressupunha-se sequelas cerebrais. Bibliana teve de deixar o seu filho nas mãos de desconhecidos, longe de si, com a sua última visita a ser marcada pela médica a dizer para a mãe se despedir do filho como se fosse a última vez. “Viemos embora, choramos todo o caminho. Depois cheguei a um ponto em que não sabia se pedia a São Torcato se o meu filho vivia ou morria”.
Quando a esperança se alimenta
A recuperação do Vicente foi muito lenta e continuou atribulada, sem parecer existir um momento final de sossego. Até que, finalmente, algumas respostas: “A minha placenta foi analisada. Disseram-me que teria que ir a uma consulta de ginecologia. Que ele não tinha problema nenhum, nem síndrome. Foi a placenta que não deixou passar oxigénio suficiente para o meu filho. Formou cérebro, pulmões, mas não intestino”.
Tiraram 20 centímetros do intestino do Vicente. Após três meses e um dia de luta naquele hospital, foi embora.
Hoje, com 10 anos, o Vicente fala muito, começou cedo, sem problemas – “cedo e bem”, frisa Bibliana. Assim como a andar e agora a correr. “Ele corre tanto e tem tanta energia, não é hiperativo, só tem muita energia. Pode dar um bom atleta”, ri.
*Com Pedro C. Esteves