"Procurei dar a Magalhães e a Bragança o senso comum, a voz da rua"
A infância e a adolescência na rua Nova, a atividade desportiva, o desencanto na passagem pela Faculdade de Direito em Coimbra, a atividade política e a gestão desportiva, foram alguns dos temas de uma conversa que procurou evidenciar em escassos minutos algumas das mais impressivas etapas de 57 anos de vida.
Refere muitas vezes a rua “Nova” como uma das marcas da infância e adolescência; foi assim tão importante?
Foi na rua Nova que nasci e lá vivi até aos 14 anos. A rua Nova, e todo o centro histórico, era o meu mundo. Na altura era uma zona guetizada de Guimarães onde viviam os mais pobres, aqueles que trabalhavam nos curtumes ou nas fábricas de calçado. Uma rua onde se sentia a pobreza e a miséria do dia-a-dia, mas ao mesmo tempo uma rua feita de gente com muita dignidade que fez do trabalho o seu modo de estar na vida. Alguns chegaram a ter sucesso empresarial nos anos que se seguiram.
A rua era o nosso espaço de liberdade. Foi aquela rua e aquele mundo que me construíram e me fizeram amigo, leal, companheiro, criativo. Tínhamos que ser criativos ou, como se dizia então, tínhamos de nos “desenrascar”.
Estudou Direito em Coimbra, mas não concluiu a licenciatura; porquê?
Hoje digo com todo o à vontade que fui estudar Direito para fazer a vontade do meu pai. Não era a minha vocação, nunca foi. Além disso, nesse tempo eu fazia tanta coisa em Guimarães. Namorava com aquela que é hoje a minha mulher, jogava andebol no Fermentões, escrevia em “O Povo de Guimarães”, fazia relatos na Rádio Guimarães, era líder da Juventude Socialista. Havia tanta coisa que me prendia a Guimarães que ir para Coimbra era um tormento. Houve uma altura em que ganhei coragem e disse ao meu pai que não ia mais para Coimbra. Ficou muito triste, muito magoado comigo. Durante um ano era quase só “bom dia”, “boa tarde” e pouco mais. Hoje, quando falamos nisso, ele sente um enorme orgulho porque percebe que a decisão que tomei tinha sido muito pensada.
Na transição da década de 1980 para a de 1990, há um grupo na Juventude Socialista que tem uma forte atividade política, não só no combate a outros partidos, mas também eram reivindicativos com a estrutura local do Partido Socialista.
Eu estou fora da atividade partidária, mas gosto de ser um cidadão atento e informado. Há dias alguém comentava comigo, a propósito do clima que existe hoje no Partido Socialista de Guimarães, que “nunca se viu uma coisa destas!” Respondi-lhe que estava enganado, que não conhecia a história do PS em Guimarães e lembrei-lhe que já tivemos “guerras” semelhantes ao longo de muitos anos.
Nessa altura, a Juventude Socialista tomava partido e muitas vezes mesmo no seu interior; uns contra os outros. Era a vontade de participar, de colaborar, a vontade de verdadeiramente construir algo diferente. O que nos caracterizava na altura era o “vimaranensismo”, no sentido bonito da palavra. Éramos vimaranenses dos quatro costados, adorávamos a nossa cidade.
As outras juventudes partidárias não tinham grande expressão. A Juventude Comunista tinha um ou outro jovem interessante, a Juventude Social-democrata era muito incipiente em termos de participação política. Nós éramos terríveis; reconheço que fomos terríveis durante alguns anos das nossas vidas.
Na sua participação na vida política local há dois homens que estão presentes, em tempos diferentes: António Magalhães e Domingos Bragança; eles fizeram “a diferença” no seu percurso na política local?
Um e outro, cada um na sua dimensão, fez a diferença em Guimarães e fez a diferença na minha vida. António Magalhães, claramente. Muito do que eu sou, foi forjado na ação direta com António Magalhães. Foram quase 30 anos lado a lado com ele, no melhor e no pior. Mesmo naquele período muito difícil que teve, em que foi operado e ficou vários meses em casa, eu era a companhia dele, no dia-a-dia; era uma espécie de correio das suas decisões. Fomos muito amigos, muito solidários.
Recordo, por exemplo, que quando era preciso compor as listas para a Câmara Municipal de Guimarães ele arranjava qualquer coisa para fazermos os dois juntos, como por exemplo uma viagem para uma ida a uma conferência. Eu já sabia que ele aproveitava aquela viagem para comentar comigo o que pensava fazer. Não que ele quisesse a minha opinião, mas eu acho que dava a António Magalhães aquilo que outros não davam: a opinião do senso comum. Sempre procurei dar, quer a António Magalhães, quer a Domingos Bragança, o senso comum, o que se ouve cá fora, a voz da rua.
Guimarães e desporto são duas palavras que também explicam quem é Amadeu Portilha?
Claramente! São as minhas duas grandes paixões! Foram os dois grandes dínamos que fizeram a minha vida avançar. Desporto, na minha prática desportiva e depois na gestão; Guimarães, por quem tenho uma paixão enorme. Nas minhas viagens em representação da Câmara dizia sempre que tinha paixão por uma cidade que se soube reconstruir e redimensionar. Muito do que sou hoje, tem a ver com isso.