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O património também é deles:os "Chiquinhos" de Couros, por Noémia Guimarães

Bruno José Ferreira
Sociedade \ terça-feira, setembro 19, 2023
© Direitos reservados
Tanques de Couros, zona proposta a Património Mundial, ganharam na última década novos habitantes. Uma colónia de gatos usufrui diariamente deste local histórico, sendo já parte da sua essência.

Noémia Guimarães, de 70 anos, trata de os “alimentar, zelar e dar carinho”. Tem um “momento de alegria” quando aparecem à hora de jantar. Gostava que as casinhas onde pernoitam tivessem mais “condições”.

Vão ocupando o espaço conforme lhes dá mais jeito. Ora aproveitando as horas de sol para se esticarem sobre as pedras dos velhos tanques que banhavam os curtumes, ora passeando – quase sempre de forma desconfiada – pelos muros estreitos. Um ou outro turista, dos muitos que já vão descendo à zona de Couros, captam a sua atenção, ganham a confiança e trocam carícias. Os "Chiquinhos" e as "Chiquinhas", assim batizados por Noémia Guimarães, já fazem parte do património de Couros, zona cuja classificação como Património Mundial da Humanidade está em curso.

Chegam a aparecer mais de duas dezenas, diariamente, por volta da hora de jantar, quando Noémia Guimarães sai do número 54 da Rua de Couros – onde mora há 60 anos – para lhes proporcionar a refeição. “Os gatos não são meus”, começa por deixar claro. Acrescenta que se meteu numa “alhada” quando começou a alimentar os gatos que fazem de Couros o seu habitat. Já lá vai um bom par de anos e a vimaranense de 70 anos continua o ritual de proteger, alimentar e dar carinho aos “amigos” felinos de quatro patas.

“Olhe, isto começou em 2011, mais ou menos. Costumamos colocar ali o lixo, e um gato pequenito começou a miar. Tive pena, dei comida e veio outro, depois outro, mais outro e outro. Hoje juntam-se aos 20 gatos nas minhas pernas quando lhes venho dar de comer”, conta. Sempre gostou de animais, tem dois gatos em casa, mais a Rita que pernoita no número 54, mas tem liberdade para sair à rua. Acompanha Noémia para todo o lado nas saídas da septuagenária de casa.

“À hora, eles estão à minha espera; às vezes até vêm à minha porta”, atira antes de explicar a rotina diária. “Todos os dias levo água, um garrafão, e coloco água fresquinha. Corto os garrafões e coloco água, algumas pessoas deixam-me os garrafões à porta para utilizar. Levo comida e tento que tenham sempre ração seca para comer”, conta. “Não vou mentir, de vez em quando dou comida – não é norma, mas dou. Não o devo fazer, até por questões de higiene, mas quando sobra dou-lhes. Mas, com higiene, em recipientes mais velhos, mas direitinhos que depois posso arrumar e não em sacas que sujam tudo”, garante.

“Faço o que posso, mas gostava que estivesse uma coisa mais em condições”

Quando fala em “alhada” Noémia reporta-se aos custos e ao trabalho que tal empreitada obriga. “Tenho o canil (Canil – Gatil Municipal, Centro de Recolha Oficial de Animais de Companhia) que me dá um saco de ração e a Proteção dos Animais (Sociedade Protetora dos Animais de Guimarães) que também me ajuda”, diz ao Jornal de Guimarães enquanto olha ao longe, a ver se está tudo bem com outro bando que se aproxima de cauda no ar. Faz as contas, mas evita chegar a conclusões. Fica-se por “dar de comer todos os dias a 20 gatos”. “É muito e eu sozinha não posso. Gasto até onde posso”, complementa, lembrando uma fase em que foi operada e pessoas amigas ajudaram a que a sua tarefa fosse cumprida.

Naquela rua de São Sebastião, há uns quantos cestinhos para gatos, uns mais velhos do que outros, que se amontoam e criam uma espécie de colónia improvisada para gatos. “Começaram a dar-me casinhas para gatos, eu fui juntando-as lá e tentando pôr da melhor forma. No verão, os gatinhos ficam para lá, nos muros, mas no inverno não têm onde ficar. Sentia pena deles, ponho cobertores limpinhos nas casinhas”, pontua Noémia, fazendo sempre questão de frisar que tenta manter o espaço livre de constrangimentos. “De vez em quando, com bom tempo, vou lá limpar e deito um garrafão de lixivia para que não cheire mal”, diz, admitindo que há quem não goste da situação. “Respeito quem não gosta, mas isto não faz mal nenhum. Está sempre limpo”, reitera.

Ainda assim, admite também, “gostava que estivesse uma coisa mais em condições”. “As casinhas estão da forma possível, não estão do meu agrado. Noutras cidades, como em Braga, Famalicão, no Porto, vejo que há. Mas não sou eu que o vou fazer. Mantenho aquilo limpo, levanto os restos, e vou trocando sempre a água”, sustenta, lançando depois um desabafo: “Já faço muito”. Para um pouco; sorri. Não está como gostaria que estivesse, mas recorda como “chegam a meter-se quatro ou cinco gatos numa cesta no inverno”, como os “bichinhos lá se desenrascam” e por lá ficam.

Trabalho em equipa com o canil para esterilizar e evitar ninhadas

Nesta jornada, Noémia Guimarães tem o auxílio do marido, “que também gosta”. Para além de providenciar a alimentação, a habitante da Rua de Couros está atenta à esterilização. “Conheço-os todos”, ri. “Quando há um ou outro novo tento apanhar, meto-o em casa e ligo para o canil. Mando para lá vários para esterilizar, para evitar o pandemónio das ninhadas”, sublinha, dizendo que os “bichinhos”, como carinhosamente os trata, dão alma ao local e são até um atrativo complementar para os turistas. 

Rapidamente esquece a “alhada” e foca-se no valor imaterial que recebe. “Conheço-os todos. São todos Chiquinhos e Chiquinhas. Se algum não vier, eu dou pela falta dele. Chego a meio da pousada chamo os Chiquinhos e lá aparecem. É o momento de alegria deles”, atira. Respira, e sorri com mais força. “Alegria deles; e a minha”, confessa, recompensada.

“Sou amiga geles – e eles meus –, gosto deles e faço o que posso. Os gatos não são meus, apenas olho por eles: faço o que posso. Respeito quem não gosta, mas acho que não fazem mal a ninguém. Só vou parar quando morrer, ou então quando alguma autoridade me proibir. Mas, ao proibirem têm de os arrumar daqui e de tratar deles, podendo, vou dar-lhes de comer. Não os vou deixar à fome”, sintetiza de forma convicta e assertiva, enquanto arruma um tupperware que levará mais comida para os Chiquinhos e para as Chiquinhas.

Bate-se a porta da casa da esquina de Rua de Couros, o número 54. Na soleira da porta, há mais um garrafão de água cortado a fazer de pia com água; ao lado, mais garrafão com ração, não vá algum sentir fome de noite. Estão em casa, afinal o património também é deles e a paisagem de Couros já não seria a mesma coisa sem os felinos. Talvez os moradores que mais usufruem do espaço.

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