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O dia a dia de um skate park com mais obstáculos do que o suposto

Tiago Mendes Dias
Sociedade \ sexta-feira, agosto 02, 2024
© Direitos reservados
Folhas e terra no inverno, juntas alargadas e tampas soltas no verão: os skaters do Parque da Cidade veem entraves às manobras radicais e pedem maior cuidado. Câmara afirma limpar espaço diariamente.

Debaixo do sol vespertino de verão, três skaters procuram aprimorar as técnicas sobre o betão abrasador, decorado com pinturas várias. Um deles é João Carvalho; habituado a percorrer rampas curvas e corrimões desde os 13 anos, frequenta o skate park do Parque da Cidade desde a sua inauguração, no verão de 2018. Os obstáculos têm crescido: não aqueles que derivam da própria modalidade, incentivando manobras cada vez mais elaboradas sobre quatro rodas, mas sim condicionantes que resultam do próprio estado da infraestrutura.

No final de cada habilidade ensaiada, vai apontando limitações ao espaço: as juntas que unem a plataforma em betão estão cada vez mais largas, prejudicando a fluidez do movimento das rodas, os copings – as bordas do recinto – aparecem enferrujados, o que trava o skate. Bem a meio do parque, João, de 20 anos, aponta para uma tampa de escoamento de água. Solta-se facilmente, diminuindo a segurança dos skaters. Há, aliás, registos de lesões nos pés e nos joelhos associados à circunstância, alega o praticante.

“É normal as tampas estarem no meio do parque, para o escoamento. Só não é normal estarem soltas. Têm de estar presas. Conseguimos tirar as tampas, ficar com elas na mão e levá-las para casa, se for preciso”, descreve. Esse é mais um dos vários problemas que o seu grupo de skaters já expôs à Câmara Municipal de Guimarães, responsável pela construção, pela gestão e pela manutenção do espaço.

 

Uma tampa solta no recinto do skate park do Parque da Cidade em julho de 2024 © Tiago Mendes Dias/JdG

Uma tampa solta no recinto do skate park do Parque da Cidade em julho de 2024 © Tiago Mendes Dias/JdG

 

“Aquilo é inclinado e o skate park leva com todas as sujidades”

Não é a única adversidade, porém. O primeiro alarme soou em 2021, quando a falta de luz condicionou o usufruto da modalidade por quase um ano, até ao verão de 2022, conta o skater. Esse problema foi resolvido, mas outros persistem quando 2024 vai já maduro. No inverno, as folhas caídas e os fluxos de terra apoderam-se do skate park. “Se chegamos ao parque e vemos que está cheio de terra e de lama, não conseguimos fazer nada. Essa terra estraga os skates. Os rolamentos começam a ficar todos estourados, porque entra pó. Já tivemos de mudar de rolamentos mais cedo do que deveríamos por causa disso”, avisa.

João Carvalho diz, aliás, que o município está aquém das promessas realizadas há dois anos, aquando de uma reunião para colmatar as falhas de iluminação à época: “limpeza pelo menos uma vez por dia, uma casota para guardar vassouras, bicas de água ou um muro onde a inclinação da terra em volta é maior”. O skater confessa mesmo alguma tensão no contacto com os serviços de limpeza da Câmara. “Já tivemos vários momentos de discórdia em chamadas com a Câmara, porque parece que não percebem o nosso lado e não querem fazer o trabalho deles”, complementa.

O skate park tornou-se realidade a 15 de agosto de 2018. Na inauguração, o presidente da Câmara Municipal disse então que Guimarães passava a “ter uma valência de excelência”, uma “referência nacional pela qualidade e inovação dos materiais”, construída a partir de um repto lançado por jovens praticantes. Domingos Bragança sublinhou até que o equipamento construído por 143 mil euros mais IVA, entre outubro de 2017 e agosto de 2018, era o “melhor skate park do país”.

Aquele lugar foi a mola para Davide Oliveira andar regularmente de skate. A seu ver, não há dúvidas de que “fez diferença” para a modalidade na cidade-berço: “É como se fosse futebol: se temos uma baliza, já dá para fazer alguma coisinha. Se temos duas balizas, já dá para fazer uma equipa maior, para treinar melhor e para ter mais condições”, compara o praticante de 21 anos, residente em São Cristóvão de Selho.

Desde que iniciou a licenciatura de som e imagem, na Escola Superior de Artes e Design (ESAD) das Caldas da Rainha, Davide só utiliza o skate park ao fim de semana. E a sua experiência ao longo do último ano vai ao encontro da de João Carvalho. O facto de se encontrar na cidade, “num sítio bastante acessível” para pessoas que não vivem nela, é uma vantagem daquele equipamento, mas o terreno que o envolve nem por isso: como está “embutido numa colina de terra onde há imensas árvores”, o recinto acumula lixo em qualquer altura do ano e, no inverno, com a água, chega a ser “impossível praticar”. “Numa ocasião, estava completamente afundado em derrames de terra. A parte da terra não foi bem planeada. Se aquilo é inclinado e o skate park está no fundo, vai levar com todas as sujidades”, aponta.

 

Acumulação de terra no mais recente Inverno © João Carvalho

Acumulação de terra no mais recente Inverno © João Carvalho

 

Câmara afirma que a limpeza é diária e promete aposta

Confrontada com as críticas dos skaters, a Câmara Municipal de Guimarães diz limpar diariamente o espaço com recurso a um soprador, em dias secos, e ao rodo – utensílio para afastar a água da superfície – nos dias em que se forma “poças de água”. Menciona igualmente o uso de uma viatura para a lavagem “sempre que necessário”.

Em nota enviada ao Jornal de Guimarães (JdG), a autarquia refere que os agapanthus plantados no declive que ladeia o skate park à norte servem para “minimizar o arrastamento” de terras e de lamas, mais comum no inverno, assim como a reparação da conduta de águas pluviais que se encontrava danificada e os “vários ‘furos’ no piso da zona designada por piscina [a parte mais arredondada e fechada do equipamento]”, que ajudam a drenar a superfície “no período de chuvas fortes e contínuas”. Já o armário com equipamentos de limpeza – vassoura, apanhador e rodo – encontra-se instalado sob a cobertura do recinto, com a autarquia a alegar que contactou, sem sucesso, os utilizadores. “Estes contactos surgiram para que a colocação do referido armário fosse efetuada tendo em consideração as necessidades dos skaters e de forma a não se tornar um obstáculo à prática do desporto”, refere a nota.

O armário foi instalado no final de julho, mas os skaters ainda não dispõem da chave para o abrir, adianta João Carvalho ao Jornal de Guimarães; aquele equipamento permite aos utilizadores removerem, de imediato, pequenas sujidades ou elementos indevidos, sem terem de esperar pela equipa de limpeza da Câmara, a seu ver insuficiente. Com efeito, o skater alega ver, com frequência, apenas um funcionário a encarregar-se da limpeza dos 30 hectares do Parque da Cidade, da EB 2 e 3 João de Meira à Escola Básica e Secundária Santos Simões.

A Câmara contraria a afirmação, vincando dispor de cinco assistentes operacionais para aquele espaço, e promete uma aposta no desporto que ali se pratica, olímpico desde Tóquio 2020. “A médio e longo prazo, é intenção da Câmara Municipal de Guimarães potenciar a prática deste desporto, através da melhoria de condições para a sua prática quer através da implementação de novos skate parks, como através da requalificação dos já existentes”, vinca o comunicado enviado ao JdG.

 

Ferrugem no coping do skate park ©Tiago Mendes Dias/JdG

Ferrugem no coping do skate park ©Tiago Mendes Dias/JdG

 

A “desvantagem para outras cidades”… e um oásis indoor

Estudante de design gráfico no Porto, João Carvalho recorre aos parques mais próximos durante a semana: são eles o da Maia, inaugurado em 26 de outubro de 2018, no âmbito de uma cidade desportiva que mereceu um investimento de 10 milhões de euros, e o de Ramalde, no concelho do Porto, inaugurado em 24 de novembro de 2019, fruto de um investimento de 150 mil euros, e ampliado entre 2021 e 2022, de 950 para 1.550 metros quadrados. O vimaranense nunca os encontrou sujos. “Já cheguei a lá ir de manhã e vi várias pessoas a tratar da limpeza do parque. Se houver três folhas no meio do parque e um funcionário vir, vai imediatamente lá com um soprador ou uma vassoura limpar. Eles têm todos os equipamentos”, descreve.

Esses relatos contrastam com a realidade que o skater traça para Guimarães, cidade que até acompanhou a tendência regional na hora de avançar com a infraestrutura: a Póvoa de Varzim inaugurou o seu parque em dezembro de 2015 e Santo Tirso em setembro de 2017, antes de Braga abrir o seu recinto 10 dias depois de Guimarães, em 25 de agosto de 2018. Vila Nova de Famalicão, por seu turno, apresentou, em 21 de outubro de 2023, o projeto para o skate park a construir no espaço verde de Sinçães.

Assim, o timing da construção até acompanhou o da região envolvente, mas a qualidade do recinto ao dispor dos skaters deixa Guimarães para trás, considera João Carvalho, residente em Covas. “Ficamos um bocado em desvantagem com as pessoas das outras cidades, porque acabam por ter melhores equipamentos e mais bem tratados. Numa cidade como estas, é triste ver o skate park desprezado”, reitera.

Essa desvantagem manifesta-se na falta de limpeza, na impossibilidade de ter mais de cinco ou seis pessoas a praticar em simultâneo – “temos um parque muito pequeno, e Guimarães não é uma cidade assim tão pequena” – e na própria configuração dos obstáculos, avessa à evolução dos skaters. “Os obstáculos são muito apertados. É bastante perigoso. As crianças que querem começar a andar não conseguem, porque está tudo muito apertado”, realça João Carvalho.

Os seus olhos veem assim um recinto avesso à inclusão de novas caras, de novas maneiras de realizar as manobras exigidas por uma modalidade que se popularizou a partir da década de 50 do século XX, pelos surfistas da Califórnia, que queriam algo para fazer enquanto as ondas do mar permaneciam calmas. “O espaço até poderia ser agradável. No verão, vemos bastantes famílias à volta do parque ver as pessoas a andar no Parque da Cidade ou com uma manta para passar lá a tarde. Com o parque assim, feio, ao abandono, as crianças não experimentam”, descreve.

Mesmo entre os que já estão integrados numa modalidade cujo nome original era sidewalk surfing, há quem privilegie um espaço privado indoor, em Azurém, em detrimento do parque ao ar livre, até no verão. “Isso veio ajudar bastante os skaters da cidade, porque finalmente temos um sítio cuidado e limpo. Temos a felicidade de ser um indoor. Há poucos em Portugal. Em dias de sol, há quem prefira pagar três euros do que ir para um parque gratuito”, atesta.

 

João Carvalho compara desfavoravelmente o skate park de Guimarães face a outros do Norte ©Tiago Mendes Dias/JdG

João Carvalho compara desfavoravelmente o skate park de Guimarães face a outros do Norte ©Tiago Mendes Dias/JdG

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