O Clube Mulheres do Atlântico quer “criar um espaço para todo o mundo”
Hannah Bastos criou um clube de leitura em Guimarães, porque “fazia falta” um espaço “lúdico, mas crítico, de conversa, que mostrasse visões do mundo e perspetivas diferentes”. Nasceu, assim, o Clube Mulheres do Atlântico, um clube de leitura voltado para literatura africana e afrodiaspórica produzida por mulheres. O clube é fruto de uma ideia de “inquietação” e de questionamento: “Porque é que não estudamos outras literaturas”, as de vozes que vão para além do “cânone branco europeu?”
Hannah sabe que o Clube Mulheres do Atlântico é “muito específico”. Mas nasce de um “incómodo” latente. “Eu, como mulher negra imigrante, que estudo grande parte de literatura produzida por mulheres, também sou escritora e incomodava-me não levar estas vozes até outras pessoas. Percebi que as pessoas as desconheciam. Não era falta de interesse, era mesmo falta de conhecimento”, explica.
O primeiro encontro foi presencial e aconteceu no CAAA – Centro para os Assuntos da Arte e Arquietura, mas Hannah percebeu que o interesse extravasa as fronteiras do concelho. Por isso, tem optado por sessões mistas. O clube lê um livro por mês e está agora aberto o 2.º ciclo de leitura: depois de um primeiro dedicado “ao lado de cá do Atlântico”, a partir de setembro pergunta-se o que significa ser afrodescendente nas Américas. Para ajudar a responder, vão ser lidas obras de Conceição Evaristo (Brasil), Teresa Cárdenas (Cuba) e Alice Walker (Estados Unidos da América).
O clube criado no início do ano quer também incentivar o regresso ao livro, até porque faltam hábitos de leitura em Portugal – em 2020, 61% dos portugueses não leu qualquer livro. “A literatura tem ficado para poucos, e o objetivo deste clube é criar um espaço para todo o mundo. No fundo, criar um espaço democrático. Só que um espaço democrático requer muita coisa e uma delas é fazer com que as pessoas se apaixonem novamente pela literatura e se revejam nela”, indica a nordestina que vive em Guimarães há sete anos.
Um slam para ouvir o que as pessoas têm para dizer
Mas há mais sementes que Hannah está a plantar para fomentar o “sentido cultural”. Está também “dentro” do Minha Poetry Slam, um dos projetos vencedores da segunda edição do open-call do Bairro C. Poetry Slam é o nome dado às batalhas de poesia falada que “têm democratizado o acesso à literatura”. Nesta aventura de trazer um slam à cidade-berço, conta com a escritora Manuela Bezerra de Melo e a produtora cultural Caroline Bampa.
“Este é um projeto muito importante para nós, enquanto corpos imigrantes em Guimarães. As estruturas de espaço cultural, de espaço literário, são muito rígidas, muito grandes e muito fechadas dentro delas mesmas. Repete-se mais do mesmo, por isso temos noção de que este projeto é muito caro; é uma semente plantada aqui em Guimarães para fomentar o sentido cultural e crítico dos espaços públicos em Guimarães; é promover esse circuito literário democrático, é trazer pessoas, corpos”, explica.
Guimarães vai colocar sob o holofote, no dia 27 de agosto, na Plataforma das Artes, vozes dissonantes. “O slam tem essa vertente de trazer pessoas que estão fora do centro hegemónico. É trazer essas pessoas e dizer que podem falar e ser ouvidas. Queremos saber o que têm para dizer”.
Ao princípio “estava com medo” – e não era por dúvidas quanto ao projeto, mas sim pelo desconhecimento que pudesse existir em relação à prática. “Mas saiu ao contrário”, indica. “As inscrições voaram, há pessoas de Guimarães – dois – o que é extraordinário”, ressalva. Para além de convidados, uma das preocupações era assegurar a representação local. “Isto é também para as pessoas e para o público vimaranense. Estamos abertos a todo o mundo e quanto mais gente melhor, mas tem um gosto especial saber que temos competidores de Guimarães”, explica. Hannah adianta que um dos participantes é “um senhor de Guimarães com 60 ou 70 anos. “Isso é extraordinário, é o mais puro da democracia e desta primeira semente plantada”.