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O acaso levou Rui Pedro a Miami. Hoje é base para o sonho de ser treinador

Tiago Mendes Dias
Sociedade \ sábado, janeiro 29, 2022
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O vimaranense conheceu a cidade de praias e de néons nas férias de 2010 e por lá se fixou há oito anos. Professor entre as horas de trânsito “caótico”, faz do futebol a sua “paixão” e ambiciona a MLS.

Nos tempos livres, nem sempre abundantes, Rui Pedro Gomes gosta de andar de bicicleta e de caiaque ou de “relaxar um bocadinho na praia”. A predileta é a Lighthouse Beach (“praia do farol”, na tradução portuguesa), em Key Biscayne. Nessa ilha, o lazer cruza-se com o trabalho: o professor de Educação Física leciona na MAST Academy, instituição de ensino equivalente às escolas secundárias portuguesas na ilha vizinha de Virginia Key, e guarda ainda tempo para o futebol: treina as equipas masculinas sub-15 e sub-18 masculinas do Key Biscayne Soccer Club.

“Das 08h00 às 15h00, sou professor de natação na escola secundária. Das 15h00 às 17h00, treino futebol na escola. Depois, às segundas, quartas e sextas, treino duas equipas num clube de futebol local”, resume, em conversa com o Jornal de Guimarães.

Desse recanto feito de palmeiras e areia luminosa, vislumbra-se o skyline que molda o horizonte de Miami, a metrópole que acolhe o vimaranense desde 2013; foi o regresso ao segundo maior destino turístico dos Estados Unidos – atrás de Nova Iorque -, depois das férias de 2010, nas quais viria a conhecer a sua esposa, Thalia Suárez. Os dois casaram-se em Guimarães, em 2012, e tentaram uma vida entre as fachadas graníticas do berço, mas o abismo nas oportunidades de trabalho entre a casa de um e a casa de outro levou-os a cruzar de novo o Atlântico.

 

Equipa sub-15 masculina do Key Biscayne Soccer Club

Equipa sub-15 masculina do Key Biscayne Soccer Club

 

“Arranjei um trabalho num restaurante, longe da minha área. Ela esteve um ano sem trabalhar e queria ir para o mercado de trabalho. A decisão de ir para Miami foi natural”, explica. “Quando chegámos notou-se logo a diferença. Uma semana depois de ter o visto, comecei a trabalhar numa instituição de educação física para crianças”. Era a Young Men’s Christian Association (YMCA) – sim, a que dá o nome à canção dos The Village People.

Foi aí que Rui Pedro Gomes começou a subir uma escada com os destinos já em mente: no penúltimo degrau, a pisar “nos próximos anos”, está o desafio de treinar uma equipa de futebol de uma universidade; o sonho mais alto, a concretizar num prazo de 10 anos, é o de ser “treinador profissional”, quem sabe na Major League Soccer, o principal campeonato dos Estados Unidos.

“Gostaria de treinar um clube. Estou a fazer o mestrado em alto rendimento, e a minha paixão é o futebol, sem dúvida. Aqui temos cinco níveis de treinador. Estou no terceiro”, detalha, antes de uma sugestão: “Quem sabe se um dia não treino o Vitória”.

 

“Em Portugal, somos contratados para um tipo de trabalho e acabamos por fazer dois ou três. Aqui sou professor de Educação Física e só professor de Educação Física. E a remuneração aqui é sempre muito mais elevada”

 

A vida de Rui Pedro faz-se dos desafios que o corpo suscita às crianças e jovens com que trabalha. Essa aventura perdura há 20 anos e teve início não muito longe de casa: licenciou-se em Educação Física pela Faculdade de Desporto da Universidade do Porto entre 2002 e 2007, altura em que as oportunidades na área se resumiam a “serviços em part time”.

Esperou um ano até encontrar algo: um trabalho como nadador-salvador em Itália. Já tivera uma janela para a vida no estrangeiro durante o semestre Erasmus que cumprira na Universidade Católica de Múrcia e lançou-se ao mar. “Tirei o curso na Capitania do Porto de Leixões e houve um senhor que me contactou, a dizer que precisava de nadadores-salvadores no estrangeiro”.

Gostou das passagens pela ilha de Capri, ao largo de Nápoles, nos verões de 2008 e de 2009, mas os trabalhos eram sazonais e havia uma vida a construir. No meio da indefinição, combinou com um amigo passar férias: o destino surgiu quase por acaso. “Calhámos de dizer Estados Unidos. Mas onde? O primeiro estado que surgiu foi a Florida, e sendo na Florida, Miami”.

 

Os arranha-céus de Miami, à noite.

Os arranha-céus de Miami, à noite.

 

Aquela cidade de arranha-céus espelhados na água do mar, de ilhas ao largo conectadas por pontes e de gente de calção e chinelo a saborear o clima tropical mudou o curso da vida de Rui Pedro: nesse verão de 2010, conheceu a esposa num restaurante. Quando voltou a Portugal, julgou que “a relação ia esmorecer”, mas o tempo demonstrou o contrário: o “sentimento” ficou e Thalia visitou-o em 2011. Escolheram o clima mais ameno do Norte de Portugal por mais de um ano, antes do regresso a Miami para uma vida com um outro frenesim.

O vimaranense crescido na rua Francisco Agra – a de Santa Luzia – começou por um campo de verão na área do desporto e transferiu-se, em 2016, para uma escola secundária no coração da metrópole – a downtown -, antes de se fixar na MAST Academy, em Key Biscayne. Finda mais uma noite em que algumas das ruas mais conhecidas ganham cor com as luzes néon – daí o cognome de Cidade Mágica atribuído a Miami -, Rui Pedro acorda às 06h00 e cruza uma das pontes sobre o mar rumo a Virginia Key para começar o trabalho às 08h00.

Apesar da canseira, não se queixa: a instituição tem “ótimas condições de trabalho”, com um relvado sintético e uma piscina de 25 metros de comprimento. Ademais, nunca tem de se preocupar qualquer burocracia lateral, tão comum em Portugal. “Aqui não me mandam arrumar não sei o quê ou organizar não sei o quanto. Sou só professor de Educação Física. Em Portugal, há sempre algo a fazer à parte da nossa profissão”, compara.

 

A praia do farol em Key Biscayne, um dos locais prediletos de Rui Pedro Gomes para os tempos livres

A praia do farol em Key Biscayne, um dos locais prediletos de Rui Pedro Gomes para os tempos livres

 

“Toda a gente fala espanhol, mas nem toda fala inglês”

A vida numa metrópole com seis milhões de habitantes, a oitava mais populosa dos Estados Unidos, e em incessante crescimento desde o século XX, pode ser “bastante caótica”, começa por descrever. Rui Pedro Gomes prefere, no entanto, apresentar os prós de Miami, antes de navegar pelos contras. As praias podem ser frequentadas ao longo de todo o ano por causa do clima “fantástico”. E a “mistura de culturas” é real, temperando uma oferta gastronómica que percorre os quatro cantos do mundo.

Nesse caldo, destaca-se, porém, o sabor da cultura latino-americana – em 2010, 70% da população tinha origem hispânica, segundo o departamento norte-americano de Censos. A circunstância reflete-se na presença das duas estações de televisão que mais conteúdo em língua espanhola produzem no país: a Telemundo e a Univisión. “Em Miami, toda a gente fala espanhol, mas nem toda fala inglês. O espanhol está sempre nas ruas, nas conversas”, resume o vimaranense, que tem na esposa uma habitante de ascendência mexicana e cubana.

A ligação ao universo latino-americano atrai investidores dessas paragens para construir, construir, construir: a população da cidade propriamente dita, 442 mil habitantes, cresceu 77% desde a década de 1950, o tempo em que o sogro de Rui Pedro se fixou na Florida. “O meu sogro, que está aqui desde criança e tem hoje 72 anos, nunca pensou ver isto assim. Estamos a falar de um sítio que já foi mais pequeno do que Guimarães. A cidade explodiu”, relata.

Essa expansão voraz traz problemas à vice city – assim ficou popularizada devido à série televisiva sobre o tráfico de droga da década de 80. O trânsito aumenta ao ritmo da construção, deteriorando o trato entre as pessoas e as relações sociais. “Há muitas regras de trânsito por cumprir. E também muita gente rude, que não é simpática. Nota-se essa adversidade. A adaptação à cidade a nível social não é muito agradável ao princípio”, confessa.

Contornar o peso do trabalho na vida diária é outro dos desafios. Nos dias em que trabalha no Key Biscayne Soccer Club, chega a casa às 22h00 para se levantar às 06h00 do dia seguinte. Os horários apertados limitam as saídas ocasionais com amigos, ainda para mais quando as férias também escasseiam. “Há muito trabalho que queremos agarrar e aproveitar, mas falta esse lado social de irmos tomar um café. Aqui tem de ser tudo programado. Na Europa, havia sempre o tempo apara desligar e abrandar. Aqui só há tempo para acelerar”, salienta.

 

O vimaranense de 37 anos cresceu na rua Francisco Agra

O vimaranense de 37 anos cresceu na rua Francisco Agra

 

A falta dos “detalhes familiares e sociais”

Guimarães é hoje uma imagem a 6.700 quilómetros, e Rui Pedro é conciso sobre o que lhe faz falta: a família, as idas com os amigos à praça da Oliveira ou a um jogo do Vitória, as caminhadas a pé. “Há essa parte de não usar o carro para sair e dar a volta pela cidade. Em Miami, precisamos do carro para tudo. Precisamos dos detalhes familiares e sociais”, confessa.

À exceção da falta de trabalho, Thalia também se deixou encantar pela cidade “bonita e histórica”, muito diferente de Miami. “Como cresceu a falar espanhol, aprendeu bem português através de alguns livros que lhe dei e mostrou interesse na cultura portuguesa. Foi sempre muito sociável”, descreve.

Habituado em menino a ver a equipa trajada de branco desfilar no relvado do D. Afonso Henriques ou a escutar as emoções a partir do terraço de casa – “quando não ia ao estádio, sabia sempre quando o Vitoria marcava golo” -, este vimaranense tenta agora difundir o soccer num país onde outros três desportos reinam: “Nas escolas, ainda não há balizas em todo o lado e as prioridades são o futebol americano, o beisebol e o basquetebol. O futebol ainda está muito verde por aqui, mas é cada vez mais popular entre as camadas jovens”.  

 

Rui Pedro Gomes cresceu a ir ao Estádio D. Afonso Henriques, casa do Vitória

Rui Pedro Gomes cresceu a ir ao Estádio D. Afonso Henriques, casa do Vitória

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