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“Não podemos proteger sem conhecer”. Enquanto descobrimos, faz-se “terapia”

Pedro C. Esteves
Ciência & Tecnologia \ segunda-feira, maio 23, 2022
© Direitos reservados
Guimarães está a fazer um Plano de Ação da Biodiversidade com a ajuda da comunidade. Entusiastas e curiosos aprendem a “proteger, conservar e monitorizar” a fauna e flora no concelho.

A manhã ainda vai a meio e já mais de uma dezena de pessoas palmilha o parque de Santa Maria de Airão. Demoram-se a olhar o ribeiro, inspecionam afincadamente rochas e plantas – alguns apontam-lhes objetivas –, debruçam-se sobre camaroeiros e perscrutam a panóplia de sons que o silêncio deixa ecoar. O que os leva ali? E por que motivo? Para responder é preciso recuar um par de horas, altura em que o grupo estava em Creixomil.

É lá que Guilherme, com uns binóculos azuis pendurados ao pescoço, corre a margem do rio Selho que ladeia o Laboratório da Paisagem. Há minúcia no relato do que viu: um girino – ainda não sabe se de rã ou sapo –, um tritão e um sardão entre duas rochas. “Não lhe escapa nada”, repara Andreia Barroso, mãe do pequeno explorador. Está ali um futuro cientista pronto para mais uma ação de campo. Mais uma, sim. Esta é apenas mais uma das saídas promovidas pelo Laboratório da Paisagem para dar a conhecer a riqueza de fauna e flor do território. Desta vez, o destino é o parque de Santa Maria de Airão. Os exploradores vão em busca de anfíbios e repteis. Dois grupos “mal-amados” por vezes, mas que não demoveram os entusiastas e curiosos de marcar presença.

O pequeno Guilherme e o irmão Gonçalo estão familiarizados com o processo: primeiro assistem a uma explicação teórica e de seguida partem para o terreno. “Tudo o que mete bichos e natureza nós estamos lá”, enquadra Andreia Barroso. Aproveita para valorizar estas iniciativas do Plano de Ação da Biodiversidade de Guimarães. Gosta de ver os filhos longe dos ecrãs e em contacto com o que os rodeia. “O mundo não é um retângulo”, achega. Ao lado, alguém abeira-se para apoiar: “Vêm para fazer uma terapia”.

 

No início de maio, o parque de lazer de Airão recebeu uma ação de campo sobre répteis e anfíbios

No início de maio, o parque de lazer de Airão recebeu uma ação de campo sobre répteis e anfíbios

 

Cartografar um território com ajuda das pessoas

Esta é a terceira deslocação de campo do Plano de Ação da Biodiversidade: depois de uma ter incidido sobre as aves e o foco da outra ter sido exclusivamente a coruja-das-torres. Haverá tempo ainda, no decorrer de maio, para ir em busca de morcegos; em junho, os holofotes viram-se para os mamíferos e insetos.

Incentivar a proximidade entre vimaranenses e o que os rodeia é o mote para estas expedições. “Não podemos proteger sem conhecer”, indica Carlos Ribeiro, diretor executivo do Laboratório da Paisagem. “Queremos promover a natureza e a biodiversidade com o envolvimento da população. Críamos, assim, cidadãos comprometidos com este trabalho de proteção e conservação do nosso património natural”.

O objetivo é cartografar a biodiversidade existente em todo o território e “proteger, conservar e monitorizar” as espécies. E os próprios locais escolhidos para as ações de campo provêm da experiência dos cidadãos, como explica a investigadora Ana Pinheira: “Um jovem publicou no grupo de Facebook Biodiversidade de Guimarães fotografias do lagarto-de-água e da rã-de-focinho-pontiagudo (que acompanham este texto). Fui verificar e selecionamos o parque de Santa Maria de Airão precisamente porque alguém publicou e mostrou a riqueza que tínhamos nessa ribeira”.

É um esforço de descentralização bem recebido por quem já tomou o gosto a passar horas em busca do que – muitas vezes – está escondido. Joana Braz e Pedro Alves vêm preparados com objetivas para documentar animais ariscos e confortáveis no subterfúgio. “Não conhecia este parque e acho que é uma excelente oportunidade para sair da zona de conforto dos parques das cidades de Guimarães”, salienta Joana. “Vimaranenses emprestados”, a viver na cidade-berço há uma mão cheia de anos, participaram nas duas ações de campo anteriores. Conjugam o “gosto” pela ecologia de Joana com a descoberta da fotografia de Pedro.

Joana confessa que gostava de ver mais gente nas ações que juntam estudantes, famílias e entusiastas – como ela e Pedro – nas iniciativas. “É muito importante, principalmente para os mais novos, para instruir e espoletar o interesse pela natureza”.

 

 

Dois anos para “abrir a mente e os olhos”

Gabriel é exemplo de como um manto verde pode ser ambiente estimulante. Andreia não tem dúvidas de que o contacto com a natureza “proporcionou” e “ajudou” ao desenvolvimento do filho de sete anos. “Ficam mais curiosos e inteligentes. Vão adquirindo vocabulário, competências que não adquiririam se estivessem em casa sem fazer nada”. O pequeno explorador circunda o camaroeiro que retira do ribeiro os pequenos seres-vivos. Quando saem, são colocados numa pequena bacia e circundados rapidamente por olhos atentos. E os telemóveis que os fotografam são importantes aliados.

Carlos Ribeiro explica porquê: “Não quisemos começar um plano de ação meramente laboratorial, meramente científico, quisemos fazê-lo primeiro com o envolvimento da população. Foi assim que lançamos a aplicação Biodiversidade Go!”.

O contributo dos cidadãos já permitiu identificar 600 espécies de fauna e flora no concelho. O interesse tem sido contínuo. Recentemente, Guimarães participou novamente no City Nature Challenge, desafio mundial que incentiva pessoas em todo o mundo a encontrar e documentar vida selvagem nas suas cidades. “Recebemos 400 observações, não estávamos à espera de tantas”, relata Ana Pinheira. É o redescobrir “do que nos rodeia”. Os anos atípicos provocados pela pandemia covid-19 atiraram os aficionados pela natureza para confinamentos sucessivos, mas também, diz a ecóloga, contribuiu para nos “abrir a mente e os olhos”: acabamos por sentir falta de estar perto da natureza.

Agora, está tudo novamente perto. O camaroeiro mergulhou no ribeiro e trouxe nova “fornada” de fauna e flora: “Há aqui coisas espetaculares”, exclama Gabriel.

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