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Mucho Flow: corrente alternada de experimentalismo e batidas rasgou o berço

Tiago Mendes Dias
Cultura \ quarta-feira, novembro 09, 2022
© Direitos reservados
Do CIAJG ao São Mamede, a omnipresente eletrónica pontuou o festival. Entre estrépitos de vários ritmos e texturas, emergiam manifestos de vulnerabilidade, de que Jockstrap foi o exemplo mais vincado.

“Ahh, ayy, ooh, eee, ahh” – as interjeições projetadas pela voz de Georgia Ellery anunciaram um fim de festa à moda de I love you Jennifer B: última faixa do primeiro álbum dos Jockstrap, “50/50” deixou centenas a dançar sobre o palco do Grande Auditório Francisca Abreu, no Centro Cultural Vila Flor (CCVF), sábado à noite. A batida persistente desperta o lado mais experimental do duo londrino, assente em todo o manancial eletrónico na mão de Taylor Skye, mas a viagem que lhe precedeu, a rondar a hora, deu tempo para apreciar a sensibilidade pop que emergia quando a nitidez das melodias se acentuava em proporção idêntica à vulnerabilidade da letra.

O exemplo mais claro desse outro lado é “Glasgow”, balada com guitarra a tiracolo; a voz de Geórgia parecia especialmente poderosa quando entoava “I am so alone” no auge da canção. Pelo meio, a estreia dos Jockstrap em solo português mesclou essas duas correntes com uma tensão deliberada – “The city”, canção do EP Wicked City (2020), em que as acrobacias melódicas de Georgia se afogam repentinamente numa torrente de eletricidade – ou com um apelo à coesão de texturas díspares, mais frequente no trabalho deste ano – “Greatest Hits” e “Concrete Over Water”, por exemplo.

 

© Jornal de Guimarães/Pedro Esteves

© Jornal de Guimarães/Pedro Esteves

 

Pelo meio, a vocalista e multi-intrumentista teve ainda tempo para pegar no violino e brindar o público com uma breve coreografia – em “Debra” – no talvez mais sonante dos 19 concertos que fizeram o Mucho Flow, edição nove.

Entre a névoa, hip hop pujante

Distinto pela aposta em nomes emergentes da cena alternativa, o festival cresceu neste novembro: o CCVF, o Centro Internacional das Artes José de Guimarães (CIAJG) e o Centro de Artes e Espetáculos São Mamede passaram a ter a companhia do renovado Teatro Jordão para um desfile de estilos embebidos em timbres eletrónicos: ouviu-se música ambiental e pop, ecos de jazz, com saxofones e contrabaixos sobre o palco, e acelerou-se ao ritmo do clubbing no São Mamede. Houve ainda tempo para apreciar as rimas e batidas agressivas de Blackhaine, também no sábado à noite.

© Jornal de Guimarães/Pedro Esteves

© Jornal de Guimarães/Pedro Esteves

 

Digerida a pausa que sucedeu a Jockstrap, o ambiente mudou. Já escuro, o palco do CCVF pareceu-o ainda mais até que, de repente, um barulho ensurdecedor anuncia o que está por vir; viam-se muitos dedos nos ouvidos para aguentar os decibéis. O ruído cessa e Tom Heyes, rapper e coreógrafo britânico que, nas lides da arte, se dá a conhecer como Blackhaine, grita. E transporta-os para a plateia: esses manifestos, de ação ou de agonia, ecoavam olhos nos olhos com o espetador. Assim foi, até que Blackhaine voltou ao palco para dar a música que tem feito: um hip hop contemporâneo, agressivo, em parceria com outros músicos, como Rainy Miller, que atuara às 19h15, no Jordão. Entre os fumos que pareciam fazer desaparecer os artistas, ali estava um concerto a que era impossível ficar indiferente.

© Jornal de Guimarães/Pedro Esteves

© Jornal de Guimarães/Pedro Esteves

 

Contemplação e uma voz com expressão

No primeiro dia, o Jornal de Guimarães assistiu ao concerto de abertura do Mucho e àquele que estreou o átrio das salas de ensaio do Teatro Jordão como palco do festival. No CIAJG, mais de uma centena deixou-se percorrer por um flow lento, gentil, com imaginário de paisagens naturais entre as experiências eletrónicas que afloravam. Houve quem até se deitasse, talvez para se focar no som que provinha do palco revestido a violeta. Autora de Holotropica, álbum lançado neste ano, a dinamarquesa Sofie Birch apresentou-se assim em Guimarães.

© Jornal de Guimarães/Pedro Esteves

© Jornal de Guimarães/Pedro Esteves

A viagem da black box do CIAJG para o Jordão foi também uma jornada da música ambiental para o combinado de pop, R&B e eletrónica que se misturam na obra de George Riley. Brindada por centenas no Jordão, a artista londrina ia selecionando os ritmos a que dava voz numa pequena mesa de mistura e oscilava depois entre dois microfones: um em que projetava a sua voz natural e um outro com um eco. A autora de Running in Waves, álbum de 2022, começou com amostras curtas, mas pareceu ganhar confiança à medida que ia atuando; o público respondeu à medida que a performance avançava e acabou a dançar ao ritmo de canções abertas a novas tendências sonoras, sem a perda de uma essência pop, com temas que ocupam o imaginário de alguém nos seus 22 anos: a ansiedade perante a carreira artística e os relacionamentos amorosos.

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