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Monteiro Castro: "Guimarães tem assistido a uma progressiva regressão”

Redação
Sociedade \ sábado, outubro 05, 2024
© Direitos reservados
António Monteiro Castro tem um raro currículo: é um dos poucos que, em simultâneo, participou na política, contribuiu para o engrandecimento associativo religioso e manteve sucesso empresarial.

António Monteiro Castro tem um raro curriculum: é uma das poucas figuras vimaranenses que, em simultâneo, participou ativamente na política, contribuiu para o engrandecimento associativo religioso e manteve sucesso empresarial e profissional. Antigo deputado na Assembleia da República e vereador camarário, eleito pelo CDS-PP, este Engenheiro Civil, católico praticante, leva uma longa experiência na área da construção. Foi da sua cabeça que saiu a solução para as repetidas cheias do Rio de Couros. Em entrevista exclusiva a O Conquistador, António Monteiro de Castro, 72 anos, natural de Santa Eufémia de Prazins, mostra que continua atento ao concelho de Guimarães. Não só justifica o sentido das opções do urbanismo local como explica as razões da escassez da habitação. E tem uma certeza: Guimarães está em estado de regressão e precisa de “investimento qualificado”.

ENTREVISTA E FOTOS: José Luís Ribeiro e Esser Jorge Silva

 

Em que momento percebeu que uma “bacia de retenção” nas Hortas poderia acabar com as inundações na Zona de Couros e como se deu a aceitação política e implementação?

As inundações ocorridas no Largo República do Brasil (Campo da Feira), assim como as da Zona de Couros, não são coisa do presente, foram já do conhecimento dos nossos antepassados e estiveram até presentes aquando da conceção do projeto da Igreja dos Santos Passos pelo grande mestre do barroco português André Soares que teve o cuidado de a implantar no cume da praça e com uma cota de soleira ajustada para não ser inundada. Sendo perfeitamente claro que a praça funcionava já como uma verdadeira bacia natural, tal como houve ocasião de ser presenciado, várias vezes ao longo dos anos, bastaria apenas apanhar as águas num espaço livre e contíguo, como o Largo das Hortas, com área e capacidade para esse efeito. Ora, sendo o terreno livre e ainda por cima propriedade do Município, parecia claro que deveria ser esse o local escolhido.

 

E a aceitação política?

Mereceu, no seu início, algumas reservas, ao ser confrontada com outra hipótese que lhe colocaram, da sua localização ser na Zona de Couros, no terreno situado nas traseiras da Ordem de São Francisco, logo a seguir às instalações da antiga Fábrica da Ramada, ocupando ainda alguns dos tanques de curtimenta, um espaço claramente insuficiente para o efeito que, além de deixar por resolver as inundações em toda a zona do Campo da Feira, constituiria atentado contra o património.

 

Que nível de pluviosidade seria necessário para ultrapassar a capacidade da “bacia de retenção”?

Clarificando. Aquilo que foi concretizado foi a execução de duas bacias no Largo das Hortas e estudada a otimização da capacidade de armazenamento da bacia já existente no parque da cidade. Assim, as três bacias, em conjunto, asseguram períodos de retorno de cheias superiores a 5 anos. Os cenários estudados para períodos de retorno de 10 anos e de 20 anos permitem concluir, sem qualquer tipo de dúvida, que não sendo assegurada a proteção contra cheias, os valores de caudais e volumes de água envolvidos em incidentes de inundação diminuem consideravelmente, reduzindo desta forma os riscos contra pessoas e bens. Podia ser possível um melhor comportamento contra o risco de cheias caso se aumentassem os volumes armazenados nas bacias das Hortas. No entanto, e por imposições paisagísticas e de arquitetura, foi limitada a sua geometria e com isso o seu volume total, consequentemente o período de retorno.

 

Com o seu conhecimento sobre a construção civil em Guimarães até que nível da escala de Richter estariam as habitações seguras?

A intensidade de Richter mede a energia libertada durante um evento sísmico, não sendo, pois, a medida de intensidade mais indicada para abordar a questão. Na verdade, a escala de Mercalli, é a que reflete diretamente a intensidade do abalo do terreno num determinado local, referindo-se aos efeitos provocados pelo evento sísmico nas construções e na população.

 

E Guimarães ?

Guimarães encontra-se numa zona denominada de baixa sismicidade. Os registos históricos, fonte de informação muito relevante nos estudos de caracterização da sismicidade, não reportam a ocorrência de sismos que tenham afetado, de forma relevante, a zona Norte de Portugal. No entanto, é importante salientar que a legislação que regulamenta os projetos de edifícios prevê, desde 1983, regras que permitem aos projetistas dotar as construções de resistência à ação dos sismos. É expectável, por isso, que os edifícios construídos após a implementação dessa regulamentação apresentem bom comportamento sísmico, mesmo até quando localizados em regiões do território nacional com maior nível de sismicidade.

 

Em Guimarães há exemplos de construções em linhas de água, leitos de cheia e até em leito de rio. Nestes tempos de clima incerto, que consequências podem daí advir?

Atualmente, e tendo em conta as exigências legais, não é possível a construção em linhas de água ou em zonas de cheia. Tal limitação está bem evidente nos Planos Diretores e nas normas municipais. Além disso, a Agência Nacional do Ambiente é de consulta obrigatória para construções próximas dos recursos hídricos. Em relação às construções existentes e construídas em zonas de linha de água ou de cheias são situações que devem merecer atenção e monitorização.

 

E a restante construção, oferece garantias de segurança?

Atualmente as construções obedecem a regulamentos exigentes – nomeadamente Euro códigos os quais asseguram a robustez global das construções.

 

É manifesta uma grande atenção estética quanto ao centro urbano e uma espécie de liberdade para o feio quanto à periferia. A que se deve esse fenómeno?

A qualidade estética dos edifícios e dos espaços públicos, seja no centro urbano seja na periferia da cidade tem melhorado, claramente, ao longo dos tempos, por várias ordens de razão. Desde logo e em primeiro lugar pelo aumento do nível económico que a comunidade foi adquirindo permitindo-lhe investir numa das partes mais importantes do processo construtivo que é o projeto, adotando assim soluções estética e qualitativamente mais conseguidas. Depois, porque o desenvolvimento económico e social do país permitiu também o acesso à formação de mais técnicos do sector, como arquitetos, engenheiros e até formação profissional para os artistas da construção. Quanto à distribuição da qualidade estética, compreende-se que tal evolução tenha começado por ocorrer na zona territorialmente mais relevante do Município que é a própria cidade.

 

Ainda assim subsiste a escassez de casas. E as que existem atingem preços incomportáveis. Como chegámos até aqui?

É sabido que no início dos anos 2000 tínhamos aumentos anuais do parque habitacional do País entre 100 mil a 120 mil casas, tanto como as que agora se constroem em seis anos, situação que necessariamente haveria de provocar, num curto espaço de tempo, uma séria escassez de habitação. De entre várias explicações, a mais importante será a grave crise económica e social que o País atravessou em 2010/2012 na sequência crise financeira do sub-prime iniciada nos Estados Unidos da América em 2008 e que uns anos mais tarde atingiria também a Europa. Tentando debelar a situação, decidiram os governos europeus, de forma unânime, apostar intensamente no investimento público como forma de estimular o crescimento. Se para os Países do Norte tal decisão era compatível com a sua situação financeira já o mesmo não se poderia dizer da generalidade dos países do Sul como Portugal, Espanha, Itália e Grécia, que, tendo de recorrer a empréstimos com juros agravados rapidamente tiveram de ser apoiados pelo Fundo Monetário Internacional, pelo Banco Mundial, e pela Comissão Europeia.

 

Daí que a construção …

O sector da construção foi, nessa altura, um dos mais atingidos com uma grande percentagem das empresas a ir à falência perdendo-se a grande maioria dos bons profissionais que o País tinha, tendo emigrado uns e passado à reforma outros. Depois de um longo período de hibernação do sector, com as necessidades de habitação recalcadas ao longo dos anos em consequência da crise, quando repostas as condições económicas para a aquisição de novas casas, elas não existiam.

 

E como sairemos deste cenário que empurra a população para fora da cidade?

A falta de habitação não existe apenas na cidade. Ela ocorre praticamente em todo território municipal e nacional e penso que será necessário aguardar que o sector se recomponha e que haja, da parte das entidades envolvidas nos processos de licenciamento, um maior empenho e celeridade no despacho dos processos. Torna-se importante, também, o necessário ajustamento dos salários face ao forte crescimento que o custo de vida atingiu, melhorando o rendimento das pessoas de modo a poderem fazer face aos actuais custos da habitação.

 

Esta opção política obriga a repensar os sistemas de mobilidade. Fala-se no BRT (Bus Rapid Transit) mas há quem advogue o Metro Ligeiro de Superfície. Qual a melhor solução e porquê?

Uma coisa é a mobilidade interna municipal à qual Guimarães chegou muito atrasada relativamente a outros municípios como Braga, por exemplo, mas que tem agora em curso um projecto que, se bem posto no terreno, poderá contribuir para uma melhor atractividade e comodidade, um melhor ambiente e uma maior coesão territorial e social. Coisa diferente é a mobilidade intermunicipal e regional que fica dependente de fortes investimentos da administração central que permitam uma articulação com a ferrovia que brevemente servirá o País com a alta velocidade. Quanto à opção a tomar não me sinto habilitado para esse efeito.

 

Guimarães tem-se desenvolvido, tem estagnado ou tem retrocedido?

Guimarães, terra com grandes pergaminhos no campo económico e social tem assistido a uma progressiva regressão, vivendo as consequências não só do declínio do seu importante passado industrial, nomeadamente do sector têxtil, como da incapacidade de atrair investimento de qualidade capaz de atrair e fixar juventude, de modo especial a mais qualificada, portadora de um futuro radiante para todos os vimaranenses. A consequência mais visível desta situação é a sistemática queda de população ao longo da última década, situação diferente da vivida por alguns municípios vizinhos como Braga ou Famalicão.

 

O que está a fazer falta a Guimarães?

Claramente tornar-se atrativa do ponto de vista de investimento, de modo especial do investimento qualificado.

 

Equaciona regressar à vida política ativa?

Não equaciono tal situação, não só porque sinto bem o peso dos anos como acredito, seriamente, que temos uma promissora jovem população que será capaz de relançar Guimarães, sejam-lhe proporcionadas as condições para esse efeito.

 

Com uma longa vida de participação cívica, passou recentemente o testemunho na Irmandade de Nossa Senhora da Consolação e Santos Passos. Também se reformou destas lides?

Depois de servir esta riquíssima Real Irmandade de Nossa Senhora da Consolação e Santos Passos ao longo de 34 anos e embora tivesse deixado por realizar alguns importantes projetos, como uma Residência Sénior nas instalações do antigo Colégio de Nossa Senhora da Conceição, uma nova Creche para 90 crianças e a ampliação do actual Colégio para receber o ensino secundário, passei o testemunho, exatamente, pelas mesmas razões anteriormente referidas.

 

E que balanço faz dessa sua participação?

O balanço de alguém que, apoiado por uma equipa competente e dedicada, contribuiu para o relançamento de uma das mais ilustres instituições vimaranenses, prestes a completar 430 anos, construindo um lar de idosos, uma creche para 60 crianças e um novo colégio, reafirmando assim o importante papel que a Igreja pode ter na construção de uma sociedade melhor.

 

O que o faz ser, assumidamente, uma pessoa de fé?

A certeza de acreditar que o Universo não é obra do acaso, mas antes sim, de um Ser, Deus, infinitamente omnisciente, omnipotente e misericordioso que pelo amor à humanidade e depois de enviar vários profetas com vista à construção de uma sociedade justa e fraterna, enviou mesmo seu filho, Jesus Cristo, a pregar o maior mandamento da lei, o amor.

 

Que figura da Igreja Católica o marcou e influenciou mais?

São Paulo, São Bento e Santo Agostinho no passado longínquo e os papas do passado recente, sobretudo Bento XVI.

 

"5 respostas rápidas"
  1. Sugestão gastronómica?

Comida tradicional portuguesa.

 

  1. Que livro está a ler?

Depois do “Domínio” de Tom Holland, e “Prisioneiros da Geografia” de Tim Marshal estou agora, doze anos depois, a reler “Deus (não) Existe” que narra como o mais célebre filósofo ateu, Antony Flew, mudou de convicção.

 

  1. A música que não lhe sai da cabeça?

Gosto, de uma maneira geral, de toda a boa música com destaque para o Jazz e sobretudo para a clássica, de modo especial música barroca de Händel, Bach e Mozart.

 

  1. Um filme de referência?

Nenhum em especial.

 

  1. Passatempo preferido?

Passear junto ao mar, ler e ouvir música.

 

[Conteúdo produzido pelo Jornal O Conquistador, publicado em parceria com o Jornal de Guimarães. Entrevista da edição de outubro de 2024 do Jornal O Conquistador.]

 

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