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Memórias de um Velho Nicolino, por Ricardo Gigio

Redação
Sociedade \ quarta-feira, novembro 24, 2021
© Direitos reservados
O Jornal de Guimarães vai publicar, entre domingo e sexta-feira, artigos de opinião acerca das Festas Nicolinas escritos por diferentes autores. O quarto fica a cargo de Ricardo Gigio.

Já me é difícil escrever sobre as Festas e a Tradição Nicolina sem me repetir. Desde o princípio da adolescência até hoje, a alguns milhares de quilómetros dessa rede de Amizade onde sempre me faço Feliz, foram muitas as vezes em que tive o orgulho de partilhar o sentimento de pertença a esta Festa ímpar. Mais de vinte e cinco anos de escrita de Programas das Festas, contributos para os textos das Danças de S. Nicolau, um Pregão, e um livro onde procurei retratar 30 Anos da minha vivência Nicolina, deixam-me algo perdido no que privilegiar de entre tantas memórias pessoais e coletivas.

Creio que quando não temos a certeza de como ou sobre o que escrever e o tema nos oferece abundante matéria, temos de buscar o essencial. O coração desta energia sem igual, que para todos e cada um de nós, é o equivalente a mover montanhas. E não há nada nem ninguém que me mova do alto da minha certeza de que As Festas Nicolinas dos Estudantes de Guimarães são uma das provas tangíveis da Amizade. E isso não só é verdade como é indesmentível!

Poderia aqui discorrer sobre o sentimento de pertença, sobre a identidade, o bairrismo, o ser-se de Guimarães com todos os seus defeitos e excessos e no que para isso contribui este fenómeno. Mas não. Fico-me pelo que é verdadeiro e importante. E isso são os laços que se criam com toda a gente que sempre diz “Presente!” ao chamado das Festas. Há um sentimento de irmandade, de camaradagem e dessa receita resulta bastantes vezes que se descobrem Amigos de e para a vida. Assim como o Amor não se escolhe, também foram as Nicolinas que nos escolheram a nós, e nos agarraram como uma droga sem antídoto, uma partícula que se intromete no ADN e que nem a morte consegue eliminar.

 

E às vezes, a morte intromete-se, este ano levou-me um Amigo da minha Comissão de Festas de 1984, o Zé “Cure”, espero que onde estiver, encontre o que sempre procurou e esteja em Paz. Dizem que só morremos se deixarem de se lembrar de nós. É bom que recordemos pois.

Não há nada que se compare aos abraços e beijos que damos na Noite do Pinheiro, não há nada que se iguale ao prazer de rever. Amigos, companheiros desta aventura Nicolina, antigos e futuros amores, tudo e todos juntos celebrando um Santo que, de verdade, é estranho a muitos.

Nicolau de Mira, taumaturgo, padroeiro de marinheiros, comerciantes, ladrões arrependidos, prostitutas, gente solteira, crianças e estudantes, tem em Guimarães uma das suas moradas diletas, onde tem sido celebrado de forma especial por incontáveis gerações ao longo de mais de quatro séculos. E aposto que entre as pessoas que assistem aos milhares, aos mais diferentes números das Festas em seu nome, um ano ou outro ele anda por aí, de mitra e lenço tabaqueiro, disfarçado de jovem estudante, a divertir-se como um louco, a distribuir abraços, a fazer novos Amigos e a reencontrar antigos.

Tem sido um privilégio conviver com este fenómeno. É uma equação insolúvel que todos anos nos soma sentimentos e nos subtrai em Saudade e Tristeza. Que nos une, que nos faz maiores, muito maiores do que nós somos de verdade. E que também nos faz melhores. Melhores para nós, melhores para os outros. É essa a dádiva de Nicolau.

 

Durante cerca de trinta anos pude acompanhar o evoluir das Festas a partir do seu centro de organização. Pertenci a uma Comissão de Festas em 1984 e integrei a Direção da AAELG/Velhos Nicolinos por mais de vinte anos tendo inclusivamente sido Presidente da Direção. Assisti ao aparecimento de outras organizações como a ACFN, a cujo convite escrevo este texto e a quem muito agradeço na pessoa do seu Presidente e meu amigo Rui Gomes. Pude acompanhar e colaborar nos processos que reinstalaram a Irmandade de S. Nicolau que, não estando extinta, estava sem atividade até o ser. Participei diretamente nos trabalhos e nas decisões que levaram à reconstrução da Capela de S. Nicolau e estive envolvido nas primeiras edições que a AAELG levou a efeito sobre as Festas, com colaborações em escrita, fotografia e até, lembro agora, com o desenho da capa da primeira edição do “Guimarães e As Festas Nicolinas” da autoria do Dr. Lino Moreira da Silva. Tudo isto assim elencado pode parecer uma espécie de epitáfio, agora que o escrevo de tão longe. Mas não. Tudo isto é apenas uma carta de Amor mal escrita às Festas e ao seu significado.

Cada um de nós vive e traz as Festas no coração da maneira que julga melhor. Uns pelo gozo, pela adrenalina, pela pertença, pela Amizade, pelo reencontro, por Guimarães, por um ou mais Amores, ou por tudo isso ao mesmo tempo.

 

Eu, egoísta confesso, devo admitir que é por mim. Por tudo que as Festas me deram ao longo de tantos anos. E acreditem, tem sido uma fortuna incalculável, porque nesse cofre estão todos vocês que as partilham comigo.

Nunca é fácil escrever sobre sentimentos fortes sem cair em pieguices. Espero ter conseguido. Vai daqui um enorme e transatlântico abraço deste vosso Amigo e Nicolino de sempre.



Ricardo Gigio (Gonçalves para os Amigos)

Sócio nº 101 da ACFN

17 de Novembro de 2021, Miami, Estados Unidos da América

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