Marcelo: São Mamede foi a origem de uma pátria com “futuro ainda maior”
Algumas dezenas de civis aglomeravam-se em torno da estátua de D. Afonso Henriques e da entrada para o Paço dos Duques de Bragança, quando, de repente, um polícia mandou-as afastarem-se da rua que dá acesso à Colina Sagrada; o Presidente da República chegava. Eram 12h05, quando Marcelo Rebelo de Sousa saiu do veículo presidencial e, lado a lado com Domingos Bragança, se dirigiu à versão do rei fundador esculpida por Soares dos Reis. Aí, Chefe de Estado e autarca de Guimarães se detiveram perante duas coroas de flores: uma com as cores azul e branca, referentes à fundação deste retângulo à beira-mar, e outra com o verde e vermelho da atual bandeira.
Esse momento de contemplação perante os 893 anos da batalha de São Mamede, decisiva para formação de Portugal, não foi, porém, um sinal de que a efeméride deve ser um mero desfile “de saudosismo, de nostalgia e de engrandecimento do passado”; pelo menos é essa a visão do Presidente da República. “Aquilo a que nos apela hoje a celebração da batalha de São Mamede é a capacidade de nos sabermos unir no essencial, de sabermos a riqueza de vivermos numa sociedade aberta. Temos de fazer deste um dia de engrandecimento do futuro”, vincou, na conclusão do discurso proferido na Sessão Solene do 24 de Junho.
Dois anos depois de lhe ter sido atribuída a Medalha de Honra do Município de Guimarães, numa Assembleia Municipal decorrida a 19 de Junho, Marcelo esteve em Guimarães para a receber e salientou que Portugal tem um dos “passados mais longos como pátria independente”, com São Mamede a marcar o “começo desse longo caminho”. Mas o futuro é “ainda maior”, prometeu.
Sem transmitir qualquer posição relativamente à pretensão de Guimarães elevar esta efeméride a feriado nacional, o Chefe de Estado disse ainda que o confronto entre os partidários de Afonso Henriques e os da mãe, Teresa, há quase 900 anos é “passado, presente e futuro”, já que a pátria sobreviveu pela “cultura”, pelo “património” e por toda “uma solidariedade que se constrói e reconstrói ao longo dos séculos”.
A língua foi outro dos pontos fulcrais do discurso do Presidente da República: uma estrutura que acabou por “desabrochar pela pena dos próprios reis”, distinguindo os galaico-portucalenses dos portucalenses, que, além de ocupar os 308 concelhos do território nacional, se espalha por muitos outros concelhos de vários países, com inúmeros cargos de relevo: deu, nessa alusão, o exemplo de António Guterres, Secretário-Geral das Nações Unidas.
Essa “universalidade”, frisou, teve início em Guimarães, apesar das raízes de Portugal estarem já estabelecidas antes de São Mamede, na sua “pré-história”. “Há um momento fundador: é o primeiro de muitos momentos que demonstra que há causas que ultrapassam as relações familiares e de sociabilidade regulares. Isso leva à afirmação das nações. Foi um processo longo que culminou no reconhecimento papal da nossa nação”, vincou, agradecendo o papel da Igreja nesse processo, com a alusão à presença do Arcebispo de Braga, D. Jorge Ortiga.
Descrevendo Guimarães como “alma, raiz, pujança, coesão cultural” e, por consequência, “coesão social e cívica”, São Mamede foi a “primeira de muitas batalhas travadas todos os dias por portuguesas e portugueses ao longo de quase nove séculos de história”, acrescentou.
Já a Secretária de Estado Adjunta e do Património Cultural, Ângela Ferreira, referiu também que o 24 de Junho foi o “início de um processo irreversível” para a formação de Portugal, mesmo com todo o passado romano, visigótico e islâmico que já pintalgava a cultura peninsular, diferenciando-a de outras na Europa.
Essa batalha deu origem a uma “língua feita de tantas musicalidades” e a uma “arte através da qual” se foi dando “matéria aos desejos e aos ensaios”, acrescentou. “893 anos depois, valeu a pena”, acrescentou.
Numa cidade com o “pulsar” da Fundação, o lugar à solidariedade
Entre vários “atos políticos”, “outras batalhas” e o “reconhecimento clerical”, garantido a 23 de maio de 1179, com a bula papal Manifestis Probatum, Portugal nasceu com a batalha de São Mamede, uma “certeza inquestionável na construção coletiva e histórica” que continua a “pulsar” no seio da comunidade vimaranense, reiterou o presidente da Câmara Municipal de Guimarães, Domingos Bragança.
“Em Guimarães, reside um pulsar que não prescinde da certeza de que “Aqui Nasceu Portugal”; aqui se cuida da memória do primeiro rei D. Afonso Henriques, e aqui teve lugar o ato fundador do processo de nacionalidade”, vincou, no início do seu discurso solene.
Essa “forte identidade coletiva” e esse “orgulho fundador da nacionalidade” alimentam a elevação do 24 de Junho a feriado nacional, com os 900 anos da peleja, em 2028, no horizonte, realçou o autarca. Mas também foram catalisadores para a Medalha de Honra do Município de Guimarães atribuída a Marcelo Rebelo de Sousa.
A distinção, realçou Domingos Bragança, premia o “rigor e a exigência” que a figura máxima do país “coloca no exercício das suas funções”, mas também a atenção com “o sofrimento e a injustiça”, a forma como “dirige os seus afetos” à população - com uma “palavra de conforto”, por exemplo – e a propensão para “encontrar pontes onde muitos veem apenas rios de diferença”, promovendo o “humanismo” e a “tolerância” sobre a “indiferença ou, até pior, o ódio”.
“Numa sociedade em que o egoísmo e a indiferença imperam, ter como premissa fundamental o respeito pela dignidade da pessoa humana, pela decência e respeito do nosso quotidiano social, não pode deixar de merecer a nossa profunda admiração”, proferiu.
Com referências ao historiador José Mattoso – o autor da expressão “a primeira tarde portuguesa” -, e ao pintor Acácio Lino – representou em tela a batalha de São Mamede -, Domingos Bragança invocou o poema “D. Afonso Henriques”, inscrito na Mensagem, de Fernando Pessoa, para que o “exemplo do rei fundador” se “estenda com toda a força” sobre o Presidente da República e o faça manter uma postura de “tolerância, humanismo e diversidade”, dignas de uma “sociedade contemporânea culturalmente consciente”.
Além das referências à batalha de São Mamede, o presidente da Câmara Municipal relembrou a elevação do centro histórico vimaranense a Património Cultural da Humanidade, em 2001, a realização da Capital Europeia da Cultura, em 2012, e alguns dos desígnios para o futuro, alicerçados no “património, na cultura e na sustentabilidade”: o alargamento da classificação da UNESCO à Zona de Couros, a inauguração da requalificação do Teatro Jordão, com as novas valências culturais – Escola de Artes Visuais, Escola de Artes Performativas e Escola de Música de Guimarães –, o acesso do município à alta velocidade e a transformação de cada vimaranense num “ecocidadão”.