Livro a livro, Hannah aprende, fortalece-se e reinventa a “ideia de casa”
Foi mesmo ali, na Plataforma das Artes, onde Hannah Bastos está numa tarde de janeiro soalheira, que aconteceu o Minha Poetry Slam, o primeiro campeonato de poesia falada realizado em solo vimaranense. O 27 de agosto de 2022 pontuou um “ano extraordinário” para a nordestina, que organizou o festival com a escritora Manuela Bezerra de Melo e a produtora cultural Carol Bampa.“Foi o primeiro evento do género [em Guimarães] e ressoou. No dia foi uma energia incrível, mas perceber que, após seis meses, ainda ficou é incrível."
"A adesão foi fruto da semente plantada" que ainda tem muito potencial para espremer. O caminho para Hannah conseguir plantar essa “semente” começou há oito anos. E Guimarães nem sequer estava no radar antes de vir para terras lusas. É quando conhece o realizador Pedro Bastos que a cidade aparece no mapa. “Quando morei em Dublin quase três anos, viajei para outros lugares e não vim a Portugal. Talvez na altura, estamos a falar há mais de dez anos, estivesse a procurar algo mais extremo, contrário. Podia ser demasiado familiar. Achava eu, mas se tivesse vindo ia perceber que não, ia ter várias surpresas. Estaria enganada”, repara.
Agora, Guimarães também é em “casa”. Conceito traiçoeiro para um “corpo imigrante”, que está “numa terceira zona", que não é Brasil, nem Portugal – uma espécie de “nem lá, nem cá”. “Demorei muito a conquistar essa ideia de casa aqui também, mas penso sempre em fazer pontes com o Brasil e trabalhar com o Brasil”, refere.
Guimarães, cidade para "fazer coisas"
A natural de João Pessoa, capital do estado de Paraíba, chegou à cidade quando a maré de Guimarães Capital Europeia da Cultura estava a esmorecer. Vê, de há quatro anos para cá, “um boom” de chegadas como não viu na primeira metade do percurso na cidade. E “muitas influências” ajudam a explicar isso.
“Há influências políticas, externas a Portugal, e ainda uma influência interna portuguesa. As grandes cidades começaram a ficar ‘sufocadas’ – não só de brasileiros, mas por uma grande camada de pessoas. Lisboa, Porto e Braga começaram a ficar saturadas. Incluo Braga porque é grande, mas não é imensa”, argumenta. E Guimarães parece aparecer como uma possibilidade “para fazer coisas.”
Hannah, que está a terminar a licenciatura em Estudos Portugueses na Universidade do Minho, conheceu quem optasse por regressar porque não conseguia “fazer a vida andar”. “Que ande não só em termos de ter trabalho, mas que valide a capacidade intelectual da pessoa”, continua. E depois há a batalha diária de “tentar quebrar barreiras e preconceitos” – e “isso cansa muito”. “Vi pessoas saírem porque também estavam cá sozinhas, podem ter um familiar ou outro. Se tivesse nessa situação também teria ido embora. Quando cheguei foi esse percurso de restauração, cafés, loja em shopping. Entretanto, entrei aqui na Universidade do Minho, as coisas foram mudando, comecei a fazer coisas, fui-me fortalecendo de outras maneiras, aprendendo, a comunidade que construí ajudou muito.”
Um clube para “todo o mundo”
À volta de uma mesa, com um livro à frente, pode criar-se um espaço comunitário. Porque“fazia falta” um espaço “lúdico, mas crítico, de conversa, que mostrasse visões do mundo e perspetivas diferentes”, criou o Clube Mulheres do Atlântico. O clube de leitura é fruto de uma ideia de “inquietação” e de questionamento: “Porque é que não estudamos outras literaturas”, as de vozes que vão para além do “cânone branco europeu?”
O clube é uma forma de “conseguir fazer ligações” ao Brasil. “As minhas raízes intelectuais estão lá, tudo o que trago vou beber nas correntes literárias brasileiras, muitos dos livros são só traduzidos no Brasil. Eu falo muito de ver e aprender preservativas decoloniais e vou beber isso ao Brasil”, explica.
Este trabalho integra a série "Guimarães, cidade bacana". O trabalho completo pode ser lido no jornal em papel de janeiro e os depoimentos estão nesta ligação.