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José Bastos: “Guimarães pós-CEC 2012 não é a mesma. É uma cidade expandida”

Redação
Sociedade \ segunda-feira, dezembro 25, 2023
© Direitos reservados
Pouco mais de dez anos depois da Capital Europeia da Cultura (Guimarães 2012), José Bastos faz o balanço daqueles dias frenéticos e festivos, permanentemente vestidos de criatividade.

O vereador da Cultura entre 2013 e 2017 identifica aí o ponto de partida para “uma cidade expandida económica, física, simbólica e convivialmente”. Mas não se fixa no passado. Em entrevista a O Conquistador, José Bastos, 57 anos, defende que Guimarães não perdeu “dinâmica” destacando-se “nas várias áreas da cultura e das artes”. Nega ser responsável pela municipalização da cultura e sobre a recente polémica levantada por Sofia Escobar e a presença de artistas no Centro Cultural Vila Flor reforça que a “programação não é feita para os artistas”. Dos socialistas para os próximos 20 anos não tem dúvidas: primeiro será Ricardo Costa e depois virá Paulo Lopes Silva.

 

ENTREVISTA E FOTOS: José Luís Ribeiro e Esser Jorge Silva

Esteve na génese e foi programador de “Guimarães 2012, Capital Europeia da Cultura” (CEC 2012). Que memórias lhe ficaram desse tempo?

As melhores. Ter a oportunidade e o privilégio de participar num momento de tal relevância na minha cidade é algo que jamais se esquece. Participar de forma ativa enquanto programador da área “Espaço Público” foi desafiante e exigente, mas tremendamente gratificante. Ter a oportunidade de viver por dentro uma Capital Europeia da Cultura é algo que muito poucos têm e é algo irrepetível. É algo inesquecível.

 

Mas difícil, arrojado …

Para quem sempre gostou de “fazer acontecer”, a circunstância de ser na altura Diretor Executivo da Oficina e desta ter assumido a produção de parte muito significativa dos projetos de programação da CEC 2012 (Comunidade, Música, Artes Performativas, Espaço Público, Cidade, Arte e Arquitetura, Cinema), fez com que todos na Oficina tivéssemos “mergulhado de cabeça” na louca aventura de colocar a máquina em movimento e de a manter, de forma ininterrupta, durante mais de 18 meses de atividade intensa.

 

Foi uma missão cansativa …

O trabalho provocava cansaço, mas este era relegado para segundo plano pela adrenalina. Os problemas quase nunca tinham sequer tempo para o serem. Porque não podiam sê-lo. Porque a ampulheta não parava e tudo tinha de acontecer “naquele dia” e “naquela hora”.

 

Ficaram, portanto, memórias positivas ?

Ficam-me as memórias de uma satisfação e realização plenas, apesar dos “mas”. Ficam-me as memórias de uma equipa de extraordinária qualidade e dedicação que prescindiu de existir para que pudesse existir uma Capital da Cultura. Todos os elementos da equipa da Oficina foram extraordinários, combativos, resilientes e muitas vezes sobreviventes. Na equipa da Fundação Cidade de Guimarães também havia alguns destes, é verdade. Alguns.

 

E más memórias ?

Também existem mas essas ficam guardadas em algumas pastas de e-mail com nomes sugestivos como “spicy”, “para memória futura”, “diz-se” ou “tesourinhos”. Importa lembrar as boas memórias e manter arquivadas as más.

 

Quem chegasse agora a Guimarães como conseguiria identificar que, onze anos depois, se celebrou aqui a Capital Europeia da Cultura?

As marcas de uma Capital Europeia da Cultura não são identificáveis para quem chega a uma qualquer cidade que o tenha sido há 5, 10 ou 15 anos. As marcas não são necessariamente tangíveis em abstrato. O lastro de uma Capital Europeia da Cultura e a contaminação dos seus efeitos não se agarram, não se sentem, não se cheiram. Vivem-se e usufruem-se.

 

Mas …

Estão em voga muitas narrativas de permanente questionamento sobre Guimarães, sobre o que era, o que é e o que se deseja que seja. Para mim, Guimarães é hoje uma cidade expandida. Expandida económica, física, simbólica e convivialmente.

 

Traduzida em quê ?

Numa expansão económica assente na indústria local, materializada em vários projetos e práticas: Instituto de Design e Contextile como exemplos. Numa expansão física assente na nova rede cultural, científica e educativa: novos equipamentos culturais (Plataforma das Artes e da Criatividade, Centro para os Assuntos de Arte e Arquitetura, Casa da Memória), o Laboratório da Paisagem, o Centro de Ciência Viva, o Campus Universitário de Couros. Numa expansão física assente no novo uso de espaços existentes: o Bairro de Couros, o Teatro Jordão e Garagem Avenida para Escola de Música, Artes Performativas e Artes Visuais, o Centro de Criação de Candoso, as Salas de Ensaio do Teatro Jordão. Ainda numa expansão física assente na renovação do espaço público: a requalificação de Couros, do Largo do Toural, da Alameda de São Dâmaso, do Monte Latito.

E a expansão simbólica ?

Assenta na visibilidade internacional: Guimarães foi e continua a ser objeto de atenção por parte de várias publicações internacionais. Uma expansão simbólica assente também na auto-estima: o slogan “Tu Fazes Parte!” contribuiu para o envolvimento da população e para a exultação da identidade vimaranense.

 

E a convivial ?

Assenta na utilização das praças e jardins como lugares de celebração.

 

Guimarães evoluiu, cresceu …

Atentem que, por tudo isto, e pelo que daqui se poderá e deverá alavancar, Guimarães pós-CEC2012 já não é a mesma. É uma cidade expandida. É uma cidade que soube acrescentar novas camadas de significado, mantendo o essencial da sua identidade histórica. É neste cruzamento entre história e contemporaneidade que Guimarães tece a sua malha sociocultural e económica. É também nesta lógica de camadas que se constrói o edificado cultural do cidadão. Oferecendo-lhe o novo, o inusitado, o desafiador. Só poderemos enriquecer como pessoas se tivermos em mente esta procura incessante do que nos questiona.

 

Enquanto vereador (2013-2017) defendeu uma política assente nas “indústrias culturais” e nas “indústrias criativas”. Aliás, para muitos seria esse o desígnio natural pós-CEC2012. Que balanço faz dessa pretensão?

Não defendi uma política assente nas indústrias criativas. Defendi o que estava plasmado no programa eleitoral da candidatura que integrei e que explicitava 25 compromissos. Um deles era o desenvolvimento de Laboratórios Criativos, que estimulassem a criação de empresas e atraíssem projetos inovadores que necessitassem de apoio para incubação. Para além desse existiam mais 24 compromissos ... Hoje, 10 anos depois, não mudaria muito os compromissos, e não mudaria esse. Não posso fazer outro balanço que não seja aquele que resulte da avaliação da visão plasmada no programa eleitoral e nos compromissos aí assumidos. Não faço um balanço negativo do trabalho desenvolvido. Muito pelo contrário.

 

Após a sua saída da vereação, em 2017, foi anunciado o “ano zero” da Cultura. Os princípios de “apagamento” parecem nortear qualquer política de Cultura?

Em finais de 2018 foi apresentado ao público o slogan “O ANO ZERO DA OFICINA”. Curiosamente no ano em que a A Oficina comemorava 30 anos de atividade ... Albert Camus dizia que “Um homem sem memória é um homem sem passado. Mas um homem que não sabe fantasiar é um homem sem futuro”. Quem fantasiou não soube fantasiar. Atrevo-me a adaptar o pensamento de Camus e dizer que um homem sem memória foi um homem sem futuro na memória de Guimarães.

 

Fala-se na perda de dinâmica vimaranense em várias vertentes. A presença de Guimarães nos círculos de decisão e expressão cultural melhorou ou piorou nos últimos anos?

Não acho que exista perda de dinâmica vimaranense. Os vimaranenses continuam dinâmicos, vibrantes e exigentes consigo próprios. Tenho alguma dificuldade em avaliar “a coisa” na perspetiva de melhorar ou piorar. Certamente melhorou nuns e piorou noutros. O contrário é que me causaria estranheza. Os processos são dinâmicos por natureza. O que importa é perceber se globalmente a decisão e expressão cultural vimaranense se destaca e afirma no panorama local, regional, nacional e internacional. E sim, destaca-se nas várias áreas da cultura e das artes. Temos hoje uma produção cultural mais consistente, mais organizada e mais apoiada. Temos hoje uma dimensão económica mais forte no setor cultural em Guimarães. Temos hoje uma consciência mais robusta da importância da cultura.

 

Há quem veja em si a pessoa que iniciou um processo de municipalização da produção associativa cultural. As associações estavam a mais?

Não sei se há quem veja isso e, se houver, não passa de um equívoco. As associações nunca estão a mais quando têm dinâmica e perseguem o cumprimento da sua missão. Guimarães tem um forte e dinâmico movimento associativo e isso é absolutamente inequívoco. Mas também é necessário dizer que a palavra “associação” não chega para qualificar a pertinência e valorar a sua existência.

O movimento associativo não está menos “produtivo” ?

Exerci funções no executivo municipal de 2013 a 2017 e, entre outras, foram-me cometidas competências na área da cultura. O associativismo teve nesse período um forte impulso para a produção cultural. Claro que ser eu a dizer isto pode parecer autoelogio, mas a falsa modéstia é vaidade. Arrisco-o, mesmo assim, suportando-me em factos: em 2010 o Município de Guimarães aprovou o Registo Municipal de Entidades Culturais, Artísticas, Recreativas e Humanitárias (RMECARH). Foi a partir do início de 2014 que o apoio às entidades culturais, artísticas, recreativas e humanitárias passou a ser uma prática continuada pelo Município de Guimarães. Semestralmente, inúmeras associações foram sendo apoiadas e incentivadas a apresentarem candidaturas para projetos.

 

E resultou ?

Foi nesse período que muitos novos projetos surgiram e, quase todos, em estreita relação e articulação com o movimento associativo: Festival de Música Religiosa de Guimarães, Excentricidade, Guimarães Allegro, Orquestra de Guimarães, Quarteto de Cordas de Guimarães, Vaudeville Rendez-Vous são alguns desses projetos. Felizmente hoje continuam esses apoios e foram mesmo reforçados, através do Impacta, regulamento que sucedeu ao RMECARH.

 

Sofia Escobar, João Baião e, ao que consta, outros artistas, queixam-se de serem preteridos e de não conseguirem agendar espetáculos no Centro Cultural Vila Flor (CCVF). Defende também uma “cultura de gosto e censura” como lhe chamou Vânia Dias da Silva?

Falar-se na “cultura de gosto e censura” quando se fala no projeto artístico do CCVF apenas demonstra desconhecimento e superficialidade. Pode acrescentar-se alguma tendência para “navegar na espuma dos dias” mas, se se ultrapassar isso, podemos dizer que a programação, cultural e artística, de um espaço como o CCVF é uma ferramenta para a prossecução de um objetivo. A programação não é um bem em si, persegue um fim e está ao serviço dele. A programação não é feita para os artistas. A programação é feita para os públicos a que se destinam. Programar não é escolher, programar é excluir. Será fácil entender que para qualquer programador a dificuldade é gerir a tensão permanente entre os recursos disponíveis e o que é possível programar, em coerência com o projeto. Consequentemente, excluir, ou não incluir, é sempre uma necessidade e não uma opção. Utilizando os dois exemplos: Sofia Escobar cabe na programação do CCVF e já lá atuou. João Baião não cabe na programação do CCVF. Reunir os critérios para integrar a programação do CCVF é uma condição necessária para a poder vir a integrar, mas não é condição suficiente.

 

Situação diversa é, como se queixam, a Oficina não responder ou negar aos artistas e produtores a possibilidade de estes alugarem, por sua conta e risco, o CCVF!

Eu não sei se a Oficina responde ou não responde. Não sei se nega ou não nega a possibilidade de estes alugarem, por sua conta e risco, o CCVF. Se não responde, tem a obrigação de responder. Se não fosse por mais nenhuma razão, e é, bastaria ser por delicadeza, para ser delicado. Quanto ao não alugar, se não aluga, vejo duas razões para que isso não seja possível. A primeira prende-se com o estabelecido na Tabela de Taxas e Outras Receitas Municipais. Aí definem-se as taxas a aplicar pela utilização do CCVF. Claro que pode não ser possível por indisponibilidade de data, mas nunca por opção programática. Isso sim, seria recusa por uma questão de gosto. Há o projeto artístico do CCVF (obedece a critérios de escolha) e há o CCVF espaço físico (obedece ao estabelecido no contrato programa com a Oficina). A segunda razão é gestionária. Os valores que resultem do aluguer dos espaços reforçam a capacidade de investimento no projeto artístico.  Não creio que aconteça a negação de utilização por critérios estéticos.

 

Quem gostaria de ver a ocupar a presidência da autarquia vimaranense?

Alguém com visão ampla, apurada sensibilidade, esclarecida mundividência, evidente sentido de missão e possuidor de valores sólidos de liberdade, igualdade e solidariedade. Com as evidências por mim conhecidas à data, para os próximos 20 anos, o Ricardo Costa e o Paulo Lopes Silva, por esta ordem cronológica.

 

É uma pessoa de fé ?

Dizem-me, e eu concordo, que sou de fortes convicções.

 

Existe alguma figura da Igreja Católica que mais o tenha marcado e tenha influenciado o seu quotidiano ?

Não podendo dizer que tenha influenciado o meu quotidiano mas o pensamento e a ação do Papa Francisco não me são indiferentes, antes pelo contrário, suscitam-me uma forte identificação e adesão.

"5 respostas rápidas"

Sugestão gastronómica?

Rodízio Nobre (no Migas)

 

Que livro está a ler?

Páginas Minhotas de Alfredo Pimenta

 

A música que não lhe sai da cabeça?

Hoje, o Bolero de Ravel. Mas muda muito.

 

Um filme de referência?

“Cidade de Deus” de Fernando Meireles e “A Lista de Schindler” de Steven Spielberg

 

Passatempo preferido?

Estar com os amigos (aqueles amigos, mesmo).

[Conteúdo produzido pelo Jornal O Conquistador, publicado em parceria com o Jornal de Guimarães. Entrevista da edição de dezembro de 2023 do Jornal O Conquistador.]

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