Harmonia no diverso: assim se evocou a “visão arrojada” de Francisca Abreu
Os espetáculos que já se apresentaram no palco do maior auditório do Centro Cultural Vila Flor (CCVF) são hoje incontáveis. Mas o da noite de 21 de janeiro de 2022 fica cravado no tempo como o primeiro em que o espaço se dá a conhecer ao mundo como Grande Auditório Francisca Abreu. Com este passo, assinalado com o descerrar de uma mensagem comemorativa no hall de entrada, o CCVF imita a abertura de Guimarães ao outro e ao diverso, impulsionada pela vereadora municipal da Cultura antes e durante a Capital Europeia da Cultura de 2012.
“Está indelevelmente associada à história de Guimarães”, proferiu Domingos Bragança, no discurso que antecedeu o espetáculo de batismo da nova designação do auditório. “A vereadora da cultura trabalhou para que a CEC viesse a ser uma realidade. A sua visão arrojada e cosmopolita promoveu Guimarães como cidade de cultura. Ela fomentou a abertura da cidade ao diverso”, acrescentou o presidente da Câmara Municipal a propósito de uma mulher que deixou a vida terrena a 27 de agosto de 2020.
E esse espetáculo começou com uma viagem repentina da máquina do tempo até 2012, para se ouvir a voz do pivô Carlos Daniel, no Jornal da Tarde da RTP1, a dar conta do arranque da CEC. As múltiplas imagens alusivas a 2012 deram lugar a um registo um tanto experimental da Orquestra de Guimarães. Ouviam-se os primeiros sons da composição de Pedro Lima para o concerto dos 10 anos da CEC, a narrativa base do desfile que estava por vir.
Aqueles primeiros sons ásperos antecederam a entrada dos Velhos Nicolinos, suavizando-se depois para a voz e para a eletrónica de Lince. A orquestra de Vítor Matos aventurou-se depois por um lado mais melodioso, a par dos Jovens Cantores de Guimarães, para evocar o conhecido sorriso de Francisca Abreu, antes de dar palco às evocações da cultura agrícola minhota, com Dada Garbeck e com o Grupo Folclórico da Corredoura. A reta final teve o virtuosismo do guitarrista Manuel de Oliveira e do pianista Pedro Emanuel Pereira, a interpretar o hino de Guimarães.
A cerimónia de sexta-feira, disse antes Domingos Bragança, enquadra-se no combate ao “esquecimento” que por vezes se abate sobre a “memória coletiva”. E, passados 10 anos, o presidente da Câmara frisa que o “desenvolvimento da cultura em Guimarães é irreversível”.
Na primeira declaração da noite, o presidente da Assembleia Municipal vincou a ideia de celebração: não de celebração “saudosista”, com “uma lágrima no canto do olho”, mas uma “repleta de alegria”, como espelho do modo de estar de Francisca Abreu.
“Celebrámos a vida de quem ser recusou a passar por aqui de forma passiva e a ser mera figurante. Celebrámos quem sonhou, quem arregaçou as mangas e quem transformou, com uma energia contagiante e frontalidade”, vincou José João Torrinha.
Para o dirigente, a mulher que primeiro conheceu como a “Xica do Conselho Diretivo”, ainda no tempo de aluno da Escola Secundária Martins Sarmento, foi “peça-chave” para a atribuição do título de CEC a Guimarães – “foi escolhida não por mero capricho, mas porque tinha de ser”. A atribuição do seu nome ao Grande Auditório do CCVF é, a seu ver, a continuidade de “um legado que continua vivo”. “Quando se alia visão política, a defesa do que acreditamos e a vontade de uma comunidade, as coisas aparecem. A sua memória continua viva em todos nós. E assim é porque ela nunca nos deixou”.