Há 30 anos em “reinvenção permanente”, o Guimarães Jazz volta em pleno
“É outra loucura, mas a gente precisa de ser assim”. Ivo Martins, diretor-artístico do Guimarães Jazz, abordava a performance de Niels Klein trio com a Orquestra de Guimarães no 30.º Guimarães Jazz. Mas as palavras também se podiam aplicar (no melhor sentido) a uma viagem com três décadas que fizeram do evento “uma referência não só em Portugal, mas em todo o lado”, salientou César Machado, presidente da direção do Convívio, que faz a “festa em casa”.
Foi precisamente na sede da associação que A Oficina apresentou as linhas mestras de um festival que “presta o maior serviço público à causa do jazz em Portugal”. Como é hábito, “um programa equilibrado, embora heterogéneo”, disse Ivo Martins, vai trazer os arrulhos de pianos, a bateria, contrabaixos e trompetes ao Centro Cultural Vila Flor e ao CIAJG - Centro Internacional das Artes José de Guimarães entre 11 e 20 de novembro.
Este ano, junta-se a satisfação de ver o festival fluir normalmente – as tradicionais jam sessions, divididas entre a sede da associação Convívio e o Café Concerto do CCVF, interrompidas no ano passado, estão de regresso – e a celebração de uma data redonda. “Ao falar dos 30 anos, temos de pensar o quão importante foi não desistirmos e, em 2020, termos realizado a 29.ª edição. Para nós, é um privilégio fazer esta conferência de imprensa na sede do Convívio”, vincou Ricardo Freitas. O diretor-executivo d’A Oficina lembrou ainda que são 30 anos “a tentar, a acertar, a falhar” -- e este processo de tentativa e erro também ajudou a fazer do Guimarães Jazz “um festival tão icónico”.
Ao celebrar “uma data histórica”, depois de um “ano e meio difícil”, Ivo Martins ressalvou “o grande amor à música e ao jazz” dos muitos que trabalharam “para que isto acontecesse”. E o que vai acontecer em Guimarães é “um festival transcontinental que abarca muita coisa”. “Queremos pôr em confronto alguns territórios, alguns pontos-limite, perto daquela zona que as pessoas consideram jazz e não jazz. Queremos confrontar maneiras de ver as coisas”, enquadrou o diretor-artístico.
Vijay Iyer Trio abrem as portas e deixam-na escancarada para a torrente de música que advém. Samuel Blaeser & Marc Ducret, Miguel Zénon e o seu quarteto – que vão transpor o mundo musical de Duke Ellington -, Chris Ligthcap’s Superbigmouth – uma big band de oito músicos –, Ryan Cohen a dirigir a banda do ESMAE são algumas das performances que vão mostrar “o mapa global que se chama jazz”. Nesta cartografia não fica de fora a política. O concerto de Black Art Jazz Collective é uma forma de “afirmar a importância de termos alguém que forneça uma perspetiva política na abordagem ao jazz. “Damos aqui voz ao importante contributo dos afro-americanos para o jazz”, disse Ivo Martins.
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A articulação entre uma organização feita “de gente da casa” contribuiu para que as dentaduras desta engrenagem não “encalhem”. Ricardo Freitas explica: “Sempre que contactamos algum músico em que o Ivo Martins procura, é mais fácil esse acesso. O Guimarães Jazz tem um historial. Isto tem a ver com os primórdios. Não é só ter um artista em cima do palco. É a forma como os recebemos e como os vamos buscar ao aeroporto”. “O desafio em cada edição é “reinventar permanentemente. Queremos introduzir o risco de fracassar. Só existe êxito se tivermos a noção real de fracasso. Sem essa noção, tudo é êxito”, salientou Ivo Martins.
Esta atitude de desassossego constante foi destacada pelo vereador da cultura da Câmara Municipal de Guimarães. Paulo Lopes Silva frisou a “programação inatacável” de Ivo Martins, que não se traduz num “conjunto de espetáculos”, mas sim em sinergias e relações.
“[O Guimarães Jazz] incorpora uma programação contemporânea de grande qualidade. Isso é da maior importância para a nossa estratégia. Depois, há a ligação com os agentes locais, em especial com a Orquestra de Guimarães”, indicou o vereador.
Momentos antes, César Machado, do Convívio tinha lembrado para o “cruzamento de várias datas redondas”: “A associação Convívio celebra 60 anos, o Guimarães Jazz 30 anos e a escola de jazz faz dez anos neste ano. É bom recordar que temos uma série de marcas em Guimarães na área do jazz que são filhos do Guimarães Jaz". César Machado considera mesmo que “este é o evento-âncora que mais abre” Guimarães a outras latitudes. Isso porque “é a mais bem sucedida das parcerias que têm sido tentadas entre a Câmara Municipal de Guimarães e uma associação”, apontou.
Na ótica de Paulo Lopes Silva, para além de o festival permitir que “vertam” para a comunidade artística local oportunidades de capacitação para jovens músicos, o Guimarães Jazz é “também um momento importante do ponto de vista turístico”. "Os hotéis estão mais cheios. Traz uma outra vida que a cidade precisa, do ponto de vista social e do ponto de vista económico”, exemplificou.
Todo o programa e outras informações podem ser encontradas aqui.
Com Tiago Mendes Dias