"Guimarães não tem conseguido ser um município atrativo para os jovens"
Não pertence a nenhum partido e, garante, isso nunca o impediu de aceder às oportunidades. Com apenas 28 anos, o vimaranense Rui Oliveira tem um percurso assinalável. Antes de representar os jovens na ONU e de ser nomeado Adjunto da Secretária de Estado Adjunta, o engenheiro mecânico de formação começou nos escuteiros de Vermil e foi presidente do Conselho Nacional de Juventude e da Associação Académica da Universidade do Minho, Secretário-Geral do Fórum da Juventude da CPLP e Delegado no Fórum Mundial de Jovens e Conferência Mundial. Em entrevista exclusiva a O Conquistador, Rui Oliveira defende uma gestão mais próxima e adaptada às especificidades regionais e diz que Guimarães não tem sido capaz de oferecer condições aos jovens.
ENTREVISTA: José Luís Ribeiro e Esser Jorge Silva
FOTOS: Pedro Borges / Nuno Gonçalves
O teu ponto de partida é pelo lado da igreja, através do escutismo. O teu ponto intermédio é o associativismo universitário. És um conservador? Como te definirias ideologicamente?
Além do associativismo universitário, destaco também o associativismo juvenil. Não considero que a ligação à igreja ou o envolvimento no contexto universitário sejam, necessariamente, sinónimos de conservadorismo. Tenho alguma dificuldade em definir-me como conservador ou progressista. Acredito que precisamos de menos rótulos, que acabam por nos limitar e prender a posições fixas. Acredito que precisamos de mais posições de diálogo, de empatia e sensatez. Um diálogo que seja capaz de gerar compromissos e avanços consistentes, especialmente em questões que, muitas vezes, são apenas direitos humanos.
O teu percurso contraria a perspetiva atual dos jovens que dizem nada querer com a política. O que te move? O que queres futuramente?
Sempre participei e contribuí da melhor forma que acreditava ser possível. Nunca estive num lugar a pensar no que viria a seguir, o meu foco sempre foi desempenhar da melhor forma que sabia o papel (e responsabilidade) que me era confiado. Mesmo tendo transitado entre funções, estou disponível para cooperar, seja numa organização, na cidade, no País – onde sentir que posso ser útil e necessário – quando se trate de projetos cujo propósito faça sentido para mim. Contudo, a minha área de formação é a Engenharia Mecânica e gostava muito de ter uma experiência mais próxima a esse contexto.
Como foi a experiência de seres Delegado Jovem da ONU?
Tive a oportunidade de representar o meu País junto das Nações Unidas por sete vezes, uma delas integrado na delegação do Presidente da República e outra na do Primeiro-Ministro de Portugal. São experiências que ficam para a vida. Entrar na sala da Assembleia Geral, ver as diversas delegações reunidas, e por duas vezes ter a oportunidade de ver Presidentes de grandes países como os USA, Turquia, Ucrânia... sinto que me foi dada uma experiência inesquecível. Além disso, a oportunidade de trabalhar em conjunto com outros delegados jovens na construção de recomendações e na reflexão do futuro do planeta foi desafiante. Em particular, o envolvimento indireto na criação do Pacto para o Futuro, aprovado em setembro, e no Relatório dos ODS de Portugal de 2023.
Vários estudos mostram que aos 18 anos, os jovens portugueses, em geral, pouco ou nada sabem sobre instituições políticas. A ignorância jovem interessa a quem e porquê?
Ao longo dos anos, muitas pessoas, com ou sem responsabilidades políticas, foram desvirtuando o papel de quem desempenha funções públicas. Não falo apenas dos ‘políticos’, porque, na verdade, todos participamos na política de alguma forma. Refiro-me a um processo em que, por um lado, houve quem tenha feito má gestão — algo que não é exclusivo da esfera pública, mas que ganha outra dimensão — e, por outro, quem cedeu à crítica fácil e pouco fundamentada, que apenas contribuiu para denegrir a imagem de quem presta serviço à comunidade e do que significa servir em funções públicas.
E isso afasta os jovens …
Naturalmente. Ouvir em casa ou na escola que a política “não interessa” ou que “é sempre para os mesmos” afasta muitos jovens. Mas a verdade é que, quanto mais nos alhearmos da vida pública, menos qualidade ela terá. Este é um compromisso que todos devemos de assumir. Ainda assim, há sinais de mudança. Nas últimas eleições, a participação dos jovens aumentou, muito graças a campanhas de sensibilização e informação promovidas por várias organizações. Espero que esse caminho continue.
Parece haver uma noção utilitária da política: dá empregos, alimenta interesses e estrutura-se na relação do tipo “patrões” e “clientes”. Como se pode acabar com esta “lei de pedra”?
Acredito que a resposta passa por aproximar as pessoas das funções públicas e das instituições. Como já referi, quanto mais nos afastamos, mais espaço deixamos para que a política tenha menos qualidade. Não faço parte de nenhum partido, e isso nunca me impediu de ter oportunidades para contribuir e ajudar a melhorar o nosso País. Não quero com isto dizer que os partidos não são importantes, pessoas que assim o entendam devem fazê-lo, quero reforçar é que dentro ou fora dos partidos, o importante é trabalhar com sentido de compromisso seja em que organização for, e fazer o que for melhor para o País, independentemente das estruturas ou interesses.
O que pensas sobre a anunciada proibição do Ministro da Educação aos smartphones nas escolas? A tecnologia passou de amiga a inimiga das sociedades?
Este é um tema que tem gerado debate em toda a Europa. Acredito que a equipa do Ministério da Educação, pela competência que lhe reconheço, está a analisar dados e experiências concretas antes de tomar uma decisão. Não tenho dúvidas de as competências digitais são essenciais para o futuro dos jovens, e de que o Ministério o reconhece, pelo que, com certeza, nenhuma medida será tomada com o objetivo de preparar menos os alunos para os desafios digitais que os esperam.
Quais são as tuas principais responsabilidades enquanto adjunto da Secretária de Estado Adjunta e da Igualdade?
A Secretária de Estado Adjunta e da Igualdade trabalha em articulação com a Ministra da Juventude e Modernização, acompanhando, por isso, temas ligados à Juventude e à Igualdade. Naturalmente que pela minha experiência na área da Juventude, tenho uma maior proximidade a este setor e, no dia-a-dia, as minhas funções variam entre ajudar a preparar documentos com propostas, apoiar intervenções, organizar reuniões ou contribuir para a preparação de participações internacionais. É uma realidade dinâmica e os dias nunca são iguais. Muitas vezes fazemos o que é preciso resolver no momento, enquanto, em simultâneo, procuramos projetar o futuro.
Como por exemplo?
Exemplo desse exercício estratégico, que se realiza nos gabinetes, é a Nova Agenda Nacional para a Juventude, anunciada pela Senhora Ministra, que tem como objetivo ajudar a mobilizar municípios, associações e grupos de jovens — formais ou informais — para trabalhar em sinergias no sentido de melhorar a vida dos jovens em Portugal.
Como se explica que haja, em Portugal, um claro e evidente maior sucesso estudantil de mulheres e, contraditoriamente, os lugares de comando, sejam ocupados por homens?
Esse é um fenómeno já bastante estudado. No contexto académico, até à fase da maternidade, há mais mulheres em posições de destaque, mas depois a situação inverte-se. Infelizmente, a maternidade e as tarefas domésticas continuam, ainda hoje, a representar um aumento significativo de responsabilidades para as mulheres. Muitas vezes, depois de um dia de trabalho, enfrentam uma ‘segunda jornada’ (e não remunerada), o que leva muitas mulheres a abdicar do progresso na carreira em prol da família. Por outro lado, no contexto do associativismo estudantil, nota-se que ainda há comportamentos e mentalidades que precisam de mudar. É fundamental promover essas mudanças para que mais mulheres possam chegar a lugares de liderança.
Ensino, justiça, saúde são áreas com predomínio de mulheres. Corre-se o risco de, no futuro, haver uma feminização do poder em Portugal? Que consequências advirão?
Acredito que os equilíbrios são sempre favoráveis, mas, infelizmente, as mulheres ainda estão longe de alcançar uma situação de equilíbrio ou igualdade em várias áreas, em alguns casos até observamos retrocessos.
Retrocessos?
Deixo alguns dados que penso serem ilustrativos. Na eleição deste ano para a Assembleia da República, apenas 76 deputados eleitos são mulheres, representando 33,6% do Parlamento, um número inferior ao das eleições de 2019 e 2022. A desigualdade salarial também aumentou este ano. A diferença é tão significativa que, comparando o salário anual entre homens e mulheres que desempenham exatamente o mesmo trabalho, é como se, desde o dia 14 ou 15 de novembro até ao final do ano, as mulheres deixavam de receber o salário e o homem continuava. Além disso, apenas 30% dos lugares de liderança são ocupados por mulheres, mesmo sendo elas a possuir, em média, um nível de escolaridade mais elevado que o dos homens.
Daí que ..
O risco de uma ‘feminização do poder’ não é, de todo, uma preocupação neste momento. Pelo contrário, é necessário continuar a acelerar a mudança para que a igualdade seja uma realidade. Ainda assim, há sinais positivos. O atual Governo é o mais paritário desde o 25 de Abril, o que demonstra que estamos no caminho certo, embora haja ainda muito trabalho a fazer nesta matéria.
Foste membro dos Comités de Acompanhamento do “Compete 2030” e “Sustentável 2030”. Que prioridades para o desenvolvimento sustentável em Portugal?
Diria que é fácil identificar duas grandes transições que estão alinhadas com as políticas europeias: a aposta em fontes de energia sustentáveis e a mobilidade sustentável. No primeiro caso, vemos cada vez mais casas e empresas a instalar painéis fotovoltaicos para captação de energia solar, o que mostra uma mudança positiva. No campo da mobilidade, há medidas que merecem destaque, como o passe gratuito para todos os jovens até aos 23 anos, que ajudará a criar hábitos de utilização de transportes públicos desde cedo. Mas também o passe ferroviário verde que permite deslocações pela ferrovia em quase todo o país por apenas 20€. São exemplos concretos de incentivo à mobilidade sustentável. No entanto, estas transições - para serem verdadeiramente inclusivas e transformadoras - necessitam de ser acompanhadas de um aumento da oferta, principalmente nas zonas menos metropolitanas, onde o acesso aos transportes ainda é limitado. Só assim conseguiremos uma transformação sustentável em todas as vertentes.
Disseste no Expresso que “Regionalização, coesão territorial são formas de contribuir para um desenvolvimento mais sustentável”. Que tipo de regionalização defendes?
Acredito que a gestão de proximidade é essencial. Mesmo sendo um país pequeno, Portugal tem diferenças culturais significativas entre as suas regiões. A título de exemplo, o Norte é, em muitos aspetos, mais semelhante à Galiza que ao Sul, enquanto este se assemelha mais à Andaluzia. Não estou com isto a defender que fizesse sentido dividir o país a meio, mas sim que uma gestão mais próxima e adaptada às especificidades regionais traria benefícios significativos. Defendo uma regionalização que permita um maior ajuste com a gestão local, mas que, ao mesmo tempo, esteja alinhada com uma estratégia nacional coesa. Isto exige um verdadeiro sentido de Estado, para garantir que não se cria mais entropia, mas sim uma cooperação eficaz entre as regiões e o Governo central. O objetivo deve ser reforçar a coesão territorial, promovendo um desenvolvimento mais equilibrado e sustentável.
Sendo conhecedor de diversas realidades nacionais e internacionais, como analisas o estado da juventude vimaranense?
Enfrentamos uma tendência global: a concentração de pessoas nos grandes centros urbanos, onde surgem as melhores oportunidades profissionais. Municípios como Guimarães têm um passado histórico, patrimonial e investimento na cultura, mas, no caso de Guimarães, não tem conseguido criar condições para ser um município atrativo para os jovens aqui se quererem fixar. Pese embora a sua tradição industrial, não tem sido capaz de oferecer: empregos qualificados e habitação acessível, para que escolham a cidade não só para estudar, mas também para viver e trabalhar. Compreender que não estamos isolados — há cidades vizinhas a competir connosco – é fundamental. Pelo contrário, outras cidades como Braga, têm conseguido nos últimos anos melhores resultados na captação de jovens nos seus territórios. Devemos refletir para encontrar as razões que explicam esta realidade e como reproduzir. Mas claro, para os meus amigos bracarenses, isto nunca foi dito! (risos)
És uma pessoa de fé?
Sou. Mas não tenho dúvidas de que temos de trabalhar pela concretização do que aspiramos.
Existe alguma figura da Igreja Católica que mais te tenha marcado e tenha influenciado o teu quotidiano?
O atual Papa é uma pessoa que gosto de acompanhar, a mensagem que ele trouxe para a JMJ e projetos como o Entrelinhas do CNE são extremamente interessantes para o futuro da Igreja. E José Tolentino de Mendonça também penso que é uma pessoa que vale a pena acompanhar. Mais do que figuras concretas, há muitos valores da Igreja que naturalmente procuro aplicar no meu quotidiano.
"5 respostas rápidas" |
Eu sei que pode não ser a resposta mais comum num jovem, mas é a honesta: batatas cozidas com couve e peixe ou bacalhau.
Ando a ler pequenas coisas sobre Economia, mas quero começar Liberdade de Angela Merkel.
Eu sou péssimo musicalmente, mas as natalícias, nesta fase do ano. 4. Um filme de referência? Não tenho um, deixo dois que vieram à cabeça: Jogo da Imitação e NYAD, por diferentes razões. Mas os preferidos vão ser sempre da Disney. 5. Passatempo preferido? Ciclismo |
[Conteúdo produzido pelo Jornal O Conquistador, publicado em parceria com o Jornal de Guimarães. Entrevista da edição de dezembro de 2024 do Jornal O Conquistador.]