Diretor vinca crescimento do Guimarães Clássico: “Havia filas enormes”
O entardecer de 19 de agosto – um sábado de verão, embora chuvoso - antecipou o derradeiro concerto da quinta edição do Guimarães Clássico. Uma orquestra com músicos de países vários preparava-se para interpretar Meditação (1894), peça de Jules Massenet para a ópera Thais, e evocar a obra de Vivaldi, mas a partir da reinterpretação de Max Richter, referência do minimalismo e da música clássica contemporânea no século XXI, no pátio do Paço dos Duques de Bragança.
A meteorologia enclausurou a música na Sala da Duquesa, mas não o suficiente para travar a procura do público; a fila estendia-se desde o paço ducal do século XV “até à antiga maternidade”, no Convento de Santo António dos Capuchos, testemunha o violinista e diretor artístico do Guimarães Clássico. A sala foi insuficiente para albergar todas as pessoas na fila, mas houve quem tenha assistido ao concerto a 50 metros de distância, junto à porta do palácio. “Em vez de se irem embora, as pessoas que não puderam entrar ficaram lá a ouvir, bastante longe da sala”, acrescenta Emanuel Salvador.
Noites como a de sábado e a de sexta-feira – a escadaria da Igreja de Nossa Senhora da Oliveira “estava cheia de pessoas” a 15 minutos do arranque da “Noite Barroca”, com o templo a encher-se de imediato assim que as portas se abriram – mostram que a maior edição do Guimarães Clássico até hoje foi também aquela que mais gente atraiu. “Vi a lotação como nunca tinha visto. Antes de cada concerto havia filas enormes”, adianta ao Jornal de Guimarães o responsável, fundador e membro do Quarteto de Cordas de Guimarães.
Apoiado pela primeira vez pela Direção-Geral das Artes (DG Artes) – 25 mil euros – e também pela Câmara Municipal de Guimarães – 7.500 euros -, o festival expandiu-se em 2023, oferecendo seis concertos noturnos com entrada gratuita, o primeiro deles “Carta Branca a Roman Kim”, justamente protagonizado por Roman Kim, “um dos principais violinistas da atualidade”; o Teatro Jordão acolheu a estreia do músico cazaque em território luso, na noite de 14 de agosto.
Para Emanuel Salvador, a quinta edição foi a confirmação de que Guimarães “gosta de música clássica”. “Não são só os vimaranenses que veem. Nessa altura, temos também muitos turistas. Guimarães tem as características de cidade perfeita para um festival deste género, com música clássica todas as noites, em sítios diferentes e muito bonitos. As pessoas consomem um concerto como consumiriam um concerto rock e pop”, realça o músico vimaranense de 42 anos.
Uma ponte entre a música afegã e a música ocidental
À exceção da atuação de Roman Kim, os restantes concertos foram preparados na cidade-berço, com recurso ao Conservatório de Guimarães, sediado no Teatro Jordão. Instrumentistas como Vasko Vassilev, 1.º violino da orquestra que atuou na coroação de Carlos III, em Inglaterra, e Andriy Viytovich regressaram a uma cidade que já lhes era familiar, de edições anteriores, enquanto William Harvey atuou pela primeira vez em Guimarães. Concertino da Orquestra Nacional do México, o violinista norte-americano foi crucial para o encontro de culturas a que se assistiu em 16 de agosto, no Pátio das Artes Visuais do Teatro Jordão e Garagem Avenida. Harvey fora professor no Instituto Nacional de Música do Afeganistão há cerca de 15 anos e foi o elo de ligação com os estudantes de música de orquestra que deixaram o seu país, em fuga do regime talibã, para se instalarem nas cidades de Guimarães e de Braga. “Essa ligação com o William Harvey aconteceu no ano passado no Guimarães Clássico por acaso, como membro do público. Contactou-me porque gostou muito dos concertos. Surgiu a oportunidade de fazermos essa articulação no Guimarães Clássico seguinte”, reconhece.
A experiência do violinista norte-americano com a música e a cultura afegãs fez com que “as peças do puzzle se encaixassem todas”, tornado possível um concerto que oscilou entre a música tradicional afegã – Paimana bete ke khomar astom e Lariya – e o cânone ocidental - Andriy Viytovych e o Quarteto Aventurin, formado por estudantes suíços, interpretaram Johannes Brahms. “Parecia-me um bocado complicado como o concerto ia ser feito, a nível de logística, porque estamos a falar de duas culturas diferentes e de dois padrões diferentes de preparação da música. Mas tínhamos o William Harvey e fizemos a ponte”, reconhece o diretor artístico. Emanuel Salvador frisa, aliás, que é importante prosseguir o “diálogo de culturas” nas edições vindouras.
Nas atividades paralelas, “a música vai às pessoas”
A promoção de músicos em formação e de performances alternativas dos sons clássicos foram os outros dois eixos do Guimarães Clássico. O Quarteto Aventurin interpretou Eine Kleine Nachtmusik, uma das obras mais reconhecidas de Mozart, na terça-feira à noite, na Basílica de São Pedro, enquanto a Igreja de São Francisco serviu, na quinta-feira, de palco para o “Polish Concerti”, da academia da Baltic Neopolis Orchestra (BNO), um dos projetos aos quais Emanuel Salvador está ligado em Szczecin, na Polónia; esse concerto faz parte de um projeto financiado pelo Governo polaco para a academia da BNO apresentar o seu mais recente CD em cidades capitais europeias da cultura, estando previstas atuações para Berlim e Talinn.
A cidade-berço recebeu, contudo, jovens músicos de outras nacionalidades para as masterclasses. “Recebemos alunos da Polónia, de Espanha, de Inglaterra e dos Estados Unidos, que fizeram de Guimarães a sua casa nessa semana”, vinca o diretor artístico.
As outras novidades do evento foram a ginástica ao som de música clássica, no Parque da Cidade, os concertos surpresa no Museu de Alberto Sampaio e no Paço dos Duques – os músicos confrontaram os visitantes com atuações inesperadas – e a iniciativa “Silent Piano”, protagonizada na Oliveira e no Paço dos Duques, nas manhãs de terça e de quarta-feira, por Barbara Draskov. “Foi um concerto com headphones, para uma pessoa só. Estamos a falar de um concerto privado em espaço público, no turbilhão da cidade. Criou uma empatia e uma proximidade muito grande entre artista e ouvinte”, descreve o músico de 42 anos.
Semana e meia depois do encerramento do festival, Emanuel Salvador reconhece que é difícil fazer crescer o festival; o apoio da DG Artes não está garantido para os anos seguintes, afinal. É assim preciso ver o que pode ser diferente nas próximas edições, embora a quinta edição tenha deixado uma certeza: as atividades paralelas são para continuar. “Estou bastante nelas, porque a música vai às pessoas por onde elas estão a passar. Podemos chamar mais pessoas para virem aos concertos”, perspetiva.