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Flávio: “Estarei sempre aqui e disponível para apoiar e ajudar o Vitória”

Redação
Sociedade \ terça-feira, abril 23, 2024
© Direitos reservados
Sozinho e com apenas 16 anos, chegou a Guimarães para cedo calçar as chuteiras e representar o Vitória Sport Clube até se transformar no “eterno capitão” vitoriano.

Flávio Meireles, 47 anos, adora música e poesia. É comentador do Canal 11 e apostou na recuperação do restaurante Condado. Ao longo de 30 anos, além de jogador, desempenhou funções diretivas no Vitória e “ficará na história do clube pelo exemplo de liderança, personalidade e competência”, como garantiu a Direção de então. Quando uma contratação de jogadores dominava o espaço mediático, uma certeza tomou lugar na tribo vitoriana: enquanto não houvesse a foto do Flávio apertando a mão da nova contratação (a famosa foto da “bacalhoada”), tudo não passava de especulação. Casado e Pai de três filhos, totalmente identificado com o sentir da terra, vê o Vitória como um fenómeno cultural. Em entrevista exclusiva a O Conquistador, Flávio Meireles passa em revista muito do seu percurso no Vitória e deixa a promessa: talvez um dia destes ainda volte ao futebol.

ENTREVISTA E FOTOS: José Luís Ribeiro e Esser Jorge Silva

 

Onde coloca o futebol na sua vida: um divertimento, uma paixão, uma profissão ou é tudo isso mais alguma desilusão?
Acaba por ser tudo isso. Começou num divertimento que levou à paixão e acabou numa profissão, é esse o resumo da minha vida enquanto jogador de futebol. Começamos todos a jogar na rua - o normal de uma criança – e foi despertando a paixão por este desporto que, depois, me levou a ser profissional.

Uma paixão que também aportou desilusões?
O futebol levou-me a coisas muito bonitas, teve um impacto muito grande naquilo que sou como pessoa e como profissional. E também me trouxe desilusões como em qualquer profissão. No futebol há vitórias, derrotas, alegrias, tristezas, desilusões …

Muitas?
Desilusões por um jogo me ter corrido mal, por não ter sido o que perspetivava, por uma derrota, por não atingirmos um objetivo. Acima de tudo, a palavra que mais sublinho e considero importante, é a paixão que devemos pôr em tudo o que fazemos, com que encaramos o dia-a-dia e que leva a que o rendimento seja melhor.

Veio em 1992, ainda jovem, de Ribeira de Pena para Guimarães. Foi chegar e deslumbrar ou houve dias de arrependimento?
Foi uma fase muito importante do meu crescimento enquanto pessoa. Vim para cá muito cedo, proveniente de uma pequena vila do interior, habituado a uma rotina muito particular, muito diferente daquilo que encontrei em Guimarães.

Uma grande mudança com apenas 16 anos?
Vim morar sozinho, com colegas de diferentes partes do País que estavam na formação do Vitória. Essa experiência fez-me crescer muito e rápido. Estava entregue a mim mesmo e com a responsabilidade de continuar a estudar e de jogar na formação do Vitória. Fui confrontado com uma nova realidade, um novo contexto social, conhecer novas pessoas…

Chegou a arrepender-se?
Nenhum arrependimento. Era aquilo que eu queria e pelo qual lutava todos os dias. Claro que tinha saudades ! Saudades dos meus Pais, da Família, dos amigos …

Ainda se lembra desses dias iniciais?  O que mais gostou e o que mais detestou à chegada a Guimarães?
Foram dias marcantes a todos os níveis. O que mais gostei foi começar a treinar e vestir, pela primeira vez, o equipamento do Vitória, entrar no balneário do Vitória, conhecer aquele grupo de jovens jogadores, todos a perseguir um sonho …

Com quem partilhou muitas vivências?
O Vitória cedia um apartamento aos vários jovens jogadores que vinham de fora. Eu estava num apartamento com mais com mais cinco colegas o que me proporcionou partilhas e histórias que guardo até hoje.

E o que mais detestava?
Nada em particular. Tinha um dia muito ocupado: de manhã e de tarde tinha aulas no Liceu de Guimarães e, ao fim da tarde, íamos treinar ao Complexo do Vitória. Andávamos sempre a pé, a distância do Liceu ao Complexo não era muita, mas as refeições eram no centro da cidade. Essa era a parte menos boa. Treinávamos no Complexo, jantávamos no centro da cidade e tínhamos de regressar para a zona do Complexo, onde estava localizado o apartamento. Essas caminhadas, muitas vezes à chuva, eram momentos não muito agradáveis, que nos punham um bocadinho aziados (risos).

Domingo, 7 de maio de 2006, são 20 horas e 15 minutos. Um silencio cai sob o D. Afonso Henriques. Sabe “onde estava quando fomos para a segunda ?”. Como viveu aquele momento?
Momentos marcantes pela negativa. O dia em que caiu a ficha, em que caímos numa realidade que não queríamos. Foi uma época muito difícil, num contexto muito difícil a todos os níveis: dentro do clube, no próprio grupo de trabalho, com treinadores diferentes, uma mexida muito grande no plantel …

Da qual fez parte …
Eu fiz parte desse grupo. Nunca gostei de sacudir a água do capote: fiz parte desse grupo, fiz parte dessa equipa, não tive capacidade para dar mais e melhor para que as coisas tomassem outro rumo. É uma espinha que ainda tenho atravessada, porque é uma marca que está na história do clube.

Foi um momento difícil …
Sim, um dia que não sai da minha cabeça. Foi marcante a todos os níveis. Num estádio com milhares de adeptos que estive em silêncio … e que, no fim, cantou “Vitória até morrer” … (silêncio)

Arrepiante …
Sim … São coisas que nos marcam, que nos fazem refletir. Deu-me também mais força para dar a volta à situação e lutar para “devolver” o Vitória ao lugar devido. Cabia-me fazer tudo para, de alguma maneira, tentar minimizar os estragos e ajudar o Vitória, o mais rapidamente possível, a sair da situação em que ficou nesse ano.

Por outro lado, viveu momentos felizes no Vitória. Algum que mereça destaque?
No ano que subimos de divisão … é difícil igualar o sentimento de comunhão com os adeptos em todos os jogos, tanto em casa como fora. Foi muito marcante a subida de divisão, a retirada da mochila pesada que tinha nas costas de recolocar o Vitória na primeira Liga, sentir a felicidade das pessoas, o Toural completamente cheio ... Não foi nenhum troféu ganho, mas foram vitórias muito significativas.

Além desse momento ?
Um terceiro lugar, ouvir o hino da Champions, jogar nas competições europeias e, já numa fase posterior da minha carreira, como dirigente, a conquista da Taça de Portugal. Foi fantástico subir o escadario do estádio do Jamor, partilhar o momento com os adeptos no estádio e a receção em Guimarães.

Tornou-se, entretanto, num símbolo Vitoriano. No seu entender a que se deve tal simbiose com o emblema e com os adeptos?
O Vitória é, de facto, um clube diferente. Pode parecer um chavão, mas é a realidade, dita e repetida por muitos atletas e em várias modalidades. Num contexto nacional em que todo o mediatismo é dado aos mesmos clubes, o Vitória resiste e continua a ser sinónimo de paixão e dedicação dos seus adeptos, de ambientes pouco vistos em Portugal.

Um caso raro …
Haverá também aqui uma questão cultural, de uma cidade em que os próprios cidadãos têm um orgulho tremendo na sua história, nas tradições e nas suas causas. É impossível ficar indiferente a esta forma de viver, mesmo para quem não seja de Guimarães ou não seja vitoriano. Era importante que este sentimento de pertença e de orgulho fosse regra em Portugal, não apenas uma exceção. Confesso que, mesmo tendo orgulho na terra onde nasci, nunca deixei de me sentir vimaranense, principalmente porque encontrei em Guimarães valores e uma forma de viver e de estar com que me revejo perfeitamente.

Como jogador o Flávio era arreganho, bravura, impetuosidade e antes quebrar do que torcer. Onde ia buscar toda aquela energia?
O futebol leva-nos a ser competitivos porque, se assim não for, somos ultrapassados. Aos jogadores compete trabalhar no máximo aquilo que têm de bom. Essa minha competitividade, o compromisso, a vontade de ganhar todos os lances, de ganhar a cada treino, a cada dia, de cada vez que entrava num estádio está cá dentro e é uma responsabilidade. Nunca fui um jogador tecnicamente muito evoluído, pelo que tinha de ter outras ferramentas para tentar sobressair e ser importante para a equipa. Isso era inegociável para mim e tinha de pôr isso tudo em campo em todos os treinos e jogos.

Como diretor desportivo do Vitória, a perspetiva passou a ser outra?
No cargo de Diretor Desportivo vemos o clube num ângulo diferente, em vez de vermos uma árvore temos de observar a floresta. Foram anos de muito conhecimento e experiência. Planear uma época, lidar de perto com a gestão dos ativos e do clube, o relacionamento com vários treinadores, agentes desportivos, os departamentos e as pessoas essenciais a uma equipa de futebol, acompanhar o crescimentos e evolução de jogadores que alcançaram o mais alto nível, enfim, uma multiplicidade de funções que desempenhei com muito orgulho.

Uma experiência a repetir?
Se calhar um dia voltará a acontecer. Já tive contactos nesse sentido para clubes ou projetos, uns que não tive interesse, outros em que, por isto ou por aquilo, não chegamos a acordo. A minha vida sempre foi ligada ao futebol e um dia poderei voltar à modalidade.

Saiu magoado do Vitória?
Não saí magoado do Vitória, aliás, saí porque entendi que era o melhor para o Vitória e para mim. Quando se passa tanto tempo num clube e se atravessa tantos cargos distintos, adquirimos um conhecimento profundo do clube, das suas particularidades e também da exigência dos adeptos. Foi, aliás, com esse conhecimento que tentei sempre servir o Vitória da melhor forma, sempre com a convicção que também deveria tentar passar àqueles que chegavam todos estes valores. Esse deve ser o principal dever de quem atravessa tantos anos um clube. Da minha parte, foi um orgulho servir o Vitória nas mais diversas funções, aprendendo em cada uma delas, com todos aqueles que se cruzaram comigo. Errando, acertando, mas acima de tudo, tendo a convicção que teria sempre de dar o melhor de mim. Por isto tudo, sai de consciência tranquila, jamais magoado com o Vitória.

O nome de Flávio Meireles poderá, no futuro, ser equacionado para uma solução diretiva do Vitória?
Por agora sou mais um a apoiar o Vitória da parte de fora. Está-me a saber muito bem poder ir ver os jogos com os meus filhos, com os meus amigos, desfrutar e apoiar o Vitória desde a bancada. Estarei, certamente, na história do clube e o Vitória propôs-me ser embaixador, o que muito me orgulha. Neste momento tenho outros projetos, de áreas diferentes, que me ocupam e estão a dar motivação e satisfação grandes.

E no futuro?
Estarei sempre aqui e disponível para apoiar e ajudar o Vitória naquilo que for preciso. Neste momento da minha vida, sinto-me feliz e a gostar do que estou a fazer. O futuro … a Deus pertence.

Atualmente é comentador no Canal 11. É mais fácil jogar com as palavras ou com a bola rente à relva?
Para mim é jogar à bola (risos). Esta experiência do Canal 11 tem sido excecional a todos os níveis. Eram áreas e mundos completamente novos e agradeço ao Canal 11 - na pessoa do seu diretor, Pedro Sousa – a oportunidade de conhecer esta realidade e pessoas excecionais e competentes.

Que motivos o levaram a enveredar pelo investimento no Restaurante Condado?
A influência de uma pessoa amiga, o Joaquim Martins - uma pessoa experiente na área - que me fez enveredar por este projeto. O Condado é uma casa com muita história, uma casa emblemática da cidade, que precisava de ser reabilitada. Com a ligação que tenho a Guimarães, este é essencialmente um investimento na cidade, em todos os vimaranenses, em todas as pessoas de fora que vêm visitar esta bela cidade. O Condado é o mesmo espaço, mas propondo uma nova experiência, um projeto fundado na memória local, apontado para o futuro vimaranense..

E como está a correr?
A aceitação tem sido grande e vamos continuar a trabalhar para que o Condado se afirme como um ator preponderante no concelho, associando-se aos novos ritmos e às novas dinâmicas da cidade.

É uma pessoa de fé?
Sim, sou uma pessoa de fé.

Existe alguma figura da Igreja Católica que mais o tenha marcado e tenha influenciado o seu quotidiano?
João Paulo II. Duas décadas e meia de legado que revolucionaram a sociedade contemporânea no campo político, social e humanitário.

"5 respostas rápidas"
  1. Sugestão gastronómica?

Bacalhau à Brás do Condado

  1. Que livro está a ler?

“A criança em ruínas” de José Luís Peixoto

  1. A música que não lhe sai da cabeça?

“Hello” de Hania Rani

  1. Um filme de referência?

“Fargo”

  1. Passatempo preferido?

Ouvir música a andar de carro

 

[Conteúdo produzido pelo Jornal O Conquistador, publicado em parceria com o Jornal de Guimarães. Entrevista da edição de abril de 2024 do Jornal O Conquistador.]

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