Famel: fénix a renascer no mesmo berço da icónica XF-17
De uma “casualidade” nasceu a mota mais vendida de sempre em Portugal. O seu mentor foi José Ribeiro da Costa, vimaranense natural de Serzedo. Falamos da Famel XF-17, que fez as delícias dos amantes de duas rodas e perpetuou-se como a mota das motas produzida por uma marca portuguesa. José Costa vendeu milhares de exemplares, “até lhe perder a conta” e recorda o tempo em que havia lista de espera e falta de capacidade para atender a todas as solicitações. O ruído ensurdecedor, a meias com a grande quantidade de fumo produzido pela combustão ficou na retina numa época em que a mota se notabilizou pela imponência do seu design.
Sediada em Águeda, a Famel foi fundada em 1949 como uma empresa fabricante de aros, idealizando depois as suas próprias motas. Até que um vimaranense bateu à porta para comprar uma mota, e o conceito revolucionou-se. “Um vizinho nosso quis comprar uma motorizada e um irmão meu ligou para a Famel, que disse que tinha muito gosto em vender a mota. O meu irmão foi lá, venderam-lhe a mota e quiseram que ele ficasse como representante da marca cá em Guimarães. Vendeu motas durante uns tempos, depois deixou as motas e foi para outro ramo. Tomei eu conta das motorizadas”, conta José Ribeiro da Costa.
Fã de corridas, o Sr. Costa, como é conhecido, confidencia então ao Jornal de Guimarães que a criação da XF-17 foi “uma casualidade”. “Começámos a fazer corridas com um quadro meio artesanal, até com bons resultados: ganhávamos as corridas todas. Depois apareceu um quadro italiano e nós aplicámos o motor nesse quadro. Fomos aplicando outros componentes e aquilo fez sucesso. Foi quando pensei em apresentar esse modelo à Famel. A Famel disse que sim. Passou um mês, passaram dois, passou um ano e o modelo nunca mais saía. Um dia vou lá e falo com eles. Disseram-me: Sr. Costa, já viu o prejuízo que não era para a fábrica se o modelo não tem aceitação no mercado? Eu disse para não ter medo, e se o problema fosse o receio eu fazia logo uma encomenda de duzentas motas. E encomendei duzentas. Assim andou para a frente”, explica José Costa em traços gerais com um discurso fluído e jovial, de quem parecera acabar de viver o momento. Estava dado o primeiro passo, em 1975, para uma aventura que atingiu níveis de sucesso que nenhum dos envolvidos esperava.
José Ribeiro da Costa ficou com as primeiras duas centenas de motas, “com um preço especial”, e ficou ainda com a distribuição do modelo do rio Douro para cima. Cada XF-17 que fosse vendida do Douro para baixo o vimaranense tinha ainda uma comissão, “embora passassem muitas sem me darem nada”, atira com risos. Daí ao milhar e meio de motas vendidas num ano, só pelo Sr. Costa, foi um ápice. “Quantas houvesse quantas vendíamos, chegou a haver lista de espera. Ninguém esperava que o modelo tivesse tanta saída, foi uma motorizada de muito sucesso”, atira o mentor, que chegou a fazer um atrelado para poder transportar mais motas.
Em 2002 a empresa acabou por ser declarada insolvente. Depois do êxito da XF-17 a Famel não se conseguiu encontrar. Uma queda que, no entender do Sr. Costa, se deveu à “falta de visão” por parte da empresa. “Não acompanharam a evolução. Quando começaram a vir as scooters ainda lhes disse que deveriam fazer uma scooter, compravam a armação, os plásticos, faziam aqui o esqueleto e mandavam vir o motor de fora até poder fazer cá um. Não tiveram essa visão e a fábrica foi ao charco”, opina com alguma dose de mágoa à mistura José Ribeiro da Costa.
O futuro é elétrico: E-XF olha o futuro inspirada na XF-17
A falência da Famel foi, pelo menos esperava-se quer fosse, o ponto final nesta história. Tratou-se, contudo, de um ponto final de uma narrativa aberta, que ganha uma vez mais em Guimarães novos capítulos. Joel Sousa é agora o protagonista. Pouco conformado com o desaparecimento da icónica mota, o engenheiro automóvel vimaranense decidiu atirar-se a um projeto arrojado de reabilitar a marca. Esta ideia floriu quando recuperava uma Famel XF-17 antiga. Na cronologia deste renascer da fénix em 2014 é feito o anúncio do projeto de revitalização da marca e do desenvolvimento de um protótipo, em 2017 o conceito foi apresentado o conceito na Web e já este ano foi apresentado o protótipo.
Um olhar mais desatento levará a que se confunda a nova mota com a antiga, e a ideia até é um pouco essa. O novo modelo tem uma grande mudança: é elétrico. De olhos postos no futuro, Joel Sousa tem em mente produzir uma mota com autonomia para 70km, um modelo citadino que atingirá a velocidade máxima de 70km por hora. A Famel está agora sediada em Guimarães, no Avepark.
A comercialização está prevista para o próximo ano, sendo possível fazer pré-reservas online. Joel Sousa considera que o processo está a desenvolver-se de forma positiva. “O processo está a correr bastante bem e o feedback tem sido positivo pelo público. Existiram bastantes pré-registos de compra no website daí passarmos ao próximo patamar, a criação da empresa. Nos últimos tempos temos estado a tratar das burocracias normais para a montagem do negócio. Estamos a arrancar para no próximo ano trazermos as motas para a estrada”, dá conta ao Jornal de Guimarães.
No primeiro ano a meta é produzir uma edição limitada de trezentas unidades, sendo que no ano seguinte a ambição é uma aproximação às duas mil unidades. O objetivo a médio-prazo passa por produzir e comercializar cinco mil motas por ano. Em traços gerais, Joel Sousa apresenta o novo modelo da Famel: “A nova E-XF é inspirada na antiga e mítica XF-17, contudo adota a motorização elétrica como o ponto de viragem e ressurgimento da marca. A base da E-XF permite, do ponto de vista de utilização, ser ágil e versátil para as cidades, fácil de conduzir e de estacionar. Apresenta uma autonomia estimada de 70km possibilitada através de apenas uma carga de quatro horas. Herda um passado histórico de uma marca icónica”.
Apresentações feitas, dados lançados, Joel Sousa atira que Guimarães teria de ser o local de renascimento. Até porque, se o berço da mais mítica mota portuguesa de todos os tempos foi Guimarães, e um vimaranense foi o seu mentor, “pode dizer-se que é simbólico o facto do ressurgir de uma marca icónica e mítica acontecer em Guimarães”, afirma Joel Sousa. O futuro é elétrico, mas o passado ainda anda aí. José Ribeiro da Costa que o diga, ainda fica com um brilhozinho nos olhos. “Ainda vejo motas dessas, XF-17. há quem as tenha recuperadas, bem pintadas e arranjadas. É um gosto vê-las, algumas bem bonitas”, comenta o Sr. Costa. Misturando o passado e o futuro no presente, certo é que a Famel nunca será só uma mota. É um ícone e um conceito. “Fogo, a mota é linda”, como era comum dizer-se nas décadas de 80 e 90 com as iniciais da histórica mota.