
“Falta debate e espírito crítico construtivo.”
Figura incontornável do Centro Histórico de Guimarães, Paulo Bessa cresceu entre memórias e vivências que se confundem com a transformação do casco histórico da cidade. Nascido há 53 anos, só a maternidade o afastou da possibilidade de vir ao mundo diretamente na Praça de Santiago. Desde cedo habituado ao convívio no emblemático tasco “Carramão”, onde acompanhava o pai, foi aprendendo a arte de receber, de dar de comer e de servir copos. Hoje é um dos mais dinâmicos empresários da restauração vimaranense, mas mantém-se também um observador atento às dinâmicas do turismo e às lógicas de crescimento urbano. Nesta entrevista, fala da crise que atravessa o centro da cidade e deixa o alerta: o Centro Histórico foi classificado Património Mundial porque ali havia vida, moradores e serviços — e é isso que importa preservar.
ENTREVISTA E FOTOS: Esser Jorge Silva e José Luís Ribeiro
O que falta ao Centro Urbano para despertar o interesse aos empreendedores? Como, por exemplo, resolver o problema das rendas altas que anulam qualquer hipótese de negócio?
Falta uma estratégia integrada para a cidade, que envolva a economia em várias dimensões: indústria, equipamentos municipais e habitação. Só com um plano consistente será possível atrair investimento e dar confiança a quem quer empreender. É igualmente essencial tornar a cidade mais conectada e apelativa para se viver também fora do centro. No fundo, sem essa dinâmica que resulta de vários fatores, dificilmente se irá ter um centro movimentado e, claro, disposto a consumir o que se ali se pode oferecer tanto de comércio como de serviços. A questão do valor das rendas é uma questão de mercado. Quem é dono de um espaço para arrendar só o faz de acordo com esses valores. É a lei do mercado. Terão de aparecer negócios que consigam suportar essas rendas.
Várias pessoas advogam que os municípios terão de agir, taxando os espaços fechados. Defende essa solução ou é o mercado e a sua “mão invisível” que deve agir?
A intervenção tem de ser racional e equilibrada. É importante garantir o bom funcionamento dos espaços comerciais, a sua promoção e, acima de tudo, a sustentabilidade financeira. Mais do que taxar, precisamos de medidas que incentivem a utilização produtiva desses imóveis. Não me parece que impor uma taxa a quem é dono de um imóvel seja uma solução. Era como admitir que as pessoas, só porque são donas de um prédio ou de uma simples loja, têm de ser punidas porque a cidade não se dinamizou. Ora, a meu ver, essas pessoas são as mais prejudicadas porque não conseguem rentabilizar os seus espaços.
O que é necessário fazer para voltar a ver um comércio ativo e viçoso no Centro Urbano?
É uma luta constante que passa por vários fatores. Passa pelo alargamento dos horários, pela modernização dos espaços através do investimento privado, pela criação de ruas pedonais atrativas e pela instalação de lojas âncora que puxem pelo comércio. E nunca se pode esquecer a importância de uma promoção contínua do Centro Urbano. Portanto, a meu ver, é um trabalho que deve ser articulado por várias entidades, assim como também deve passar por sinais claros que leve os particulares a sentirem-se seguros para avançar com investimentos. Porque não há dúvidas que com o movimento de pessoas no centro, ganham todos, inclusive os consumidores.
Foi boa a decisão de abrir um ”shopping” entre as vilas de Brito, S.João de Ponte e Pevidém, ou pode-se dizer que veio ajudar à desertificação do centro?
Na minha opinião, as grandes superfícies têm de ser planeadas com um propósito claro de modo a que se acrescente e não se diminua. No passado, com o GuimarãeShopping, não houve estudos de impacto suficientes que levassem a acreditar na sua necessidade. Por isso acabámos por sobrecarregar a entrada da cidade e prejudicar o comércio de proximidade. Eu não sou contra a existência de “shoppings”. Entendo que devem existir até porque diversificam a oferta e introduzem processos de atualização do comércio. Não estou de acordo é que existam no centro das cidades. Na verdade penso que têm um espaço próprio que deve ser afastado para as áreas mais periféricas, até para ajudarem a um crescimento harmónico da cidade. Quando vi o aparecimento do “shopping” de Silvares pensei que iria haver um acompanhamento com o crescimento de habitação na área. Era o que, a meu ver, fazia sentido. Mas não é o que está a acontecer. Duvido que aquelas opções de ali colocar apenas empresas seja a melhor.
Esses “shoppings” também apareceram em consequência das resistências dos lojistas aos horários alargados. Considera que há hoje uma outra atitude em relação a horários ou mantém-se o pensamento “das 10 às 19”?
Sem dúvida que hoje os horários precisam de acompanhar os tempos modernos e os novos hábitos de consumo. As pessoas, em geral, têm ocupações profissionais muito diferentes do tempo das fábricas. É tudo muito diferente em relação ao tempo da indústria. Isso implica ter outras capacidades de resposta. É evidente que isso implica, também, uma grande dificuldade na gestão dos recursos humanos, sobretudo para os espaços mais pequenos. Em primeiro lugar, é difícil ter gente para trabalhar na área do comércio, principalmente na área da restauração (que é a que conheço melhor). Além disso, quando se forma um profissional, e depois de muito investimento de tempo nessa formação, rapidamente vemo-lo abandonar e ir para outras paragens. Diria então que não é fácil ter um negócio aberto durante 14 horas por dia. E a exigência, é certo, é cada vez mais essa…
Há hoje a Associação Empresarial de Guimarães, a Associação do Comércio Tradicional de Guimarães e a Associação Vimaranense de Hotelaria. Invariavelmente, além de pouca ação, parece não haver um espírito dinâmico. O que se passa com o comércio vimaranense?
Guimarães vive pouco o seu quotidiano. Falta debate e espírito crítico construtivo. Muitas associações estão demasiado dependentes do poder político e não assumem uma voz independente e forte em defesa do setor. Assim, cada um acaba por se fechar no seu espaço, sem visão coletiva. Parece-me que falta aquele princípio muito conhecido que diz que “a união faz a força”. Quando se levar esse princípio à prática, ganhamos todos e, na minha opinião, ganhará também a nossa cidade.
O Centro Histórico vive hoje mais de turismo do que da comunidade local? Até que ponto há um risco de dependência excessiva? Não é esse um dos motivos por que os vimaranenses se afastam?
Convinha termos sempre presente que uma das razões que fez do Centro Histórico Património Mundial foi o facto de no espaço viverem pessoas e existiram serviços, como advogados, contabilistas, alfaiates, etc.. Dantes o presidente António Magalhães e a equipa do extinto GTL referiam isso muitas vezes. Acrescentavam, inclusive, que sem a dinâmica habitacional e de serviços podia-se perder o título de Património da Humanidade. A grande pressão da transformação dos edifícios em Alojamento Local, fracionando-os e diminuindo as suas divisões, introduziu uma lógia de expulsão dos próprios habitantes do Centro Histórico. É evidente que, atualmente o Centro Histórico sofre de desertificação habitacional e de serviços, e hoje o turismo é a realidade dominante, como acontece em muitas cidades.
E isso é bom ?
Não sei se é bom ou mau haver essa “dependência”. Se calhar diz-se isso do Centro Histórico porque outras zonas do centro da cidade estão sem a dinâmica do antigamente. A mim parece-me que há também uma afetividade muito grande que leva as pessoas a gostarem de vir ao casco histórico e desfrutarem do espaço. Acho que as pessoas gostam mesmo de ali estar. Também porque a oferta na restauração, a meu ver, tem efetiva qualidade e diversidade. É por isso que os vimaranenses continuam a usufruir do centro, sobretudo ao final do dia e nos fins de semana.
O Centro Histórico está hoje transformado numa grande “Praça de Alimentação”. É isso uma estratégia saudável para o turismo?
Isso tem algum fundo de verdade. Como disse, penso que o centro histórico tem hoje grande vitalidade, sobretudo na restauração e hotelaria. Mas o espaço é pequeno para a procura crescente. O desafio é abrir a cidade ao turismo como um todo, evitando a concentração excessiva apenas na restauração. Por exemplo, a Zona de Couros, tem muitas potencialidades porque é também um espaço muito especial. Mas não é só. Acho que hoje, face à procura de turismo, há potencial para alargar a oferta.
Continuamos a ter um turismo que passa e não fica. São poucas as dormidas. O que falta para Guimarães conseguir reter e a diversificar, para além do Centro Histórico?
Costumo dizer: ao menos passa! Mas precisamos de um trabalho sério, que nunca foi feito. O turismo em Guimarães deve ser visto como motor económico — gerador de emprego, receitas e investimento privado em restauração, hotelaria, comércio e cultura. Infelizmente, os estudos continuam centrados apenas em dormidas e taxas de ocupação. O que falta é uma estratégia integrada que una cultura, desporto, património, indústria e comércio, sempre sob a marca única de Guimarães: “Berço da Nação - Aqui nasceu Portugal”. Não existe melhor slogan do que este, porque exprime a nossa identidade e o bairrismo que nos distingue.
É uma pessoa de fé?
Sou uma pessoa com a minha fé.
Existe alguma figura da Igreja Católica que mais o tenha marcado e tenha influenciado o seu quotidiano?
João Paulo II. Porque foi o Papa que acompanhou a minha adolescência e me marcou pela sua forma de transmitir os valores humanos, assim como também teve influência na resolução de muitos conflitos. Infelizmente, hoje em dia, faltam-nos figuras do seu calibre.
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Cabrito assado.
“Chegar Novo a Velho”, de Manuel Pinto Coelho.
Neste momento, “Pôr do Sol dos Vizinhos”
“A Vida é Bela”.
Viajar com família e amigos, descobrindo novas culturas. |
[Conteúdo produzido pelo Jornal O Conquistador, publicado em parceria com o Jornal de Guimarães. Entrevista da edição de setembro de 2025 do Jornal O Conquistador.]