Evoluir de “Vitória ao peito” em dia a dia que logística é bloco a superar
Tomás Pacheco está a bater a bola; fá‐lo descontraidamente, sem a força e o impulso dos dias de jogo. É o início de mais um treino no crepúsculo da “mais compensadora” época como voleibolista do Vitória SC; aos 16 anos, atua como Zona 4 e contribuiu com inúmeros pontos para uma equipa que concluiu a 2.ª Fase do campeonato nacional de juvenis masculinos com sete vitórias e três derrotas. Bastaria converter um desses desaires em triunfo para os vitorianos reservarem um lugar na fase final, entre os oito melhores clubes do país.
Quando recua no tempo, aos seus primeiros serviços enquanto atleta dos minis, a diferença é notória. “Quando entrei no voleibol, era o único rapaz. Treinava com as meninas. Foi um bocado desmotivador, porque nem podia competir oficialmente. Poder evoluir com rapazes e ver a secção crescer ajuda muito à minha evolução”, descreve o atleta. Pelo caminho, já foi chamado à seleção nacional sub‐18 para observação e a treinos da equipa sénior.
A bola circula entre Tomás, o colega de equipa Lourenço Oliveira e a capitã da equipa feminina de cadetes, campeã da Associação de Voleibol de Braga. Observada pela selecionadora nacional sub‐18 em setembro do ano passado, a passadora emprega o toque de dedos com ligeireza, em tempo de missão cumprida. “Nunca tínhamos sido campeãs regionais. Evoluímos muito como equipa, nas relações entre jogadoras e na nossa técnica. Foi essencial para conseguirmos um objetivo que queríamos muito.”, descreve a vitoriana de 16 anos, também a competir nas juvenis.
Evolução é também a ideia que resume 2023/24 para o outro vértice desse triângulo. “Esta época foi muito positiva”, realça Lourenço, passador de 17 anos. “Foi uma pena não alcançarmos a final a 8, mas falhar esse objetivo não pode apagar todos os outros progressos”. O Vitória continuou longe das eras em que conquistava títulos nacionais jovens – a década de 80 do século XX, exclusivamente femininos, e o século XXI, pelos infantis masculinos (2007/08) e pelas iniciadas femininas (2007/08 e 2009/10) –, mas o treinador Sérgio Martins identifica uma trajetória crescente, que ilustra com o caso masculino. “Há duas épocas, tínhamos apenas um escalão com oito atletas. Hoje, temos cadetes e juvenis, com 15 atletas cada. Na qualidade, também se notou evolução”, descreve.
Gerir instalações e treinos é um permanente “começar de novo”
A formação vitoriana reúne agora cerca de 150 atletas, repartidos pelos minis, o contingente mais volumoso – 60 a 65 até aos 12 anos –, e por sete equipas até às sub‐21 femininas. Ligado há praticamente década e meia à estrutura vitoriana, Sérgio Martins vê “matéria‐prima para trabalhar”, pese a insegurança associada a cada início de época. Ela advém da dependência externa quanto a pavilhões disponíveis e às respetivas condições. “Não temos uma política em Portugal que se preocupe com as modalidades e procure modernizar os pavilhões. É só campos de futebol. Estão todos relvados. Os pavilhões são na maior parte antigos e têm as suas limitações”, frisa, alertando para a degradação de alguns pisos. Na presente época, os vitorianos circulam por seis recintos: os pavilhões das escolas Egas Moniz, João de Meira e Santos Simões, pavilhão de aquecimento do Multiusos, pavilhão da Casa do Povo de Fermentões e pavilhão do Inatel, onde Tomás, Lourenço e Joana trocam a bola à luz do sol vespertino de maio.
Fermentões e Inatel dispõem de três redes para outros tantos treinos em simultâneo, algo que facilita a tarefa da secção. O plano para cada equipa é o de quatro treinos semanais de duas hora, à exceção dos minis. Nada garante, porém, que essa organização possa ser viável quando a temporada 2024/25 começar. Esse é o aspeto mais “inglório e ingrato” de coordenar os escalões de formação numa modalidade de pavilhão, assegura o coordenador do voleibol. “Não sabemos com que pavilhões vamos contar. (…) Todos os anos começamos de novo”, realça Eurico Peixoto, antigo voleibolista vitoriano, campeão nacional em 2007/08.
A fase inicial de cada temporada, “sempre confusa”, é tempero para eventuais confusões com os pais dos atletas, exigentes quanto aos horários e às condições de treino para organizarem as suas vidas. “Pequenos pormenores podem interferir na imagem de estabilidade que passa para os pais”, acrescenta Sérgio Martins. Para o treinador, o ambicionado pavilhão para a formação do Vitória na EB 2 e 3 João de Meira pode facilitar a interação entre as equipas jovens e a equipa sénior, que treina e joga no Pavilhão Desportivo Unidade Vimaranense. Esse é precisamente um dos objetivos de Eurico Peixoto: “É importante atletas das várias equipas se conhecerem, para depois haver descidas e subidas consoante as necessidades. Queremos partilha. Dificilmente isso acontece quando uma equipa treina num pavilhão e outra noutro”.
“Temos de saber que estamos com o Vitória ao peito”
Após 11 temporadas a jogar de preto e branco, com interrupções pelo meio, Eurico Peixoto sublinha que um jogador do Vitória, seja qual for a idade, deve saber que está num “clube diferente”, “pela mística e pela massa adepta”. A força de vontade e o espírito de grupo apresentados sobre a quadra devem ser expressão de um trabalho paulatino entre direção, secção de voleibol e pais. “Temos de saber que estamos com o Vitória ao peito. Temos de mostrar que não somos uma equipa qualquer”, reitera.
Ao lado, Sérgio Martins considera que aumentar o número de atletas será “bom e útil” para a modalidade; quanto maior for o leque de opções, “maior a probabilidade” de o Vitória atingir “um patamar mais elevado” e de catapultar jovens para as equipas séniores, afinal o principal objetivo da formação, mais do que ganhar. “O objetivo tem de passar por aí. Colocar dois a três atletas de cada fornada para chegar lá”, resume.
Enquanto se avalia o presente e imagina o futuro, Joana, Tomás e Lourenço continuam a ensaiar passes e remates. O passador dos juvenis confessa: “Este foi o meu terceiro ano. Foi a época mais gratificante. Aprendi muito. Foi notável pela vontade da equipa evoluir”.