“Espero que tenhamos uma mulher na Presidência da Câmara em 2025!”
Com um discurso livre, ideias claras e frontais, a atual vice-presidente da Câmara de Guimarães mostra-se recolhida quanto às movimentações internas do PS mas promete não ser “discreta” na hora da escolha final. Enquanto avalia a Educação concelhia e explica as particularidades da habitação vimaranense, Adelina Pinto, 58 anos e natural de Polvoreira, não tem dúvidas: é a hora de uma mulher “competente” liderar o município. Quem será essa mulher competente?
ENTREVISTA: Esser Jorge Silva e José Luís Ribeiro
FOTOS: Paulo Pacheco
“Uma boa comunista aos 18 resulta numa ótima social-democrata em adulta”. Willy Brandt estava certo ou errado?
Eu tenho sempre uma grande dificuldade em generalizar mas acredito que a vida nos faz ir mudando os nossos conceitos de vida, a nossa visão do mundo e, como tal, a visão política e de intervenção social! Eu fui sempre, desde que me lembro, uma pessoa de esquerda, hoje bastante mais moderada, mas daí a chegar à social-democracia ainda vão uns passos, mas acredito que alguns o farão!
O que é melhor: um Partido Socialista (PS) unido à volta de um líder ou dividido à procura de um sucessor?
É claro que eu preferia um PS unido à volta de um líder do que dividido mas faz parte do processo, do momento, uma fase de transição! Os líderes precisam ser reconhecidos pela maioria, serem inspiradores, criar alento e esperança para o futuro! Precisam ter ideias para a cidade e para o território, para as pessoas, para fazerem a diferença. Termos mais que uma pessoa a tentar fazer esse caminho, essa afirmação, só pode engrandecer o partido! É claro que este é um tempo de discussão e teremos de chegar ao tempo do consenso. Eu acredito que o PS vai conseguir unir-se, vai conseguir definir o seu líder, aquele ou aquela que vai ser capaz de levar o partido a uma nova vitória nas eleições autárquicas de 2025!
Nos alinhamentos recentes do PS optou pela discrição quando muitos a viam como solução. Foi desilusão com o momento, afastamento dos pares ou estratégia para o futuro?
Estamos a falar de eleições para a concelhia (ou mesmo para a Federação lá mais atrás). Discutem-se lugares e lideranças internas no PS de Guimarães. Não se está a discutir o próximo candidato ou candidata à Câmara municipal, embora eu não seja ingénua e saiba que esse é o foco lá à frente e quem estiver numa posição de charneira no partido terá outra oportunidade de se posicionar ou de posicionar outra pessoa! Ora, nesta questão interna do partido, eu sempre fui discreta, apagada mesmo! Cheguei à Câmara em 2013 como independente e só mais tarde me filiei. Desde 2013 todo o meu esforço foi para o meu trabalho na Câmara, para as minhas áreas de atuação, deixando o partido como uma lateralidade, apesar de me identificar muito com a matriz socialista, bem evidenciada nas ações políticas que fui desenvolvendo e que têm marcado os meus mandatos! (penso eu!).
Desilusão, estratégia …
Há uma óbvia desilusão com o momento que o PS passa, mas acreditando que ele vai unir-se, os interesses de Guimarães vão prevalecer sobre todos os outros e dar um novo alento ao partido, para um período que se avizinha difícil
Sei que a vida nos vai levando por caminhos que não eram previsíveis. Se, há dez anos, me tivessem perguntado onde estaria hoje, eu jamais diria que estaria na CMG e seria mesmo sua vice-presidente. Não era imaginável para mim, mas aceitei, ainda bem que aceitei, sou hoje uma mulher diferente, com uma mundividência que não tinha, descobri capacidades e competências que nunca imaginei ter! Nunca conseguirei agradecer suficientemente ao Sr. Presidente Domingos Bragança ter-me trazido para este mundo, que tem sido tão enriquecedor!
Quando a discussão sobre o candidato a Câmara pelo PS em 2025, se colocar, aí sim, vamos ver quem se posiciona realmente e só aí definirei a minha atuação, sempre numa lógica de ser uma solução e nunca “mais-um-problema”! E aí vermos se serei discreta ou não!
Historicamente, na Presidência de Câmara Municipal de Guimarães “menina não entra”. Consequências do patriarcalismo ou da qualidade do feminismo local?
Essa não é uma questão de Guimarães, é uma questão de um país patriarcal, saído duma ditadura que considerava as mulheres como cidadãs de segunda categoria! Por isso não é a qualidade do feminismo, é a falta de oportunidades que as mulheres tiveram em Guimarães e em Portugal até há poucos anos! Mas agora estão a emergir, mais qualificadas, mais capazes, com mais ambição e rapidamente vão começar a ocupar verdadeiramente os lugares que também lhes pertencem!
Mais a sério: o que falta para termos uma mulher Presidente de Câmara em Guimarães?
Acho que não falta nada, temos todas as condições para elegermos uma Presidente de Câmara, da mesma forma que o temos para manter o masculino! É claro que gostava muito de ver Guimarães governada por uma mulher, competente, dinâmica e com vontade de continuar a mudar Guimarães. Eu não sou a favor de uma mulher só porque é uma mulher. Tem de existir igualdade de oportunidades, liberdade de escolha entre pessoas competentes, sejam homens ou mulheres. E hoje, em Guimarães, temos homens e mulheres capazes de assumir, com competência a presidência da câmara municipal.
Pela primeira vez em Guimarães, o lugar de vice-presidente foi ocupado por uma mulher, eu fui sendo Presidente nas faltas e impedimentos do Sr,. Presidente. Espero que o processo continue a avançar e tenhamos mesmo uma mulher na Presidência da Câmara em 2025!
Assumiu na autarquia o pelouro da habitação. Que estratégias para suprir as carências municipais, incluindo o alojamento estudantil ?
A questão da habitação reveste-se de muitas áreas de intervenção. Desde logo a habitação social, para aqueles que têm condições indignas. Para este grupo construímos a Estratégia Local de Habitação (ELH) com todas as situações sinalizadas e que vai já na 2ª alteração, por força de novos casos identificados. Para este existe o 1º Direito que vai ajudar a resolver, com novas habitações ou com requalificações, estas situações de indignidade habitacional.
Mas hoje, além desta, temos problemas de habitação para jovens casais e classe média, dados os preços elevados do custo da habitação ou do arrendamento. Este terá de ter uma estratégia própria, a preços controlados, que ajude a fixar esta população em Guimarães. Tudo isto está também a ser revisto no âmbito do PDM!
Em relação ao alojamento estudantil há várias propostas já em cima da mesa. A primeira tem a ver com a requalificação da Escola de Santa Luzia, no âmbito do PRR, que avançará brevemente. Há ainda privados que estão a apresentar projetos para alojamento estudantil ou para jovens à procura da primeira casa. Temos também em Guimarães a questão dos nómadas digitais, que trabalham a partir de casa, em qualquer lugar do mundo, que aumentam imenso a especulação imobiliária dado os valores que pagam pelas suas casas. E depois temos os imigrantes que chegam a Guimarães vindos de todo o mundo. Assim, o problema da habitação cruza com tudo isto, é absolutamente dinâmico e tem de se ir adaptando às novas realidades, tentando não deixar ninguém de fora!
É vereadora da Educação, pelouro cada vez mais poderoso. Com a municipalização do ensino, será que, no futuro, se devia chamar “Pelouro da Instrução”?
Eu não me sinto mais poderosa do que em 2013. Em primeiro lugar não há municipalização da educação, há descentralização de algumas competências na área da educação. Estamos a falar de coisas como energia nas escolas do 2º e 3º ciclos e secundárias ou as refeições destes níveis de ensino!
E jamais (vinco o jamais) um “Pelouro da Instrução”, mas sim um Pelouro de Equidade, que através da Educação consegue abrir horizontes a todos os nossos jovens, consegue dar-lhes o que a família não consegue, integrá-lo na cidade, no território, agir sobre ele, ser um cidadão participativo e construtivo! Isso é o que a Câmara tem feito com as escolas, tem oferecido aquilo que as escolas têm mais dificuldade em fazer: na transição digital, nas plataformas de ensino e aprendizagem, nos projetos ambientais e participativos, na programação cultural e de visitas e estudo!
Eu gosto muito do conceito das Cidades Educadoras (das quais Guimarães faz parte) e este é o grande desafio para a Educação e para a Cidade. E este desafio envolve toda a população, não só a população estudantil e será verdadeiramente o que vai alterar a cidadania e o entendimento de muitos cidadãos!
Que desafios enfrentam hoje as escolas ?
As escolas têm inúmeros desafios: um deles é a enorme vaga de crianças migrantes que entram repentinamente nas nossas escolas, vindas de todos os lugares do mundo. Estamos a receber russos fugidos à guerra, com muitas crianças, muitas sem falarem inglês e a aceitação e integração está a ser excelente!
O desafio da transição digital é o de se perceber que os nossos alunos pensam de forma diferente, aprendem de forma diferente e a tecnologia não está ali per si, mas como mediador, como facilitador no acesso à informação e à sua transformação em conhecimento.
E, entre muitos outros, acrescento outro desafio que se apresenta às escolas e também à Câmara: a infantilização das nossas crianças. O deixar a criança em frente à escola, tenha 6 ou 16 anos. O assumir que o menino não come fruta porque não gosta e não tem que a comer. As queixas contínuas de atividades que a escola sempre fez! Os pais precisam estar em contacto com a escola, mas precisam deixar o seu filho (a) crescer, aceitar novos desafios e isto não está a ser fácil!
“O coronavírus acentuou a disparidade de oportunidades educacionais e tecnológicas, a ponto de constituir-se uma “catástrofe educativa” como afirmou o Papa Francisco ?
Eu não falaria em “catástrofe educativa” porque acho que as escolas foram muito ágeis, em articulação com a câmara, e rapidamente o ensino à distância foi uma realidade! Uma realidade que começou com muitas debilidades e que foi mudando e melhorando ao longo dos dois anos!
Não sendo a tal catástrofe, teve efeitos muito grande, principalmente nos mais pobres, nos meninos e meninas que não tinham pais qualificados para os ajudarem em casa, nos trabalhos e no estudo. E isso foi muito visível no regresso à escola, as competências perdidas pelos alunos das escolas mais favorecidas foram muito inferiores àquelas das escolas mais periféricas. Mas teve uma enorme vantagem, mostra que a Escola faz a diferença, que o contexto socioeconómico e familiar não é uma fatalidade, a escola tem capacidades, e tem-no feito, de ultrapassar estes preditores de insucesso!
No Pacto Educativo Global o Papa Francisco advoga que uma “educação frutuosa só é possível com a colaboração conjugada de todas as instituições ou associações”. Entrevê a possibilidade de articulação entre Estado e Igreja para fins educativos?
Continuo a achar que nós devemos reforçar que a Escola é laica. E se isto era válido numa escola em que mais de 99% eram católicos, hoje já não é assim! Temos já crianças e jovens de múltiplas religiões. A articulação teria de ser em campos muito próprios e muito comuns às várias religiões. Acredito que o conceito de paz, de tolerância, de ajuda ao próximo estará presente nas várias religiões. Mas a escola tem de assumir e trabalhar estes conceitos de formação pessoal na linha do “Outro” e não numa linha de um Deus. Eu tenho de conseguir que as crianças sejam tolerantes em relação ao colega, aos familiares, a uma pessoa pública, porque a tolerância nos faz ser melhores, nos faz entender os outros. Mas isto independentemente da religião X ou Z, que pode, obviamente, nos seus próprios espaços e tempos, trabalhar estes mesmos conceitos (e que o faz!)
O que nos oferece, concretamente, a Educação e Cultura do Eixo Atlântico, que preside?
O Norte de Portugal e a Galiza são duas áreas muito próximas, com muita história comum e que só ganha se se juntar. A Educação e a Cultura são, como em qualquer ligação territorial, aquilo que realmente traz mudanças. Hoje levamos a nossa Cultura com muita facilidade às cidades galegas e assim recebemos os deles. Lugo será Capital da Cultura do Eixo em 2023 e lá teremos artistas nossos, escritores, partilhas a vários níveis que depois terão efeitos no Turismo, no investimento, nas políticas públicas.
A Educação parte desse princípio, temos tentado aprender uns com os outros. Por exemplo ao nível da pobreza extrema das crianças, Portugal dá uma resposta muito maior e ainda mais evidente no Norte de Portugal. Temos agora um projeto de intercâmbio em que uma turma de Guimarães recebe uma turma de Santiago de Compostela, apresenta a cidade e depois fazem o reverso. Isto é de um crescimento enorme para os nossos meninos e para as cidades.
Guimarães pode afirmar-se e diferenciar-se, através da educação, como um concelho de referência ? Como se constrói esse caminho ?
Eu acho que Guimarães já se assumiu como um concelho de referência na Educação. A nossa educação pelas artes, desde os 3 anos, para todos, não tem comparação a nível nacional. O nosso projeto desportivo com as escolas, com todas as escolas, não tem outro semelhante, em cidades ao nosso nível. O mesmo podia dizer do programa PEGADAS, que tem feito verdadeiros milagres na consciencialização das nossas crianças para as questões ambientais, ou o EDUCABICLA que há 6 anos ensina todos os alunos do 6º ano a andar de bicicleta (projeto agora agarrado pelo Ministério da Educação). Por isso, Guimarães serve de inspiração para muitas políticas educativas e é já uma referência, havendo ainda muito caminho para andar!
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[Conteúdo produzido pelo Jornal O Conquistador, publicado em parceria com o Jornal de Guimarães. Entrevista da edição de novembro de 2022 do Jornal O Conquistador.]