skipToMain
ASSINAR
LOJA ONLINE
SIGA-NOS
Guimarães
24 novembro 2024
tempo
18˚C
Nuvens dispersas
Min: 17
Max: 19
20,376 km/h

ENTREVISTA | “Desde 2014 que o Paço dos Duques precisa de 15 a 16 milhões”

Tiago Mendes Dias
Cultura \ domingo, janeiro 28, 2024
© Direitos reservados
Novo ano, nova orgânica na gestão do património cultural e fim de um ciclo em que Isabel Fernandes se consagrou como rosto dos principais museus e monumentos de Guimarães

Ao fim de quase 25 anos no Museu de Alberto Sampaio e de uma década na Colina Sagrada, chegou a hora de se reformar. Portuense de nascença, regionalista por convicção e vimaranense de coração, a historiadora e conservadora vê com pena o fim da Direção Regional de Cultura do Norte, mas descarta qualquer receio quanto à Museus e Monumentos de Portugal, sem deixar de sublinhar a necessidade de obras no Paço dos Duques.

Aos 66 anos, Isabel Fernandes promete dedicar-se com mais afinco à cerâmica e passar tempo com a família, sem deixar de andar por aí, a sentir o pulso a uma “cidade que apaixona”.

  

Quem era Isabel Fernandes quando chega a Guimarães em 1999 e quem é hoje Isabel Fernandes? Que transformações opera na cidade e se operam em si nestes 25 anos?

Quando cheguei a Guimarães, era casada - e continuo a ser - e mãe de três filhos. Agora sou casada, mãe de três filhos e avó de cinco netos. A nível pessoal, é uma mudança grande. Sou do Porto, fiz o meu curso de conservadora de museu em Lisboa e terminei-o em 1983. Comecei imediatamente a trabalhar na Câmara Municipal de Barcelos. Aí trabalhei no Museu de Olaria por 15 anos, fiz uma bolsa de doutoramento e vim para aqui. A olaria continua a ser a minha área de investigação. O Museu de Alberto Sampaio é um museu de arte sacra, completamente diferente daquilo a que estava habituada. Gostei muito de estar em Barcelos, mas adoro Guimarães. Ao fim destes anos todos, sou uma vimaranense de coração. Esta é uma cidade que apaixona, onde dá gosto trabalhar, onde me dou bem com todas as instituições. Quando desenvolvemos o xadrez no museu, em parceria com o meu marido que é xadrezista, organizámos uma atividade e precisávamos de cadeiras. Disseram-nos que o Cineclube as tinha. Sem conhecer ninguém, fomos lá bater à porta. Esta é uma cidade onde trabalhamos para a mesma causa e que acolhe bem os de fora. Há o ditado que diz que Guimarães é "má mãe e boa madrasta". Não percebo porque é má mãe, mas percebo porque é boa madrasta.

 

Como surgiu a oportunidade de dirigir o Museu de Alberto Sampaio?

Concorri a um concurso público para a direção do Museu de Alberto Sampaio. Estive lá desde 28 de junho de 1999 até ao final de 2010. Depois, meti uma licença para terminar o doutoramento. Quando vim para cá, tinha interrompido o doutoramento. Como tive um problema de saúde, tive medo do stress da Capital Europeia da Cultura. Tinha três filhos a estudar, marido e decidi que a vida pessoal era mais importante. Voltei no final de 2012, como técnica. Quando reentrei em 2012, a tutela já era da Direção Regional de Cultura do Norte. Em 2014, concorri de novo e assumi a direção do Museu de Alberto Sampaio, do Paço dos Duques de Bragança, do Castelo de Guimarães e da Igreja de São Miguel. 

 

Quais as principais transformações vividas no seu primeiro período como diretora do Museu de Alberto Sampaio? A coleção já estava perfeitamente estabelecida à época...

A coleção do museu é fechada. Ao longo destes anos, foi entrando espólio industrial, à espera de que a Câmara venha um dia a ter um museu da indústria. Entrou por exemplo uma coleção de cutelaria que a Associação Comercial e Industrial de Guimarães quando foi extinta. Vamos comprando, com o apoio da Associação de Amigos, alguma ourivesaria de Guimarães. Além disso, houve obras na cobertura e na museografia do segundo piso. No primeiro, vamos ter obras. Quando entrei para o museu, tínhamos 15 mil visitantes por ano. Agora temos andado pelo menos nos 70 mil. De resto, fomos tendo publicações e desenvolvemos os teatros de marionetas. Desenvolvemos trabalho com as escolas. A Rosa Maria Saavedra, já reformada, era uma excelente técnica de serviço educativo. Com ela, publicou-se uma série de livros infantojuvenis contando a história de Guimarães.



O Museu de Alberto Sampaio poderia ter mais visitas ou até mediatismo, face às peças de que dispõe, algumas ligadas a momentos cruciais da história de Portugal? Em "Viagem a Portugal", é digno dos maiores elogios de José Saramago, por exemplo.

Ele dizia que era o museu que mais gostava a nível nacional. O Museu de Alberto Sampaio tem uma sintonia perfeita entre o espaço e o que guarda. Muitas daquelas peças foram feitas para ali [Colegiada de Guimarães]. E tem notoriedade. Se podemos ter mais gente? Podemos. Mas o museu está muito bem, mesmo na investigação de coleções. A doutora Manuela Alcântara fez um trabalho notável [diretora de 1993 a 1999]; publicou a pintura e a escultura e estudou ourivesaria.



O Palacete Santiago surge como extensão do museu por volta da Capital Europeia da Cultura. O que tem acrescentado?

Precisávamos de um edifício para as reservas e para os serviços. Ainda não se falava de Capital Europeia da Cultura (CEC) quando o Júlio Mendes era vereador na Câmara e me disse que havia um edifício. As relações com a Câmara foram sempre ótimas. Cedeu-nos o edifício. Foi feito um protocolo e fez-se o projeto. As obras não entram em dinheiro da Capital Europeia da Cultura, mas ficaram prontas por altura da CEC. 

 

Ali têm-se realizado exposições de artistas vários, com linguagens mais modernas, até no âmbito do Guimarães Project Room. O equipamento abre horizontes ao museu? 

É assim que tem de ser. Essa abertura já vem do Museu à Noite, que se iniciou em 2000 com o João Cutileiro. Abrir permanentemente um museu à noite, em julho e agosto, não vejo em Portugal, nem em muitos sítios da Europa. É inovador. Quem gosta de arte contemporânea vai aprender a ver arte sacra. Quem gosta de arte sacra vai ver arte contemporânea. E os museus têm de ser abertos à comunidade. Quando nos vieram falar do Project Room, dissemos logo que sim. Os museus são para receber atividades diferentes, públicos diferentes.

“Para que o visitante chegue à parte mais bem conservada do Paço dos Duques, temos de tirar reservas, serviço educativo e serviços administrativos daqui. A ideia é construir um edifício enterrado aqui ao lado”

 

Em 2014, inicia o ciclo como diretora dos monumentos da designada Colina Sagrada. Que diferenças notou para o Museu de Alberto Sampaio?

O Museu de Alberto Sampaio era um museu há muitos anos [desde 1928], com inventário, coleções estudadas, preocupações de conservação e restauro, equipa formada. Quando cheguei ao Paço dos Duques de Bragança, tinha três técnicos superiores, uma carência muito grande de vigilantes. Os assistentes técnicos eram vigilantes. Não tinha uma equipa com inventário de coleções. Não quer dizer que ele não estivesse feito, com marcação de peças. Mas estudo de coleções, processos técnicos não eram de museu. O Paço dos Duques era um monumento. Neste momento, temos aqui uma equipa muito boa no serviço educativo, na conservação das coleções, na inventariação. 

 

As tarefas estão agora mais bem distribuídas, portanto?

Com o apoio das chefias na DRCN, cinco pessoas passaram para técnicos superiores. Tínhamos uma equipa de quatro técnicos superiores que agora é de nove. Mas há que dizer que o Paço dos Duques é o museu que, a nível nacional, mais visitas escolares recebe. Temos entre 40 e 50 mil crianças por ano no Castelo e no Paço dos Duques, mais do que qualquer outra instituição nacional. 

 

Uma década depois, quais os principais desafios para a Igreja de São Miguel, requalificada ao longo de 2023?

Ainda falta alguma coisa. O projeto candidatado ao Plano de Recuperação e Resiliência era a requalificação da igreja, porque tínhamos problemas de infiltração muito graves que parece estarem resolvidos. A ideia era projetar na parede da capela-mor a história do edifício e das peças que lá tinha. Nem todo o dinheiro [308 mil euros dos três milhões de euros atribuídos à Colina Sagrada pelo PRR] para a Igreja de São Miguel foi concretizado.

 

No Castelo, a segurança dos visitantes é o maior problema?

Isso vai ficar resolvido. Temos o centro de interpretação que está bem e vamos reabrir. O passadiço foi a grande intervenção a esse nível para resolver problemas de segurança. Não vai ser um edifício acessível. Já na minha direção, houve uma pessoa que se encostou à vedação e caiu. 

 

Quanto ao Paço dos Duques, o presidente da Câmara Municipal de Guimarães disse que são necessários cerca de 15 milhões de euros para o reabilitar? Concorda a estimativa?

Acho que é mais, da maneira que os preços têm subido. Desde 2014 que o Paço dos Duques precisa de 15 a 16 milhões de euros. Estamos em 2024 e vamos investir 1,4 milhões de euros do PRR no Paço. Essa verba é para resolver a melhoria da acessibilidade. Não vai mexer em coberturas, nem vai fazer a grande obra que eu queria. Não vamos resolver o problema do serviço educativo. Fica imenso por fazer. É mau o que vai ser feito? Excelente. É suficiente? Muito longe disso. 

 

Quais são então as principais necessidades do Paço? 

Por exemplo, o meu gabinete está junto à fachada traseira do Paço dos Duques, a mais bem conservada. Aqui não houve "invenções", como as pessoas dizem. O edifício mantém-se integro. Meteram uns pavimentos em cimento que antes deveriam ser em madeira. Mas a nível das divisões não houve qualquer mudança. As portas são as originais, do século XV. O meu gabinete foi o lugar onde viveu o Duque de Bragança. As pessoas não visitam os espaços de intimidade, onde viveram o duque e a duquesa, e temos de fazer com que cheguem lá. Provavelmente não vai ser possível numa cadeira de rodas, com muita pena. Gostaríamos, mas o edifício tem muitas limitações. Para que o visitante chegue à parte mais bem conservada do Paço dos Duques, temos de tirar reservas, serviço educativo e serviços administrativos daqui. A ideia é construir um edifício enterrado aqui ao lado, num jardim grande, à direita de onde entramos para o Paço. Tem 900 metros quadrados. Todo o processo teria de ser acompanhado de escavações arqueológicas, mas trata-se de uma zona que era de declive, não de construção.

 

Sem destruir nada de antigo, então?

Iríamos ter um serviço educativo em condições. Uma cadeira das modernas dificilmente entra na nossa sala do serviço educativo. Não pode ser. Os museus têm de ser acessíveis. A parte expositiva já pode ser visitada em cadeira de rodas. Mas a sala do serviço educativo tem portas estreitas e várias rampas. Temos de mudar. Iríamos ficar com um espaço fantástico. E há o anteprojeto para isso. Por isso, precisávamos dos tais 14 a 15 milhões há 10 anos. 

 

Mas os 15 milhões seriam só para esse projeto?

Não. Seriam para tudo. 

 

Com essas áreas visitáveis, tem ideias do que iria ser exposto?

Tenho, mas não vou dizer. Estas coisas nunca são o diretor e a equipa que decidem. É o diretor, a sua equipa, as condicionantes do edifício, os arquitetos e os engenheiros. Tudo é discutido. A ideia que tinha para aqui obrigava a ir buscar coleções a outros sítios.

 

Crê também que o eventual acesso à ala onde vivia o Duque de Bragança pode ajudar a desmistificar a ideia de que a requalificação em meados do século XX fere a autenticidade do monumento?

Havendo alguma remodelação, teria de haver um espaço para contar a história do Paço, desde a sua origem até à requalificação. O arquiteto que vai fazer a requalificação no piso expositivo queria muito fazer isso, mas não podemos. Parte dos serviços teriam de sair daqui. O que é que as pessoas querem quando vêm ao Paço? Isto é uma casa senhorial. As pessoas querem conhecer a casa. Temos de lhes dar a conhecer a casa, mas também a história da casa. Em algum sítio, teríamos de ter essa história.

 

Que balanço faz da gestão do Paço dos Duques e do Museu de Alberto Sampaio sob alçada da DRCN?

Quando mudámos da administração central para a administração regional, houve muita gente que dizia que vai ser péssimo. Eu ponho-me sempre numa postura de que não sabemos: "Vamos ver". Estes últimos anos, de consolidação da DRCN, foram excelentes. Deveríamos manter-nos a nível regional. Tive orçamento próprio pela primeira vez em 2023: tirando o pessoal, foi de 300 mil euros. Fizemos um plano de atividades, como numa empresa. É uma pena a DRCN acabar. Se mudar para EPE vai ser mau? Não sei. Estou esperançada que corra bem. O Paço dos Duques ter um diretor e o Museu de Alberto Sampaio outro é uma mudança positiva.

 

Deixa de ser diretora do Paço dos Duques e do Museu de Alberto Sampaio com o arranque da Museus e Monumentos de Portugal EPE. Tem receios quanto ao novo modelo de gestão? 

Não tenho receios. Até me parece que estão a estruturar bem, mesmo sendo eu uma regionalista convicta, com pena de que isto não fique numa estrutura regional, como a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional, sempre com tutela governamental.

 

A Câmara Municipal de Guimarães mostrou-se apreensiva com o novo formato e defendeu que a tutela dos monumentos estivesse na alçada do município…

Sei que a Câmara pretendia ficar com estes equipamentos culturais. E não me parecia uma má perspetiva...

 

Seria muito mais rápido lançar as obras? 

Exatamente. Estamos a falar de uma Câmara que, num ano, aplica mais de 10 milhões de euros no Teatro Jordão. As obras seriam rapidamente lançadas e depois iam demorar. Na minha opinião, não podemos fechar o Paço. Fechar uma estrutura que tem perto de 400 mil visitantes é correr o risco de que os estrangeiros percam o hábito de vir cá. Se a gestão não passa para a Câmara, pode ser feita em parceria com a autarquia.

 

Quem visita os museus vai sentir as alterações?

Não. As estruturas dos museus permanecem. Os técnicos são os mesmos, as coleções são as mesmas. Muda a estrutura superior, mas os museus são os mesmos, com as suas coleções, os seus funcionários, os seus problemas. O visitante não vai sentir diferenças. Até pode sentir que algo vai ficar melhor.

 

A sua carreira enquanto gestora do património cultural termina agora. Há algum feito de que se orgulhe particularmente? E o que a deixa com pena de não ter concretizado? 

Tenho uma mágoa enorme com uma pessoa que prezo muito, a quem prometi que iria fazer uma exposição e, com a idade a avançar, me esqueci completamente. Marquei outra por cima. Foi uma coisa que me deixou sem dormir vários dias. Foi no Museu de Alberto Sampaio. De resto, ficaram imensas coisas por fazer. Mal era se não houvesse.

“Muda a estrutura superior, mas os museus são os mesmos, com as suas coleções, os seus funcionários, os seus problemas. O visitante não vai sentir diferenças. Até pode sentir que algo vai ficar melhor”

Mas alguma que se destaque? 

Tenho pena de não poder concretizar as obras no Paço dos Duques.

 

E as coisas de que se orgulha?

Orgulho-me de ter cumprido uma missão pública nestes anos todos. Tudo o que fiz nunca foi em proveito próprio ou para me dar nome. Tenho como lema da minha vida pessoal e profissional: "Quanto mais se dá, mais se recebe". Foi sempre a minha postura. Estamos aqui para trabalhar para o visitante e com a comunidade. E para guardar para o futuro as coleções.

 

Prestes a reformar-se, está pronta para voltar à cerâmica e ainda à vida familiar, talvez sacrificada no passado?

Nunca deixei a cerâmica. Continuei a fazer artigos científicos, a publicar, a ir a congressos, porque a investigação dá-me uma paz interior enorme, de que preciso para contrabalançar o stress diário dos museus. Faço parte de um centro de investigação da Universidade do Minho, e é a isso que me vou dedicar. Com a reforma, também quero ter mais tempo para a geração acima de mim e para os cinco netos. Não vou tomar conta deles, mas estou pronta a ajudá-los. E vou passear.

 

Sendo a cerâmica a área de investigação da Isabel, como vê a requalificação dos fornos da olaria na Cruz de Pedra? 

Tenho acompanhado o projeto. A empresa que está a fazer a obra tem-me pedido apoio. Foi aberto o concurso para um oleiro e as obras estão quase a terminar. 

 

Esta requalificação pode dar a conhecer melhor a Cantarinha dos Namorados? A peça justifica-a? 

Sim. O único sítio em Portugal onde a mica é utilizada de modo tradicional é Guimarães. É bom manter isso e ter lá o oleiro a trabalhar. O projeto está interessante. 

 

E que contributos ainda poderá dar a Guimarães como cidadã? Vislumbra algo particularmente em falta neste território?

Já tenho dado apoio aos Bombeiros Voluntários de Guimarães. O presidente disse-me: "Vai estar na reforma, mas não me vai deixar de apoiar". Tenho dado apoio à Igreja de Nossa Senhora da Oliveira. Faço parte da Comissão da Comemoração dos 900 da Batalha de São Mamede. E, fora de Guimarães, vou apoiar o museu de Cabeceiras de Basto. Ainda como diretora do Museu de Alberto Sampaio, a Câmara de Cabeceiras pediu-me apoio. Será um contributo a um museu mais pequeno, com outros públicos e necessidades.

 

Guimarães mudou definitivamente com a CEC ou a terra que encontrou há um quarto de século pouco se alterou?

Ser Património Mundial da Humanidade em 2001 e CEC em 2012 faz bem a qualquer cidade. Há sempre coisas a melhorar, mas a cidade tem vida cultural, associações culturais importantes. Mas mal é se estamos contentes. Temos sempre de procurar mais: "Triste de quem vive em casa / Contente com o seu lar / Sem que um sonho no erguer da asa / Faça até mais rubra a brasa / Da lareira a abandonar!", Fernando Pessoa.

Podcast Jornal de Guimarães
Episódio mais recente: O Que Faltava #83