Em 10 anos, CIAJG fez a afirmação artística. Falta ser “espaço de vivência”
Da soleira da porta, avistam-se figuras, cores, números familiares: é com a linguagem do artista que lhe deu a razão de ser como é que o Centro Internacional de Artes José de Guimarães dá as boas-vindas a quem o visita neste verão. A sequência de verdes, amarelos e vermelhos, pretos e brancos, corações envolve a homenagem a Salette Tavares, poetisa que faria 100 anos em 2022: “corre-me sangue destino/destino de meu corpo/morto de sonho menino/sem sentir nenhum porto”, lê-se.
Esta é a face de Quasi-manifesto, o quarto da vida artística deste criador – segue-se a Arte Perturbadora (1968), A Ratoeira (1984) e Esta cultura faz-nos velhos (1999). José de Guimarães fê-lo em resposta a um desafio do museu a que dá o nome, num tempo em que se assinalam os seus 10 anos. E que 10 anos foram esses? O caminho traçado desde 24 de junho de 2012, data de inauguração, em plena Capital Europeia da Cultura (CEC), é demonstração da “afirmação entre a comunidade artística” e pela Universidade do Minho (UMinho), defende a coordenadora artística.
“O CIAJG é um espaço muito querido, elogiado e amado pela comunidade artística”, salienta Marta Mestre ao Jornal de Guimarães. “Isso vê-se pela confiança que os artistas depositam no projeto, quando os convidamos. E a cada ciclo expositivo, alteramos tudo e temos exposições inéditas, num trabalho de grande fôlego que tem de caber num orçamento muito limitado”.
Na maior parte da década inaugural, o trabalho de “afirmação artística no plano nacional” esteve a cargo de Nuno Faria, coordenador do equipamento gerido pela Oficina até 2019, ano em que deixou a função para se tornar diretor artístico do Museu da Cidade, no Porto. Nesse tempo, passaram pelo centro de arte contemporânea obras de artistas como Rui Chafes e Julião Sarmento ou ciclos como aquele baseado no perspetivismo ameríndio de Eduardo Viveiros de Castro, antropólogo que deu uma conferência na Sociedade Martins Sarmento, em fevereiro de 2019.
Depois de passagens pelo Rio de Janeiro, tanto pelo Museu de Arte Moderna, como pela Escola de Artes Visuais Parque Lage, e ainda pelo Instituto Inhotim, em Minas Gerais, a historiadora da arte começou a trabalhar no CIAJG no último quadrimestre de 2020. Ao fim de pouco mais de um ano, vê na aproximação ao “território e à comunidade” o grande desafio para a segunda década daquele espaço.
“Além de um espaço de exposição, o CIAJG tem de ser também um espaço de vivência. Para isso, seria fundamental termos um café cá dentro e uma livraria em condições para recebermos as pessoas”, reitera, lançando possíveis atalhos.
Embrenhada sobretudo nos ciclos expositivos, todos “criados internamente”, a equipa do CIAJG gostaria de ter mais tempo para “criar outras ocupações para o espaço”, sejam elas formações, workshops artísticos ou inciativas que ali concentrem lançamentos de livros, em colaboração com a equipa de Educação e Mediação Cultural da Oficina, detalha Marta Mestre.
Apesar dos espetáculos realizados na black box e de estar em curso o Triangular – projeto que envolve o CIAJG, o Centro para os Assuntos de Arte e Arquitetura e a Escola de Arquitetura, Arte e Design da UMinho -, a coordenadora gostaria que se “gerassem vivências para além das exposições”. O atelier comunitário, com abertura prevista para outubro, pode ser um passo nesse sentido. “Vamos abri-lo no piso -1, atualmente ocupado pela carpintaria. Vamos fazer daquele um espaço de uso permanente dos alunos e de algumas solicitações dos laboratórios criativos”, revela.
Mais recursos precisam-se. Mecenato é uma das sugestões
Os visitantes do CIAJG são poucos, confessa Marta Mestre. E os museus atravessam “uma crise transversal”, relacionada com “a falta de financiamento estrutural”. Essa foi precisamente uma das questões levantadas no debate de 18 de maio, com o arquiteto Nuno Grande, o cineasta Eduardo Brito e o engenheiro Carlos Bernardo, envolvido na criação do centro de arte contemporânea de Guimarães.
A falta de financiamento estatal ao CIAJG veio de novo à tona: ao contrário do Centro Cultural de Belém, construído no âmbito da Capital Europeia da Cultura de 1994, em Lisboa, e da Casa da Música, edificação que simbolizou o Porto 2001, o espaço vimaranense ligado à CEC não tem recebido qualquer verba do Governo; a exceção foram os 300 mil euros de 2018.
Desprovido de financiamento, o centro de arte contemporânea dispõe de 270 mil euros ano para programação, manutenção e assistentes de salas, estima Marta Mestre. Conclui-se, portanto, que é preciso mais.
“O CIAJG necessita de ampliar os seus recursos. Essa foi uma constante dita no próprio debate. É necessário que este projeto caminhe para outras fontes de financiamento, reforçando e musculando a sua atuação”, vinca.
Para além do financiamento estatal, já discutido nos órgãos municipais, Marta Mestre aponta a “diversificação das fontes de financiamento” como caminho para robustecer a ação do museu. Ainda “ténue em Portugal”, o mecenato é uma das sugestões.
“Enquanto pessoa que atuou noutros contextos e países, é é possível percorrer um caminho nesse sentido de reforço dessas verbas, não ficando na exclusiva dependência do município ou da própria Direção-Geral das Artes (…). Não temos essa cultura, mas há que pensar nos apoios privados”, aponta.