“Do universal ao local”: Festivais Gil Vicente dão palco a jovens criadores
Como é hábito, os Festivais Gil Vicente regressam em junho, com seis encenações. Se, em 2021, se procurava um "novo começo" na ideia de fim, ainda sob o espectro da pandemia, a 34.ª edição, marcada para 02 a 11 de junho, quer explorar “novas vozes” e “novas dramaturgias” que pensem e sintam as “matérias fraturantes” do mundo a partir de Guimarães, vinca Rui Torrinha, programador de um cartaz que arranca com Tratado, a Constituição Universal, uma obra de Diogo Freitas, encenador de Vila Nova de Famalicão, em estreia absoluta no Centro Cultural Vila Flor.
Essa proposta, “arriscada”, vinca Rui Torrinha, sugere “uma nova organização a partir de um dispositivo que convida as cidadãs e os cidadãos a votarem num regime à sua escolha”, evocando uma relação entre “o caos” e a “nova organização universal”. A outra estreia absoluta decorre precisamente no dia seguinte, sexta-feira 03, sendo uma “viagem do universal ao local” da autoria de Sara Inês Gigante, encenadora de Viana do Castelo e finalista da bolsa Amélia Rey Colaço. Com Massa Mãe, a criadora explora as tradições do Minho, a “forma como elas representam” os seus habitantes e “definem a sua identidade”.
A primeira semana dos Festivais Gil Vicente encerra no sábado, 04, com O Limbo, obra de Victor de Oliveira até agora apresentada por uma vez em Portugal. Nascido em Moçambique e radicado em Paris, o encenador explora, através de uma “forte componente visual”, em vídeo, temas como a “diferença” e o “colonialismo”.
O pano volta a subir a 09 de junho, inspirando-se os intérpretes no cinema de Jean-Luc Godard. Depois dos espetáculos de 2021, no Centro Cultural de Belém, a companhia Auéééu apresenta O Desprezo, obra alusiva ao filme homónimo de 1963, com os seus jogos de cores trasladados para os atores em cena.
“O amarelo significa o divino e o dinheiro, o azul claro as referências clássicas, e o vermelho a ferocidade das forças de produção, o verde serve os indecisos e as indecisões, e o azulão a reunião das ficções. Sendo o branco a junção de todas as cores, esta é a cor que veste a intersecção e o domínio de todos os planos da cena”, refere a companhia, na apresentação oficial da obra.
A condição feminina é a protagonista do desenlace do festival: a 10 de junho, o CCVF acolhe Another Rose, a obra que venceu, em 2021, a quarta edição da Bolsa Amélia Rey Colaço, fruto de uma parceria entre o Teatro Nacional D. Maria II, de Lisboa, o Teatro Viriato, de Viseu, o Espaço do Tempo, de Montemor-o-Novo, e a Oficina. A partir do trabalho com o grupo ativista Gulabi Gang, na Índia, a encenadora Sofia Santos Silva tenta evocar em palco a “emancipação das mulheres num contexto de violência”, num “diálogo entre ocidente e oriente”, esclareceu ainda Rui Torrinha.
No dia 11, o espírito das Novas Cartas Portuguesas, obra cinquentenária de Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa sobre as limitações da mulher e a guerra colonial, é o combustível de Ainda Marianas, encenação de Catarina Rôlo Salgueiro, Leonor Buescu e do coletivo Os Possessos que estreou em abril, precisamente no Teatro Nacional D. Maria II.
O bilhete geral para os espetáculos custa 30 euros, estando ainda disponível um passe de 15 euros para três espetáculos. Com um orçamento de 55.000 euros, os Festivais Gil Vicente são organizados pela Oficina e pelo Círculo de Arte e Recreio (CAR), associação fundadora.
Presente na conferência de imprensa, a presidente do CAR, Filipa Pereira realçou que a associação está “mais no backoffice”, mas pode vir a ter programação na Sala de Teatro Santos Simões. Rui Torrinha esclareceu que as “características técnicas” de salas como o CCVF são fundamentais para os espetáculos, o que não quer dizer que o festival não possa vir a ter “vários níveis”, que o espalhem mais pela cidade.