Da visibilidade às verbas: futuro do CIAJG (e o que falta) esteve em debate
Os vértices e arestas do Centro Internacional das Artes José de Guimarães (CIAJG) erguem-se, imponentes, sobre a Plataforma das Artes, mas nem sempre à vista dos transeuntes na Conde de Margaride e na Paio Galvão, separados pelas fachadas de Marques da Silva, criadas para o antigo mercado.
E a procura de soluções para se dar mais visibilidade – e visitantes - ao equipamento âncora da Capital Europeia da Cultura, abrigo de uma das coleções permanentes de José de Guimarães e das exposições que tentam com ela dialogar, foi um dos dínamos da noite de quarta-feira na black box.
Da necessidade de se esbaterem fronteiras entre a coleção no interior e a praça no exterior à presença crescente nos roteiros turísticos e ao posicionamento como lugar para se pensar o colonialismo, até pelas origens da coleção permanente – arte chinesa, arte africana e arte pré-colombiana -, tudo coube em “Um museu na cidade”, painel com Carlos Bernardo, Nuno Grande e Eduardo Brito, moderado por Samuel Silva, que encerrou o programa do CIAJG para o Dia Internacional dos Museus.
Antigo vice-reitor da Universidade do Minho (UMinho) e um dos principais responsáveis pelo desenvolvimento do campus de Azurém, Carlos Bernardo teve a primeira e a última intervenção do debate, lembrando o processo na origem do centro de arte contemporânea de Guimarães, anterior à própria distinção do território como Capital Europeia da Cultura, anunciado em 2006 e confirmado em 2009.
“Se eu tivesse que pensar na minha cabeça o começo disto tudo, lembrar-me-ia de Bia Lessa, com a Casa da Cultura de Paraty [Brasil]. Inspirou-me que qualquer coisa poderia ser feita em Guimarães”, lembrou, a propósito da produtora teatral e curadora brasileira que esteve depois na conceção da Casa da Memória.
A visita de 2006 ao Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, com José de Guimarães, foi outro passo na congeminação de um novo espaço artístico para a cidade-berço, que poderia até afirmar-se no cruzamento com as tecnologias e com os meios digitais, áreas de formação que predominam no campus universitário vimaranense.
“A importância da parte artística para uma cidade com um campus tecnológico era uma batalha interessantíssima”, disse. “A ligação entre as duas coisas poderia ter trazido algo diferente. Não fomos por aí, mas fomos por um caminho que, a meu ver, também é bom", frisou o professor catedrático, antigo docente do Departamento de Engenharia de Polímeros da UMinho.
Confrontado com o facto de 2018 - o último ano para o qual se conhecem números – ter tido 7.700 visitantes às exposições (cerca de 16 mil com os demais eventos) - um estudo para a CEC 2012 previa 37 mil visitantes por ano em 2022 -, Carlos Bernardo sugeriu a criação de “uma narrativa” que ligue os monumentos evocativos do passado – Castelo e Paço dos Duques – e do futuro, atraindo “público pagante internacional”, em interligação com “agentes de viagens” e “agentes turísticos”. O reforço da coleção permanente com mais espólio de José de Guimarães foi outra das propostas.
Ao lado, Nuno Grande, arquiteto envolvido na programação de Porto 2001 e Guimarães 2012, a seu ver um sucesso “numa conjetura de crise”, sugeriu uma “maior relação” do programa expositivo com a Plataforma das Artes, “lugar de cruzamento” privilegiado “pelas jovens gerações” e não “multigeracional”. “Faz falta levar o cubo branco para a praça e a praça para o cubo branco", realçou.
Convencido de que os cursos da Escola de Arquitetura, Arte e Design são uma oportunidade para o centro “interagir” com o tecido formativo, o autor portuense vincou que o CIAJG deve apostar em eventos que se cruzem com a visão do acervo de José de Guimarães – visitas orientadas e eventos de artes performativas e de música voltados para a “história da relação cultural com o outro. "Lisboa tem salvado a sua cultura com festivais de bairro, de rua", disse, a título de exemplo.
A inserção de notas historiográficas e etnográficas junto às peças pode também atrair público que se interessa por história e até visitantes dos países onde essas obras de arte se criaram, abrindo espaço à reflexão sobre colonialismo.
“A primeira pessoa que se vê é um segurança”
Já Eduardo Brito, fotógrafo e realizador de cinema que, em 2012, esteve a cargo do programa Reimaginar Guimarães, elogiou a programação artística do CIAJG, as visitas das escolas e o trabalho para atrair público da Galiza, tendo avisado que a comparação com as visitas ao Castelo e ao Paço dos Duques de Bragança – 154 mil visitas em 2018 – é desadequada.
O artista realçou, porém, que o centro de artes é “um espaço muito ambíguo”, pela “fratura” que subsiste com as memórias do mercado antigo e por algumas ironias logísticas. "É um museu que tem de dizer onde é a porta. E depois há esta lógica muito estranha em que a primeira pessoa que se vê é um segurança. Ter um securita a olhar-nos nos olhos não é a entrada mais confortável”, alertou.
Apesar de ser um “espaço onde gosta de voltar”, o vimaranense reconhece que “algo parece falhar”. Para se combater essa falha, acrescenta, é “importante humanizar” o museu e a praça, ganhando “uma comunidade de pessoas que gostam de ir” ao CIAJG. "Cada vez mais os teóricos falam de se dessacralizar os museus e de os tornar espaços de sensações, de experiências, em que nos reconhecemos como comunidade", disse.
Entre os contributos do público a que assistiu, ouviu-se falar da quebra “da fronteira estabelecida” pelo museu, com peças oriundas de outros continentes que podem suscitar uma reflexão sobre o colonialismo, da organização de eventos que reúnam a comunidade, do próprio nome, CIAJG, "difícil de comunicar", e ainda do financiamento estatal, no caso do CIAJG, inexistente. Em quase 10 anos de existência, a infraestrutura só recebeu uma verba do Governo em 2018, de 300 mil euros.
"Temos de nos comprometer a pressionar o poder central. Como é que se consegue pressionar Lisboa a ceder? Como é que, como comunidade, podemos agir para que está pressão tenha alguma eficácia?”, indagou Eduardo Brito.