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ENTREVISTA | D. José Cordeiro: “Pedir perdão não é suficiente”

Redação
Sociedade \ quinta-feira, março 30, 2023
© Direitos reservados
Sem contemplações, afastou um padre suspeito de abusos sexuais e quer criar uma cultura de cuidado e transparência nas instituições da Arquidiocese de Braga.

Depois de ter assumido que sentia “vergonha e humilhação” pelos abusos ocorridos dentro da igreja, D. Jose Cordeiro, Arcebispo Primaz de Braga, em entrevista exclusiva a O Conquistador, volta a pedir perdão às vítimas e assume a disponibilidade para adotar medidas de reparação e acolhimento.

Reconhecendo que a Igreja vive um tempo difícil, mas revelando esperança no futuro, D. José Cordeiro alerta que a chaga da violência das crianças e pessoas vulneráveis é transversal a toda a sociedade. Recém-chegado à Arquidiocese de Braga, o prelado, de 55 anos, evita falar da luta entre “conservadores” e “progressistas” que ocorre na Igreja Católica.

 

ENTREVISTA E FOTOS: José Luís Ribeiro e Esser Jorge Silva

 

Como avalia o relatório da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica Portuguesa?

Antes de mais, assumindo toda a dor das vítimas, testemunhada no relatório elaborado pela ex-Comissão Independente solicitada pela Conferência Episcopal Portuguesa (CEP). Ao pedir perdão a todas as vítimas, que corajosamente deram o seu testemunho, reforço o compromisso de criar uma cultura de cuidado e transparência nas instituições da nossa Arquidiocese. Saliento e agradeço ainda o empenho de todas as pessoas que diariamente trabalham pela instauração da justiça e da paz na construção do bem comum.

 

O relatório admite, “no mínimo”, 4.815 crianças abusadas. Como encara o Arcebispo de Braga e Primaz das Espanhas esta realidade?

É uma realidade dramática desde 1950 até hoje. Todos temos que nos envolver em programas de preparação para ambientes seguros e que deverão ser aplicadas a todas as comunidades e serviços arquidiocesanos.

 

A Igreja anunciou apoio às vítimas, mas é relutante em admitir a atribuição de indemnizações. Qual é a sua opinião?

Estamos comprometidos com todas as formas de reparação e de acolhimento, conforme o comunicado do Conselho Permanente da CEP (14 de março 2023): «reafirmamos a nossa disponibilidade para acolher e escutar as vítimas que o desejarem e mantemos o firme compromisso de assumir as nossas responsabilidades e disponibilizar às vítimas todas as ajudas necessárias para o seu acompanhamento espiritual, psicológico e psiquiátrico, e outras formas de reparação do crime cometido».

 

Que caminho sugere para a Igreja sair desta encruzilhada?

Seguir atrás de Jesus Cristo, com uma conversão pessoal, pastoral e missionária. A centralidade de Cristo cria atitudes da cultura do cuidado com todos, especialmente com as crianças e os mais vulneráveis. Comprometo-me a encontrar pessoalmente com as vítimas que o desejem e a tomar medidas de reparação e acolhimento. Estamos num ponto sem retorno para proteger as vítimas e garantir a segurança e confiança nos vários ambientes eclesiais.

 

Depois da Irlanda, Estados Unidos, França, Espanha, Alemanha, Austrália, pode-se falar num padrão de pedofilia desenvolvido no interior da igreja Católica? 

Infelizmente, a chaga da violência das crianças e pessoas vulneráveis é transversal a toda a sociedade onde a Igreja se insere. Assumimos na Arquidiocese a “tolerância zero” perante as situações de abusos sexuais, de consciência e de poder. A Igreja ferida e fragilizada tem o seu fundamento em Cristo vivo que nos quer vivos e nos renova na proximidade concreta da humanização da humanidade.

 

Esta realidade pode obrigar a igreja a introduzir uma espécie de controlo interno quanto à averiguação psicológica dos sacerdotes?

Penso que se deverá criar um curso obrigatório interdisciplinar (jurídico, sociológico/comunicacional, psicológico e criminal) na formação dos seminários. Os seminaristas não poderão ser ordenados sem uma preparação que os ajude a reconhecer situações de perigo de abuso e como comportar-se diante das situações, criando-se um ambiente seguro para as crianças nos espaços da paróquia e da Arquidiocese.

Em 1996, partindo de uma investigação em Espanha que diziam ter correspondência em Portugal, o livro "A vida sexual do clero", denunciava práticas de abuso sexual de menores. Passaram 27 anos ... não é tempo a mais?

As boas práticas que estejam a ser desenvolvidas, dentro e fora do país, nas dioceses, movimentos e institutos de vida consagrada, bem como da sociedade civil, têm de ser dadas a conhecer aos agentes da pastoral, especialmente aos pastores da Igreja. Temos de assumir um Manual de procedimentos que concretize a política de “tolerância zero” com consequências práticas imediatas sempre que um caso de abuso aconteça.

 

Às dioceses que impediram párocos de exercer, contrapõem-se Bispos defendendo a presunção da inocência dos mesmos padres. Esse é o resultado da luta entre “conservadores” e “progressistas”?

Cada Bispo na sua Diocese, com os dados que dispõe e com as normativas canónicas e civis em vigor, saberá discernir com os organismos próprios a decisão a tomar. É preciso dar passos para promover uma nova maneira de ver as crianças, inspirada no Evangelho e na convenção dos Direitos da Criança.

 

Tem encontrado ecos desse confronto na Arquidiocese de Braga?

Em Braga, confirmamos o nosso compromisso pessoal e comunitário em acolher e escutar as vítimas, tratando todos os casos com critérios inequívocos de transparência e justiça, contribuindo para a máxima reparação possível do mal sofrido. Bem sabemos que pedir perdão não é suficiente. Já dispomos de uma equipa de profissionais para oferecer apoio psicológico, psiquiátrico, jurídico e espiritual a todas as vítimas que o solicitarem.

 

Em fevereiro completou um ano à frente da Arquidiocese de Braga. Qual é o balanço e quais os principais desafios?

É um tempo desafiante que compromete a fazer sinodalidade, contando com todos. Dou profundas graças a Deus, ao Presbitério e ao Povo Santo de Deus que peregrina nesta Arquidiocese. Vivemos um tempo difícil – uma mudança de época. Mas este é o nosso hoje e o hoje de Deus, que em Cristo se torna esperançoso. Ainda que os tempos sejam difíceis, é hora de revisitarmos com esperança as nossas raízes, a história, os trabalhos e cansaços, para saborearmos o património de fé e cultura do Evangelho. Agora, toca-nos a nós caminhar juntos para o futuro.

 

A Jornada Mundial da Juventude, que surgia como impulsionadora de um novo folgo da Igreja Católica, conseguirá resistir ao momento complexo que a Igreja Católica vive?

A Jornada Mundial da Juventude (JMJ) é uma oportunidade única e irrepetível na vida da Igreja peregrina em Portugal, especialmente na pastoral juvenil vocacional. Os jovens da JMJ são um povo de peregrinos. Antes dos dias 1 a 6 de agosto em Lisboa, ainda estamos a percorrer juntos: a feliz peregrinação dos símbolos (Cruz e o ícone mariano) da JMJ nas Dioceses portuguesas e a hospitalidade de milhares de jovens de outras dioceses do mundo, de 26 a 31 de julho. A finalidade da JMJ identifica-se com a evangelização, ou melhor, com o desejo de que Jesus Cristo esteja no coração dos jovens. Jesus Cristo é o essencial do cristianismo. Ele está vivo e quer-nos vivos! Juntos, com o Papa Francisco e com os jovens em Portugal, auguramos uma etapa decisiva para a coragem da esperança.

 

"5 respostas rápidas"

1. Sugestão gastronómica?

Cozido à transmontana

2. Que livro está a ler?

Estou a revisitar um texto do Papa Francisco: a exortação Apostólica Pós-Sinodal CHRISTUS VIVIT aos Jovens e a todo o Povo de Deus; estou a ler Armando Matteo, Opzione Francesco. Per uma nuova immaginazione del cristianesimo futuro.

3. A música que não lhe sai da cabeça?

A nona sinfonia de Beethoven

4. Um filme de referência?
“La vita è bella” de Roberto Benigni
 
5. Passatempo preferido?

Caminhar junto ao mar ou na montanha.

[Conteúdo produzido pelo Jornal O Conquistador, publicado em parceria com o Jornal de Guimarães. Entrevista da edição de março de 2023 do Jornal O Conquistador.]

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