Criar com falhas e partilhar à mesa: Teatro Oficina liga-se ao território
Sob a direção artística de Bruno dos Reis, convidado para liderar a companhia no biénio 2025-2026, já se encontra a dar frutos a nova programação do Teatro Oficina. A proposta destaca-se pelo incentivo ao pensamento crítico, à criação artística e ao diálogo com artistas emergentes, sempre com uma forte ligação ao território vimaranense.
"O programa lançado foi guiado em conjunto não só com os membros da oficina, mas também com uma série de agentes, artistas e alunos para tentar perceber o que pode ser uma estrutura de criação tão umbilicalmente ligada a um território como este, vastíssimo ao nível de criação artística", explicou o diretor artístico em entrevista ao Jornal de Guimarães.
Do passado da companhia são recuperadas, e moldadas, duas rubricas: o programa de leituras, ao qual oferece nova orientação, sendo o próximo evento a 15 julho, com Rebeca Cunha, em torno de "Cais Oeste", de Bernard-Marie Koltés, e o programa "Criação Crítica", redimensionado de forma a envolver o tecido internacional na criação nacional e regional.
"Acho que é tão importante estarmos em diálogo com o território como com aquilo que é o passado da oficina e nesse sentido tentamos perceber o que foi feito pelas direções artísticas mais recentes, neste caso a Sara Leitão e o Miguel Oliveira e tentamos adaptar os programas", explicou Bruno Reis.
Com o projeto "Criação Crítica", Janaina Fontes Leite, atriz, diretora, dramaturga e pós-doutoranda pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, será a primeira artista internacional convidada a residir em Guimarães durante duas semanas. Neste projeto, a artista é desafiada a acompanhar duas residências artísticas, uma de âmbito nacional e outra de âmbito regional, cujos resultados teremos oportunidade de conhecer no regime de ensaios abertos - no dia 28 de junho, o projeto regional, e no dia 3 de julho, o projeto nacional.
A artista fará ainda outras atividades em torno da sua obra, tomando variados formatos como masterclasses, palestras ou performances pelas mãos da própria Janaina Leite, que a 22 de junho lançará o livro "O Feminino e a abjecção - ensaios sobre a (ob)cena contemporânea", às 15h30, no CIAJG / Livraria e realizará a Palestra-Performance "O Corpo Material e Imaterial", às 19h00, no CIAJG / Black Box.
Sem rede: o segredo está na falha
Dentro do espírito de capacitação para a criação, surgem propostas que subvertem expectativas e quebram o protocolo habitual da cena. Uma delas é o programa "Sem Rede", dedicado ao pensamento sobre o erro e a falha. A estreia está marcada para 2 de julho, com Gaya de Medeiros, a partir do espetáculo "Pai para jantar".
O objetivo deste projeto é abrir portas à aceitação do erro, tanto no Teatro Oficina como nas mais variadas e áreas. "Tentamos fazer perceber que o processo da criação artística é assente na falha, no voltar a fazer. Nesse sentido, o que nós estamos a fazer é convidar artistas a trazerem-nos as suas obras que mais falharam para poder com eles discutir o que é esta coisa da falha", não só no processo artístico, mas como noutras áreas. "Percebemos pouco que o progresso científico se faz através do erro", acrescentou Bruno Reis.
Ensaios de mesa: entre o povo e os artistas nasce a magia
A arte não se mostra só no palco, a maior parte das vezes acontece longe dele. Por isso, o Teatro Oficina convida os vimaranenses a abrir as portas de casa, em jantares que prometem muita partilha de histórias e saberes. "Tu ofereces o jantar, convidas quem quiseres, e o artista, em retorno, oferece-te uma mostra do seu trabalho, os métodos da sua criação, e o mais que lhe conseguires pedir. À tua mesa, a encenação é tua. A ver se um dia destes ainda nos encontramos no palco.", descreve a oficina no site onde é possível preenche o formulário de participação.
O projeto "Ensaios de mesa", a decorrer até julho, é uma experiência de proximidade que pretende levar os artistas a jantar nas casas dos vimaranenses, de modo a partilharem metodologias de trabalho, pequenos showcases e, o mais importante de tudo, a mesa. "O artista ainda está numa certa vitrine, que não o ajuda nem àquilo que é a acessibilidade às práticas artísticas. Achamos que a mesa de jantar é talvez o mais maravilhoso dispositivo cultural porque está lá implicada a partilha e uma série de coisas que nos interessam manifestamente", explicou o diretor artístico.
Papagaios na Cloud dá a conhecer o interior do artista
A escuta também é um lugar vital na criação e o Teatro Oficina propõe agora escutar o interior de quem muitas vezes só se vê, o artista. "Papagaios na Cloud" é um podcast que quer conversa, num espaço híbrido e irreverente criado desde maio com Luísa Abreu, Bruno dos Reis, Pedro Nunes e Marco da Silva Ferreira. Aqui, quer sejam artistas de passagem por Guimarães, como residentes, mas também com estudantes de Teatro da Universidade do Minho, são convidados a dialogar, sendo que o foco não está na obra, mas em si, na sua interioridade.
"Queremos simplesmente conversar com eles e perceber quem estas pessoas são. O que acontece é que muitas vezes há artistas residentes na cidade, outros que vêm cá mostrar o seu trabalho, mas aquilo que é a sua interioridade que não está cristalizada na obra, passa um bocadinho ao lado daquilo das pessoas", explicou Bruno Reis.
"Ao Sol, sempre fechámos os olhos. E se a característica do olhar é permitir-se ser capturado pelo que vê, torna-se fácil dizer que o mundo nunca precisou tanto do Teatro. Este trimestre vindouro, antes de subirmos verdadeiramente à armadilha do palco no final do ano, vamos andar por aí, um pouco por todo o lado, um pouco com toda a gente, a ver se um dia destes ainda somos capazes de voltar a levantar a cabeça ao Sol. Esteja ele nas nuvens ou numa teia por iluminar. A ver se vemos, e a ver se vamos juntos.”, este é o mote lançado por Bruno Reis, com a promessa de uma programação, ainda por acabar, do Teatro Oficina que fortalecerá laços com o território.
(Os detalhes da programação podem ser vistos no vídeo que acompanha este artigo)